Os selvagens do mercado financeiro

O economista Eduardo Giannetti da Fonseca dá a fórmula do sucesso para o governo Lula na área econômica: não afrontar as “crenças ancestrais” do mercado financeiro, de modo a ganhar a sua boa vontade e, assim, implementar as suas próprias soluções para os problemas.

Ele não descreveu quais seriam essas “crenças ancestrais”, mas podemos imaginar: equilíbrio das contas públicas, reformas que aumentam a produtividade da economia, privatizações. A “vacina” de Lula, por outro lado, seriam créditos subsidiados para empresas escolhidas, uso das estatais para “induzir a industrialização”, estabelecimento de reservas de mercado. O que Giannetti propõe é que Lula reconheça o valor das “crenças ancestrais” para poder inocular a sua “vacina” sem a resistência dos primitivos. Resta saber como isso ajudaria a manter a consistência entre “sinais” e “ações”, conselho que o economista dá a Lula.

Na verdade, Lula está mantendo bastante consistência entre sinais e ações, como preconiza Giannetti. Enquanto demoniza o mercado, aprova uma PEC de R$ 200 bilhões em gastos. O seu ministro da Fazenda, este sim, está tentando seguir a receita do economista, apresentando um plano de ajuste fiscal pra pajé ver, enquanto o governo do qual faz parte inocula a vacina da “civilização científica”.

Tentei salvar a parábola do economista, imaginando que ele pudesse estar apenas usando uma figura de linguagem para indicar o modus operandi adequado para o governo, que não deveria bater de frente com os “selvagens” do mercado ao mesmo tempo em que adota a política econômica mais, digamos, “correta”. Mas essa interpretação é tão forçada, considerando os personagens envolvidos e o tipo de política econômica que um e outro propõe, além da necessidade de harmonizar discurso com ação, que fica difícil salvar qualquer coisa aqui.

Enfim, talvez Gianetti da Fonseca tenha apenas usado um exemplo infeliz. Mas o fato de elogiar a equipe econômica de Lula já nos dá uma pista de por onde andam as preferências do ex-guru econômico de Marina Silva. Os aborígines do mercado financeiro já têm vasta experiência com esses colonizadores que nos prometem um “outro mundo possível” e nos entregam somente devastação.

Concerned economists

Eduardo Giannetti, assim como Mônica de Boule e outros economistas liberais de fachada estão preocupados. Afinal, como será um governo neoliberal selvagem sem um mínimo de “preocupação social”, sem “combater as desigualdades”?

Bem, imagino que não será pior do que aquilo que tivemos nos últimos mais de 30 anos, a partir do advento da Nova República. Desde o “tudo pelo social” do governo Sarney, passando pela socialdemocracia de FHC e terminando pelos “governos populares” de Lula e Dilma, não tivemos outra coisa que não governos com “preocupação social” e dedicados a “combater as desigualdades”.

A julgar pela multiplicação de favelas, pelo aumento desbragado da criminalidade, pelos 13 milhões de desempregados e pelo número de pessoas dormindo nas ruas das grandes cidades, parece que a fórmula não deu muito certo, não é mesmo? Que tal tentar outra?

Economistas como Giannetti e De Boule acreditam que o Estado deve ajudar a diminuir a desigualdade. Economistas liberais de verdade acreditam que o Estado deve ajudar a aumentar a riqueza. A ênfase da socialdemocracia é a igualdade. A ênfase do liberalismo é o crescimento econômico. Como bem lembrou Amoêdo durante a campanha, o Afeganistão é um país com menor desigualdade do que o Japão. Onde você preferiria viver?

Mas isso tudo não passa de uma falsa dicotomia, muito útil para etiquetar Bolsonaro como “ultra-direita” e Guedes como “ultra-liberal”, colocando-se, os “concerned economists”, como monopolistas do bem e da virtude, tática muito utilizada pelas esquerdas. Guedes nada mais prega do que o equilíbrio fiscal, a privatização como vetor do aumento da produtividade e reformas institucionais que induzam o crescimento do investimento privado. Tudo isso seria assinado embaixo por Giannetti e De Boule. Mas dar o braço a torcer nisso significaria endossar um “fascista”, coisa inadmissível para quem tem um nome a zelar.

– Ah, mas é preciso também haver políticas de mitigação das desigualdades! Não é possível esperar o bolo crescer para depois dividir, como já dizia o czar da economia nos governos militares, Delfim Netto.

Sim, e Bolsonaro já disse que vai manter o Bolsa Família, que é um programa com um bom custo-benefício. Mas me surpreenderia se o governo voltasse a programas como o FIES, que tem um custo fiscal gigantesco e eficácia duvidosa, a não ser encher os cofres das faculdades privadas. Se somarmos o montante de impostos gastos em “programas sociais” destinados a “mitigar a desigualdade” nos últimos 30 anos, provavelmente chegaríamos a um valor que explicaria boa parte da nossa dívida. Com que resultado? Esta seria uma boa auditoria da dívida.

Mas fiquem sossegados Eduardo e Mônica e todos os economistas mais sensíveis, genuinamente preocupados com as desigualdades. Daqui a 4 anos haverá nova eleição e, se esse governo for do mal, o povo o substituirá. Mas intuo que a grande preocupação desse pessoal não é de que esse governo dê errado. É de que dê certo.

O antes e o depois

Eduardo Giannetti é uma mistura de filósofo e economista. Muito badalado, suas posições são ouvidas e respeitadas.

Pois bem, no Valor de ontem, defendeu o fim do teto de gastos. Posição diametralmente oposta ao que falava dois anos atrás.

O que mudou? Está na campanha de Marina Silva.

Debaixo da capa respeitável, vive um oportunista como todos os outros.

Com a ajuda dos gnomos da floresta

Só tem duas formas de equilibrar as contas públicas: diminuindo os gastos ou aumentando as receitas. Os magos da Marina negam as duas coisas. Restam aumento do endividamento ou, no caso dos credores se recusarem a continuar a financiar o rombo, inflação.

Mas Marina representa aquele pensamento mágico, em que os problemas são resolvidos com muito diálogo e alguma ajuda dos gnomos da floresta.