Nova York está morta?

O Brazil Journal postou um texto que teve grande repercussão nos EUA (NYC is dead forever. Here is why). O autor defende a tese de que a cidade de Nova York está morta para sempre.

Trata-se de um texto bem longo, em que o autor analisa várias dimensões do fenômeno do abandono da cidade, por parte de seus moradores, para outros lugares do país. O vetor que proporciona esta oportunidade de mudança é a banda larga de internet.

Segundo o autor, as pessoas não precisam mais morar em grandes cidades para terem grandes oportunidades. Você, vivendo em uma cidade pequena, sem as dores de cabeça da grande metrópole e com um custo de vida muito mais baixo, pode hoje ter as mesmas oportunidades. Pode trabalhar em uma grande empresa, ter acesso a grandes universidades, fazer grandes negócios, tudo isso sentado na varanda de sua casa no meio do nowhere. O social distancing teria levado as pessoas a descobrirem que podem viver muito bem sem contato humano, pelo menos no que se refere a negócios.

Vou aqui colocar a minha opinião, certamente influenciada pela visão de minha geração. Talvez os mais jovens tenham uma visão diferente. E o mundo, afinal, será deles.

Minha opinião tem origem em duas experiências bem concretas. A primeira é o home office e a segunda é a aula remota.

Trabalho em uma empresa de médio porte. Estamos todos em home office desde março. É horroroso. Quer dizer, no início foi até interessante: não perder tempo no trânsito, não ter a sua atenção desviada por papos paralelos, minha produtividade até subiu. Mas, com o tempo, quatro coisas foram ficando claras:

1) A interação presencial com os colegas é fundamental. Sentar ao lado de um colega para discutir uma ideia ou tratar de um problema é insubstituível. Claro, você sempre pode resolver as coisas por telefone, mas não é a mesma coisa. A sensação é que se está em uma camisa de força, não se tem a mesma agilidade. Discutir uma planilha pelo telefone é um inferno, não funciona direito. Além disso, o ambiente de camaradagem vai se perdendo aos poucos, ficamos cada um em sua própria ilha particular. Isso é tudo, menos uma empresa.

2) A interação remota com clientes pode até funcionar, mas nada substitui uma reunião presencial. O body language faz mais de 50% da comunicação. Estar em contato com clientes remotamente serve como um substituto pobre para o verdadeiro relacionamento.

3) A formação dos mais novos perde muito com a falta de contato. Muito da cultura de uma empresa é adquirido no contato do dia-a-dia, nos almoços, na copa. Ficar em casa realizando tarefas não é exatamente o que vai formar um novo profissional. Há pessoas que foram contratadas que não conheço pessoalmente. Muito triste isso.

4) Trabalhar no mesmo lugar em que você dorme não é exatamente algo que chamo de saudável. No início tudo bem, mas depois aquilo vai embotando a sua mente. Se esta fosse uma situação permanente, eu já estaria procurando um escritório para alugar.

Com relação à minha segunda experiência, dou aulas em um curso preparatório para um teste no mercado financeiro. Neste mês comecei a dar aula remota. Horrível. A interação pessoal é praticamente nula, parece que você está falando com ninguém. Alguns alunos até interagem, mas é muito, mas muito diferente da aula presencial. Até um aluno dormindo em aula é mais interativo do que aula remota. Sem condições. O home office é até uma experiência que pode ser adotada parcialmente. O ensino à distância nem isso.

Bem, tudo isso para dizer que acho que o autor do artigo dizendo que Nova York morreu está errado. O ser humano é um animal gregário. A banda pode ser larga até o ponto de colocar um holograma perfeito na nossa frente. Nada vai substituir o contato humano. Nunca.

Os seres humanos vivem em cidades não porque não possam fazer as mesmas coisas à distância. Os seres humanos vivem em cidades porque precisamos uns dos outros por perto. Nos odiamos mas não podemos viver uns sem os outros. Por isso Nova York e São Paulo vão continuar aí, com suas mazelas e suas promessas. Porque assim é o ser humano.

Torcendo as estatísticas

Hoje, o CEO da Multiplan (empresa de shopping centers) publicou anúncio de página inteira, pedindo pela reabertura do comércio. Para tanto, procura minimizar o número de mortes causadas pela Covid-19, comparando-o com o número de mortes por outras doenças. Trata-se de um número muito pequeno, não justificando, portanto, o fechamento da economia. Estará ele certo?

