Vou dizer uma coisa: se a curva paulista continuar nessa mixórdia, vai ser difícil justificar politicamente uma extensão da quarentena após o o dia 22 em São Paulo.
PS: note que eu disse “politicamente”. Tecnicamente pode até ter justificativa, mas, como tudo que envolve interação entre as pessoas, é a política que decide no final.
PS2: não se trata de torcida nem contra nem a favor. Essa observação pretende ser apenas uma constatação da realidade.
Três gráficos mostram a evolução do número de casos/capita (média móvel de 3 dias), considerando o início de cada série quando ocorre 1 caso/milhão de habitantes.
Três gráficos mostram a evolução do número de mortes/capita (média móvel de 3 dias), considerando o início de cada série quanto ocorre o caso #150.
Nos gráficos que mostram o Brasil contra Europa e EUA, tanto em número de casos quanto de mortes, a curva brasileira mostra-se bem mais suave, quase estável. Os números divulgados assustam (ultrapassamos mil mortes!), mas o fato é que o ritmo de crescimento tem sido bem contido.
Para aqueles que acham que as medidas de distanciamento social não têm nada a ver com esse resultado, trago também a comparação dos números da Suécia com os seus pares nórdicos. Os governantes suecos resolveram, voluntariamente, brindar a humanidade com um experimento que, de outra forma, teria sido impossível: manter uma população exposta à epidemia com medidas brandas de distanciamento social, confiando nos hábitos de higiene do povo. Com esse experimento, podemos constatar que o número de mortes/capita é bem mais elevado na Suécia do que nos seus pares nórdicos. A única diferença relevante entre esses países foram as medidas de contenção social. Obrigado, governantes suecos, por usarem a população do seu país como cobaia. A humanidade agradece!
Muito se tem falado do “experimento sueco” na contenção da epidemia. Parece que a Suécia adotou medidas bem mais suaves, não fechando escolas nem comércio. Segundo matéria do The Guardian de hoje, dica de Flavio Soares de Barros), parece que o governo está revendo seus conceitos. Os gráficos abaixo explicam porque.
O número de mortes na Suécia (por habitante), é bem menor que Espanha e Itália, e compatível com Reino Unido e França. Mas, recentemente tem se mostrado bem superior a países com que a Suécia se compara, como Alemanha e os outros países nórdicos (Noruega, Dinamarca e Suécia). São ainda poucos pontos, mas para uma doença que cresce exponencialmente, cada dia é um ano. E os suecos sabem disso.
O impacto das medidas de isolamento social serão terríveis para a atividade econômica. Isso já sabemos. Mas quão terríveis?
Os primeiros chutes dos economistas do mercado financeiro indicam perdas do PIB neste ano que vão de -1% a -4%. Sem dúvida, uma grande desaceleração.
Fiquei tentando lembrar da última vez que isso aconteceu. Não foi difícil. Isso aconteceu recentemente. Não uma vez, mas duas.
Nos anos de 2015 e 2016, o PIB brasileiro recuou entre 3,5% e 4,0%. Sim, não um ano, mas dois anos seguidos. Foi o efeito do Dilmavírus.
Claro que hoje a coisa assusta mais, pois é um grande impacto no curtíssimo prazo, dando uma sensação muito ruim, como se estivéssemos em um carro que brecasse violentamente.
Além disso, não quero passar a impressão de menosprezar os efeitos deletérios da desaceleração que enfrentaremos. Serão meses bem sofridos. A comparação com um período péssimo não torna melhor um período ruim.
Mas, olhando em perspectiva, conseguimos, aos trancos e barrancos, sair daquele buraco. Sequelas ficaram, como o grande desemprego que ainda assola o país. Mas vamos caminhando.
Conseguiremos sair deste buraco também. Se sobrevivemos ao Dilmavírus, o coronavírus é fichinha.
Anteontem, em entrevista ao Datena, Bolsonaro afirmou que “não se pode parar a indústria automobilística porque tem 60 mil mortes no trânsito todos os anos”.
