Um grupo de médicos escreve artigo hoje condenando a nova onda do momento entre os jovens: o cigarro eletrônico. Segundo eles, a indústria tabagista, não contente em já ter matado milhões de pessoas no passado, agora volta a atacar com outro vício envolto em glamour e amparado por lobbies poderosos junto aos legisladores.
Dentre os autores do artigo, chamou-me a atenção o nome de Drauzio Varella. Não me era estranho. Dei um google, associando o nome à maconha, e não foi difícil encontrar o que eu lembrava vagamente: o mesmo médico que condena o cigarro eletrônico é um ardoroso defensor da cannabis para fins recreativos. Por exemplo, em uma participação no podcast Podpah há menos de dois anos, Varella afirma que maconha não mata, e omite seus danos à saúde na vida adulta, condenando o seu uso somente por crianças.
Para quem quer ver incoerência no posicionamento do médico, peço que experimente trocar a chave de interpretação dos fatos. O artigo publicado hoje não condena propriamente o vício, mas a PODEROSA INDÚSTRIA por traz do vício. Existe um pequeno grupo de indivíduos maus, aqueles que lucram com a indústria tabagista, que estimulam a garotada a fumar, levando muitos à morte. O artigo é todo sobre a indústria e seu poderoso lobby.
É um pouco também como ocorre com a peroração sobre as mudanças climáticas: só não avançamos porque há uma PODEROSA INDÚSTRIA petrolífera que busca defender os seus lucros a todo custo. Pouco importa a demanda por cigarros ou por combustíveis fósseis, são as indústrias e seus acionistas os culpados pelo vício.
O caso da maconha é diferente. Não há uma PODEROSA INDÚSTRIA por traz, com ações na bolsa detidas por capitalistas inescrupulosos. Nada disso. A maconha é artesanal, você pode, inclusive, plantar na sua sacada. Junte-se a isso o glamour de ser algo proibido e voi lá! Temos a combinação perfeita da transgressão chique.
Varella e seus colegas propõem a proibição pura e simples da comercialização do cigarro eletrônico, com o aumento da fiscalização, como se a demanda simplesmente desaparecesse por um passe de mágica. A proibição somente acrescentaria ao vício o glamour da transgressão, como ocorre hoje com a maconha.
Quando a maconha for amplamente legalizada (e isso acontecerá mais cedo ou mais tarde), uma PODEROSA INDÚSTRIA se formará para explorar mais esse ramo econômico. Alguns anos depois, estudos demonstrarão que a maconha faz muito mal à saúde e até mata, e artigos serão escritos pelos sucedâneos de Varella para condenar a PODEROSA INDÚSTRIA em sua ânsia de lucrar com a desgraça alheia. Não se trata do que, mas de quem.