Desde que o número de óbitos registrados por COVID-19 acelerou para mais de 100/dia, no dia 07/04, foram um total de 2.342 óbitos contabilizados (até ontem, 22/04). Ou, 146 óbitos/dia, na média do período. Por que peguei este período? Porque este tem sido o ritmo de óbitos desde então. Por exemplo, nos últimos 3 dias, foram 148 óbitos/dia. Então, não tem acelerado, pelo menos por enquanto.

Este número é muito? É pouco? Com o que deveríamos comparar? Para verificar, vamos pegar a mesma base usada pelo CEO da Multiplan, o Datasus.

Segundo os números do Datasus, em 2018 morreram 1.316.719 pessoas pelos mais diversos motivos, ou 3.607 pessoas/dia. A campeã das causas são as diversas doenças do aparelho circulatório, com 27,2% do total, seguido de câncer (17,3%), doenças do aparelho respiratório (11,8%) e causas externas, como violência, acidentes de trânsito etc. (11,5%).Dos óbitos decorrentes de doenças do aparelho respiratório, 51% foi devido a pneumonia, o que representou 79.281 óbitos em 2018. Quando observamos este número, nos parece algo muito maior do que o Covid-19, que matou, até o dia 22/04, “apenas” 2.906 pessoas no país. Por que então se faz tanto barulho em torno do Covid-19, enquanto para combater a pneumonia, que é algo parecido, não se cogita fechar o país? Esta é a pergunta feita no anúncio.

Em primeiro lugar, não vamos nos deixar enganar pelos números. Sabe aquela propaganda “você pode comprar este carro pelo equivalente a um cafezinho por dia?”, tanto ao gosto de comerciantes como o dono do shopping? Aqui é a mesma coisa, estamos comparando períodos diferentes. 79.281 óbitos/ano significa, na média, 217 óbitos/dia por pneumonia. Comparando o número de mortes por Covid-19, estas já alcançaram 68% do número de mortes por pneumonia em 2018, ajustado pelo período. Isto porque estamos em regime de distanciamento social há um mês, não sabemos o número se não houvesse esse regime.

Em segundo lugar, a pneumonia é CAUSADA pela Covid-19, mas não se confunde com ela. A pneumonia é uma doença do sistema respiratório que pode ter várias causas (na maioria das vezes, bacteriana), a enorme maioria não contagiosa. Quando um parente morre de pneumonia, pode ter velório e enterro com a família. Portanto, não se resolve pneumonia com distanciamento social. Além disso, o número de óbitos pela doença é mais ou menos constante, tendo girado entre 70 e 80 mil nos últimos anos, segundo o mesmo Datasus. Ou seja, o sistema de saúde, mal ou bem, está dimensionado para tratar esses casos.

Doenças altamente contagiosas têm outra dinâmica. Há surtos, que podem pressionar o sistema hospitalar. O mais comum é a gripe. O mesmo Datasus nos diz quantas pessoas morreram de influenza ao longo dos últimos anos. O pior ano foi 2009, com o surto de H1N1: 1.818 pessoas morreram naquele ano. Ou seja, já morreram mais pessoas por Covid-19 em um mês do que de influenza em um ano, no pior ano da doença no Brasil.

Visto de outra maneira: seguindo nesse ritmo (não precisa acelerar o número de óbitos), o Covid-19 vai matar 54 mil brasileiros em um ano. Isso é o dobro dos que morrem de câncer de pulmão, um pouco menos dos que morrem de diabetes, ou o equivalente ao número dos que morrem assassinados no país todo ano.

– Ah, mas não vai continuar, o surto uma hora vai acabar, esses 54.000 estão exagerados.

Por obra e graça do que vai terminar? O Covid-19 não tem vacina, não tem remédio, a taxa de mortalidade é algo entre 0,5% e 1,0% dos contaminados, por que morreriam menos de 54 mil em um ano? Por imunidade de rebanho é que não vai ser. A conta é simples: se morrerem 54 mil em um ano, isso significa, para uma taxa de mortalidade de 0,5%, 10,8 milhões de infectados, ou 5% da população brasileira. Longe, portanto, da imunidade de rebanho. Sem isolamento social (ou uma vacina), esse número é daí para cima, não daí para baixo.