Hoje, o jornalista J.R. Guzzo segue na mesma linha. O país nunca parou porque milhares morrem de doenças coronarianas, ou respiratórias, ou de tuberculose. Então, por que parar o país por causa do corona?
Já escrevi sobre isso aqui, mas quando um jornalista da experiência do Guzzo repete uma falácia desse tipo, acho que vale a pena repetir.
Na verdade, são três as falácias envolvidas: 1) a falácia da natureza do problema; 2) a falácia estatística e 3) a falácia filosófica. Vamos ver.
A falácia da natureza do problema refere-se à forma como se trata de cada problema, de acordo com sua própria natureza. Não se trata doenças coronarianas com isolamento social porque simplesmente não tem nada a ver uma coisa com a outra. Doença coronariana se trata com remédio, alimentação e cirurgia, quando for o caso. A mesma coisa se dá com doenças infectocontagiosas, como tuberculose e sarampo, que contam com vacinas. Não é necessário distanciamento social, é preciso uma campanha de vacinação. Bem, espero ter sido claro.
A segunda falácia, a estatística, é o que tem sido falado à exaustão: estamos trabalhando para achatar a curva de contaminação, para torná-la mais lenta e não sobrecarregar o sistema de saúde. Por que não se faz isso com os acidentes de automóvel, por exemplo? Simplesmente porque não é estatisticamente necessário. Os acidentes ocorrem de maneira mais ou menos constante ao longo do ano, de modo que o sistema de saúde consegue, bem ou mal, dar conta do recado. O mesmo ocorre com doenças coronarianas e todas as outras. Não existe um pico inadministrável de curto prazo. O número total de mortes pelo corona pode até ser menor do que de outras doenças ou acidentes, mas a sua concentração em pouquíssimo tempo, além de chocar, pode ser evitada com o achatamento da curva de transmissão.
Sobre esta segunda falácia, Guzzo ainda afirma que o problema é a baixa capacidade do SUS de atender os doentes, e não é distanciamento social que vai resolver um problema que já se arrasta há mais de 30 anos. Ora, ninguém está querendo resolver o problema do SUS. Pelo contrário. Ao reconhecer que há um problema no SUS, fica ainda mais urgente tomar providências para que a situação não saia do controle. Difícil entender alguém defender que, por termos um problema, vamos agravá-lo ainda mais. Já que estou com um pé na merda, vou colocar o outro também. Faz sentido?
Por fim, a terceira falácia, a filosófica. Sim, as pessoas morrem de muitas coisas além do corona. Ainda não somos imortais, portanto vamos morrer de alguma coisa. Ao enumerar todas as outras causas mortis para diminuir a importância do corona, Guzzo lança mão de um sofisma: aproveita-se do fato de que as pessoas morrem de alguma coisa, qualquer coisa, para dizer que morrer de corona não é assim tão grave. Ora, morrer vamos sempre morrer, mas isso não significa que não devamos lutar para viver. No limite, o argumento vale para tudo: por que, por exemplo, se preocupar em tentar salvar a vida de acidentados de trânsito se muito mais pessoas morrem de doenças coronarianas? Se esse raciocínio parece maluco, por que o do corona parece razoável?
O grande debate, na verdade, é só de custo-benefício. Parar o país vale a vida daqueles que serão salvos do corona? Este debate ocorreu em todos os países onde alguma quarentena teve que ser imposta, e desapareceu quando corpos começaram a ser empilhados. Aqui vai acontecer a mesma coisa.
Muitos dos que defendem a liberação já da quarentena usam como argumento o fato de que, uma vez o país reaberto, o surto volta e aí teríamos o pior de dois mundos: recessão e peste. É um bom ponto, que não tem uma resposta simples.
Está aí um artigo que endereça esse problema. China, Coreia e Japão estão mostrando como é possível lidar com o “pós-quarentena” sem precisar fechar a economia novamente. Mas é preciso ter um plano. Caso contrário, todo esse esforço terá sido em vão.