Outro número mostrado pelo CEO tem o seu valor. Sem dúvida, nosso número per capita de óbitos tem sido várias vezes menor que nos países da Europa e nos EUA. Pode haver várias explicações: subnotificação, clima, vacinação BCG, raios UV, número maior de leitos de UTI, medidas de isolamento social precoces etc, etc, etc. Este número é importante, e isso sim pode servir de base para um relaxamento da política de distanciamento social, uma vez garantido o atendimento na rede hospitalar. Mas, obviamente, trata-se de um retrato da situação atual, não necessariamente o que vai acontecer no futuro se a política mudar. Por isso, tudo precisa ser feito com cautela, de modo planejado, e sempre com o preparo necessário para lidar com um eventual aumento excessivo do número de casos.

Não há dúvida de que o custo econômico do distanciamento social tem sido altíssimo, e é perfeitamente legítimo questionar se está valendo a pena. Mas precisamos de dados honestos para julgar. Fazer comparações descabidas não ajuda para a avaliação do problema.

O isolamento social no mundo

O Banco UBS fez um excelente levantamento do estado atual de quarentena de vários países do mundo. Para tanto, adotou uma escala de 1 a 10, em ordem de intensidade das restrições. Grosso modo, o UBS dá nota mínima 3 para escolas fechadas, nota mínima 5 para fronteiras fechadas e nota mínima 7 para quarentena generalizada. A tabela vai sendo atualizada semanalmente, então dá para ver o progresso das medidas de restrição em cada país, e fazer um comparativo das medidas entre os países.

Observe que a Índia, apesar do número mínimo de casos/óbitos (tem metade dos casos e um quinto dos óbitos do Brasil, apesar de ter população seis vezes maior), adota as maiores restrições. Eles sabem que aquilo é um barril de pólvora, e os números, por conta de uma testagem falha, não servem de nada.

Suécia aparece como o país como menor nota de restrições, confirmando o que já sabemos. Vamos ver se essa nota aumenta ou não nas próximas semanas.

Alguns países, como Rep. Tcheca, Malásia, Espanha e Alemanha já começam a fazer o caminho de volta.

Já o Brasil coloca-se no meio do caminho em termos de restrições. Se o pessoal já está reclamando, imagine se vivêssemos na Índia!

O pêndulo do isolamento social

Excelente artigo sobre as escolhas morais envolvidas nas políticas de contenção do Covid-19.

No Brasil como um todo e em vários Estados, já há alguns dias temos duas informações objetivas sobre o avanço da epidemia:

1) A nossa curva de contaminados/óbitos continua em tendência de crescimento. Ou seja, o pico da doença, em tese, está mais para frente, e não sabemos quando e qual será esse pico.

2) O crescimento da nossa curva de contaminados/óbitos está muito mais suave do que na Europa e nos EUA.

Os grupos que defendem apertar ou liberar a quarentena se apegam a uma ou outra informação. A balança, que começou com apoio forte para a informação 1, já há alguns dias começa a pender para a informação 2, ainda que essa informação possa estar enviesada pela subnotificação. Se continuar nessa tendência por mais uma ou duas semanas, chegaremos ao ponto de considerar as mortes pelo corona como “mortes normais”, como diz o artigo. E a quarentena terá acabado por morte natural.

A única coisa que poderá fazer o pêndulo voltar a pender para a informação 1 é a superlotação dos hospitais. Mas aí, já terá sido tarde demais.

Qual o grau ótimo de isolamento social?

O Brasil atingiu ontem 6,4% de mortalidade pelo coronavírus. Ou seja, de cada 100 casos notificados, 6,4 foram a óbito.

A crítica a este número, muito acertada diga-se de passagem, é que há uma enorme subnotificação da população infectada. Então, a base de cálculo está subdimensionada, o que levaria a uma taxa real de letalidade muito menor. Tão baixa, inclusive, que não justificaria toda essa histeria em torno do assunto. Não passaria de uma H1N1 um pouco mais forte (como sabemos, o índice de letalidade da H1N1 está por volta de 0,1%).

Bem, se o problema é subnotificação, vamos pegar alguns exemplos de países que têm uma notificação exemplar. O caso extremo é a Islândia. Esse pequeno país do Ártico já testou nada menos que 12% de sua população. Só para dar uma ideia do que isso significa, a Coreia, sempre citada como um exemplo de testagem em massa, testou 1% de sua população, enquanto o Brasil testou irrelevantes 0,03%. Pois bem: o índice de letalidade da Islândia é de 0,5%. Portanto, ainda cinco vezes maior que a H1N1.

Outro exemplo é Luxemburgo, um pequeno enclave entre Bélgica, Alemanha e França. Luxemburgo testou 5% da população, o quíntuplo da Coreia. Seu índice de letalidade é de 2,0%, muito semelhante ao da Coreia.

Será então que, uma vez testada toda a população, todos os países convergirão para o índice de letalidade da Islândia (0,5%)? A resposta é não.

O vírus não é um algoritmo que “escolhe” matar 0,5% de quem infecta. O índice de letalidade depende também da resposta dada à doença. Fatores como isolamento social, clima, vacinação anterior, podem influenciar o número de pessoas infectadas. Mas, uma vez infectada, as únicas variáveis que contarão para o óbito do infectado são a agressividade do vírus, a idade/comorbidade do contaminado e a resposta hospitalar. A agressividade do vírus deve ser a mesma no mundo inteiro, a não ser que haja mutações. A idade/comorbidade varia de país para país, mas é facilmente corrigida usando-se as pirâmides etárias de cada país. É na terceira variável que a coisa pega: como comparar o potencial de resposta hospitalar de cada país?

A forma mais simples é comparar leitos de UTI per capita. Quanto maior este coeficiente, melhor será a resposta hospitalar e menor será a letalidade. Mas existe uma outra variável muito mais importante, e de difícil mensuração: o grau de isolamento social. Vejamos um exemplo.

Digamos que dois países tenham 100 leitos de UTI/respiradores para cada milhão de habitantes. Digamos também que, se uma pessoa vai para a UTI, ela tem 75% de chance de se salvar. Por outro lado, uma pessoa que precise ir para a UTI mas não consegue vaga, vai a óbito em 100% dos casos.

Agora, suponhamos que os dois países tenham adotado alguma forma de isolamento social. O isolamento social do primeiro fez com que houvesse 100 pessoas precisando de UTI ao mesmo tempo. Tem vaga pra todo mundo, e 25 morrem. No segundo país, o isolamento social foi um pouco mais fraco, e 110 pessoas precisaram de UTI ao mesmo tempo. Dessas 110, 100 foram tratadas e 25 morreram. E das 10 que não foram tratadas, todas morreram, totalizando 35 mortes. Ou seja: um isolamento social apenas 10% mais fraco levou a um índice de letalidade 40% maior! Em outras palavras, comparar graus de letalidade entre países sem conhecer de perto suas práticas de isolamento social não passa de um tiro no escuro.

Sabemos muito pouco sobre essa doença. Calibrar então o grau de isolamento social necessário para não forçar o sistema hospitalar é mais do que uma arte, é puro chute. Lembro de minhas aulas de resistência dos materiais, em que aprendíamos cálculos complicadíssimos para projetar uma ponte. Depois de muita ciência, colocava-se um tal de “coeficiente de segurança”. Esse coeficiente de segurança é proporcional ao grau de ignorância sobre fatores não antecipados pelos cálculos. Quanto maior a ignorância, maior o coeficiente de segurança. Esse coeficiente de segurança, obviamente, custa dinheiro: significa mais material gasto na construção da ponte. Mas vidas estão envolvidas, então algum coeficiente de segurança é necessário.

No caso do coronavírus, o grau de ignorância é gigantesco. E qualquer erro pode levar à multiplicação do grau de letalidade em várias vezes, como vimos acima. Por isso, entende-se o “coeficiente de segurança” usado pelos gestores públicos no mundo inteiro na adoção do isolamento social.

Mais um estudo, mesmas conclusões

Samy Dana e outros quatro autores publicaram um estudo de fôlego, em que simulam o número de mortes no Brasil pelo Covid-19.

A apresentação começa dizendo que as simulações feitas até o momento erraram em “várias ordens de grandeza” o número esperado de mortes. Bem, várias ordens de grandeza significa, pelo menos, em 100 vezes (duas ordens de grandeza). Fiquei curioso para conhecer os resultados.

Depois de descrever o modelo de maneira bem detalhada, a apresentação chega nos resultados: no Brasil, teríamos entre 23 mil e 93 mil mortes, com a mediana das expectativas em 38 mil mortes. Isso, mantendo as condições atuais de isolamento social, como os autores fazem questão de lembrar em todos os slides.

Muito bem. Fui revisitar o estudo do Imperial College, aquele que fez o Reino Unido sair correndo para fazer o isolamento, e que foi taxado de sensacionalista por meio mundo. Aliás, a simulação de Dana et al utiliza o modelo do Imperial College para modelar o número de pessoas infectadas no tempo.

Para o Brasil, o estudo do Imperial College estimou 44 mil mortes para o cenário de isolamento precoce e 206 mil mortes para o cenário de isolamento tardio. Bem, para começo de conversa, não se trata de um erro de “várias ordens de grandeza”. Parece-me que o Brasil adotou um isolamento mais precoce do que tardio, de modo que o número de 38 mil de Dana et al se compara mais com os 44 mil do Imperial College. Mas mesmo que fosse com os 206 mil, trata-se de um erro de menos de 10 vezes, e não de 100 vezes. Além disso, o estudo inglês é de 26/03 e, portanto, foi feito com dados menos precisos sobre o Brasil do que temos hoje.

Ocorre que o que causou furor no estudo do Imperial College foi o cenário SEM QUALQUER ISOLAMENTO SOCIAL, que previa, para o Brasil, mais de um milhão de mortes. Infelizmente, Dana et al não publicaram a sua previsão para a hipótese de não isolamento social, de modo que não podemos fazer comparações neste caso.

Em resumo: mais um estudo que corrobora a simulação feita pelo Imperial College, e a importância do isolamento social para controlar os efeitos da epidemia.

Critérios para sair da quarentena: onde estamos?

Anteontem, a Casa Branca publicou um plano para a saída da quarentena.

Só para relembrar: são três fases, cada uma delas com afrouxamento progressivo. Para avançar de fase (parece video game…), é necessário estar distante do pico de casos 14, 28 e 42 dias, respectivamente. Se fôssemos adotar este critério para alguns países, teríamos o seguinte resultado:

  • EUA: 7 dias do pico (ainda em quarentena)
  • Itália: 20 dias do pico (Fase 1)
  • Alemanha: 20 dias (Fase 1)
  • Inglaterra: 5 dias (quarentena)
  • Espanha: 15 dias (Fase 1)
  • França: 12 dias (quarentena)
  • Brasil: zero dias (quarentena)
  • São Paulo: zero dias (quarentena)

Interessante como os países mais distantes do pico (Alemanha, Espanha e Itália) de fato já estão começando a afrouxar a quarentena, como se estivessem seguindo o plano americano.

Algumas observações:

1) O critério sugerido pelo governo americano se baseia no número de casos, não no número de mortes. O pressuposto é de que o número de casos fornece uma métrica antecedente da melhora da epidemia, antecipando o fim da quarentena. Obviamente, só funciona se houver ampla testagem.

2) Este critério é um possível. Cada país adotará o seu próprio. A vantagem desse critério é justamente ser um critério, com base no qual podemos nos planejar. Quarentena sem perspectiva é algo que desgasta qualquer cristão.

3) Apesar do número de casos ser um critério objetivo, pode haver obviamente subjetividade na interpretação. Por exemplo, os números acima foram baseados na média móvel de 3 dias. Se fosse com base nos casos diários, os resultados seriam outros. Outra subjetividade é a interpretação do pico. Por exemplo, no caso dos EUA, o pico foi de 100 casos/milhão de habitantes, depois caiu para 83, mas agora subiu para 93. Será que isso poderia ser considerado como um novo pico? Cada governo deverá seguir seus próprios critérios.

4) No caso do Brasil, estamos a zero dias de distância do último pico. Se o número de casos continuar crescendo, continuaremos a zero dias de distância do pico, até que o número de casos comece a cair. Pouco importa se esse pico está longe do pico dos outros países, o critério do governo americano é o pico. Podemos até chegar à conclusão de que este critério não serve para nós, mas este é o critério.

Sai seis, entra meia-dúzia

Muito bem, trocamos de ministro.

Nas próximas horas, espero duas coisas:

1) Uma resolução do ministério indicando a cloroquina como terapia eficaz no tratamento do Covid-19 e

2) Uma resolução do ministério recomendando a adoção do tal “isolamento vertical”, mantendo somente idosos e pessoas com comorbidades em casa, e liberando todas as atividades econômicas.

Se isso não acontecer, ficará claro que a troca no ministério foi somente por uma birra pessoal do presidente.

Um plano de reabertura

A Casa Branca acaba de divulgar o seu plano de reabertura da economia. Trata-se de um plano regionalizado. Ou seja, cada cidade ou Estado deverá seguir o plano de acordo com suas características particulares.

O plano é dividido em 3 fases. Para uma região começar a primeira fase, é preciso que:1) Tenha ocorrido decrescimento de casos suspeitos e casos registrados de Covid nos últimos 14 dias2) Não haja crise de atendimento nos hospitais, e exista plano para aumentar a capacidade de atendimento rapidamente se necessário.3) Haja um programa robusto de testagem, incluindo teste de anticorpos.

Para ingressar na segunda fase são necessários outros 14 dias de redução de casos suspeitos/registrados, e para ingressar na terceira fase são necessários mais 14 dias de redução. Ou seja, para ingressar na última fase, serão necessários 42 dias.

São as seguintes as recomendações para cada fase:

Indivíduos:

  • Fase 1: indivíduos vulneráveis devem permanecer em casa, indivíduos não vulneráveis devem respeitar a distância social quando em público e evitar aglomerações de mais de 10 pessoas. Devem minimizar viagens não-essenciais.
  • Fase 2: indivíduos vulneráveis devem permanecer em casa. Indivíduos não vulneráveis devem continuar respeitando a distância social quando em público, e evitar aglomerações de mais de 50 pessoas. Viagens não essenciais podem ser retomadas.
  • Fase 3: indivíduos vulneráveis podem voltar a sair de casa, mas devem respeitar a distância social. Indivíduos não vulneráveis devem minimizar o tempo passado no meio de multidões.

Empregadores:

  • Fase 1: devem encorajar o home office, fechar áreas comuns dos escritórios e minimizar viagens não essenciais.
  • Fase 2: devem encorajar o home office, fechar áreas comuns dos escritórios, mas viagens não essenciais estão liberadas.
  • Fase 3: os empregados podem voltar aos escritórios

Escolas

  • Fase 1: permanecem fechadas
  • Fase 2: podem reabrir

Visitas a hospitais e asilos

  • Fases 1 e 2: proibidas
  • Fase 3: podem ocorrer, com regras rígidas de higiene

Grandes restaurantes, cinemas, teatros, estádios, igrejas

  • Fase 1: podem operar com regras rígidas de distanciamento social
  • Fase 2: podem operar com regras moderadas de distanciamento social
  • Fase 3: podem operar com alguma regra de distanciamento social

Pequenos restaurantes e bares

  • Fase 1: devem permanecer fechados
  • Fase 2: podem operar com baixa ocupação
  • Fase 3: podem operar normalmente

Academias de ginástica

  • Fases 1 e 2: podem funcionar, desde que haja regras rígidas de distanciamento social
  • Fase 3: podem funcionar com regras padrão de higiene

Cirurgias eletivas

  • Fase 1: podem ser retomadas, desde que seja sem internação
  • Fase 2: podem ser retomadas as com internação também

Trata-se de um plano genérico, que provavelmente será concretizado no nível regional. Note a exigência de testagem ampla, coisa muito longe de acontecer no Brasil.

Guerra de narrativas

A guerra de narrativas somente começou. Ela está aí e ficará conosco durante muitos anos. Afinal, o isolamento social funcionou para salvar vidas ou foi uma bomba na economia inócua para salvar vidas?

A forma correta de resolver a questão é, daqui a uns dois ou três anos, fazer pesquisa rigorosa e publicar artigos acadêmicos em revistas de prestígio. Esses artigos procurariam medir o caminho da epidemia vis a vis as iniciativas de cada governo, medindo a eficácia de cada conduta e os efeitos duradouros na atividade econômica, baseado em sólidos e consagrados modelos econométricos.

A forma feicebuquiana de resolver a questão é pegar no ar fatos avulsos e anedóticos para fincar pé em conclusões tiradas a priori, de acordo com convicções pre-estabelecidas. Tal país fez isso e deu certo. Tal país fez aquilo, e deu errado. Olha, são tantas variáveis envolvidas, tantos fatores que influenciam o resultado final, que é quase pretensioso achar que se tem a resposta direta e pronta para tudo no meio da tormenta.

Prefiro a primeira forma. Por isso, vou procurar me abster, daqui em diante, de usar exemplos soltos para tentar propor ou contrapor teses. Vou assumir minha ignorância sobre o assunto. Não sei se vou conseguir, mas vou tentar.