Educação e crescimento econômico

Este artigo é muito, mas muito interessante mesmo. Desconstrói, com números, o lugar comum de que o problema do Brasil é o baixo investimento em educação e aponta, no último parágrafo, os reais gargalos que impedem o crescimento econômico. Vale muito a leitura.

O verdadeiro marco histórico

Estudei em escola pública tanto durante o Ensino Fundamental (Escola Estadual de 1o Grau Prudente de Moraes) como durante o Colegial (Escola Técnica Federal de SP). Fiz cursinho no Objetivo com uma bolsa e entrei na Poli-USP.

No meu primeiro ano na faculdade, grande parte dos meus colegas vinham de escolas particulares, preponderantemente do Bandeirantes, que era o grande bicho-papão dos vestibulares da época. A diferença de nível era gritante. Em minha primeira prova de Física, tirei 2,5. E olha que eu não era ruim em Física, havia tirado 9,75 na prova da Fuvest, eu achava que era o ban-ban-ban. Mas a faculdade é outro nível. E meus colegas advindos de escolas particulares se saíam muito melhor neste primeiro momento.

No entanto, com algum esforço e dedicação, consegui preencher o gap, e logo estávamos no mesmo nível. Digo isso para relativizar um pouco o receio de que as cotas possam diminuir o nível das universidades públicas. Os alunos das escolas públicas têm sim um gap educacional gigante em relação aos seus pares nas escolas particulares, mas acredito que a maioria possa compensar esse gap ao longo do tempo com esforço e dedicação.

As cotas para alunos de escolas públicas procuram compensar a grande distorção da educação brasileira: o investimento de dinheiro público na educação de quem não precisa desse tipo subsídio. Ao invés de cobrar mensalidades nas universidades de quem pode pagar, prefere-se separar vagas para quem, em tese, não pode pagar. É sub-ótimo, mas ok, resolve parcialmente o problema.

Só não concordo com o fato de que termos metade das vagas nas universidades públicas ocupadas por oriundos de escolas públicas seja considerado um “marco histórico”. Na verdade, essa marca foi atingida por construção. Afinal, se eu reservo metade das vagas para alunos oriundos de escolas públicas, terei metade das vagas preenchidas por alunos dessas escolas. Onde está o tal “marco histórico”?

Marco histórico de verdade teremos quando metade das vagas nas universidades públicas forem ocupadas por oriundos de escolas públicas SEM O AUXÍLIO DE COTAS. Quando esse dia chegar, saberemos que o Brasil mudou de patamar.

Educação e mobilidade social

Meu pai cursou até o colegial (hoje ensino médio), minha mãe, até o ginásio (hoje fundamental 2). O pai de minha esposa cursou até o primário (hoje fundamental 1) e a mãe dela nem isso. Eu e minha esposa temos pós-graduação.

Somos exceção em um país com mobilidade social muito reduzida. Tivemos sorte, eu e minha esposa, de nascermos em lares onde a educação sempre foi valorizada e de termos tido a oportunidade de conviver com pessoas de nível universitário em nossa juventude. Porque a questão da formação superior não se restringe à renda. Há também, e talvez principalmente, o que chamo de “ambição”: para um rapaz ou uma moça que não têm, em seu círculo de convivência, pessoas que cursaram a faculdade, esta parece ser uma meta inatingível, uma espécie de monte Everest. Falta o exemplo de que aquilo não só é possível, mas é para você. Trata-se de um circulo vicioso de difícil superação.

Paulo Tafner foi o apóstolo da reforma da Previdência. Armado de uma montanha de dados e perseverança inabalável, pregou no deserto durante anos, até a sua doutrina tornar-se o pensamento dominante. Reformar a Previdência não é fácil em lugar nenhum do mundo, é necessário mudar o mindset da sociedade, e Paulo Tafner fez grande parte desse trabalho.

Agora, Tafner dedica-se a estudar a mobilidade social no Brasil. A sua entrevista abaixo merece ser lida. Se há um assunto importante no Brasil, é este. Sorte do Brasil ter uma pessoa como Tafner dedicada a isso.

O professor Brandão

Acho que todo mundo tem um professor que marcou a sua vida. No meu caso foi o Prof. Brandão.

Estudava na Escola Estadual Prudente de Moraes, que ficava, na época, na Av. Tiradentes, em São Paulo. Era a segunda metade da década de 70, as escolas estaduais já começavam o seu lento processo de deterioração. Estava na 6a série (atual 7o ano), e o Prof. Brandão lecionava Matemática.

Era um senhor quase careca, com ralos cabelos dos lados. Não sei qual seria sua idade, as crianças costumam achar os adultos muito velhos. Lembro que ficava grande parte do tempo sentado. Era muito rígido, disciplinador. Lembro que gostava dele, ao contrário de todos os meus colegas, que o detestavam. Alguma coisa nele me atraía e me agradava, mas não sabia o que era.

Sinceramente, não lembro de suas aulas. Mas lembro de um episódio que me marcou. Estávamos conversando três colegas e eu durante uma aula. O Prof. Brandão interrompeu a aula e convidou cada um dos meus colegas e eu para fazermos na lousa os exercícios do livro que eram o objeto da aula. Afinal, disse ele, se estávamos conversando, era porque já sabíamos a matéria.

O primeiro colega foi até a lousa e errou logo de cara o primeiro exercício. Ponto negativo na nota. O segundo e o terceiro não tiveram melhor sorte. Fui o quarto a ser chamado. Não lembro quantos exercícios eram, mas fui fazendo-os, um atrás do outro, até completar a lista. Cada exercício feito era comemorado pela turma, que se vingava, assim, do Prof. Brandão.

O Prof. Brandão, contrariado, disse que eu havia me livrado do ponto negativo. Mas não havia acabado: ele me daria a chance de ter um ponto positivo se resolvesse uma questão adicional, fora da lista. Passou o exercício. Era algo semelhante à matéria que estávamos estudando, mas, ao mesmo tempo, diferente. Não sabia como resolver. Mas comecei a tentar achar uma solução e topei com uma, que não sabia se estava certa.

O Prof. Brandão, com sua voz de trovão e a cara contrariada de sempre, disse: “está certo, ponto positivo”. A classe vibrou como se fosse um gol.

Alguns anos depois, voltei a encontrar o Prof. Brandão por acaso. Foi no ônibus no qual eu estava me encaminhando para o Colégio Objetivo, na Paulista, no dia em que seriam publicados os resultados da Fuvest (naquela época não havia Internet, ou você ia até os principais cursinhos para verificar o seu nome em um mural, ou esperava o dia seguinte para conferir o seu nome no jornal). Eu estava concorrendo a uma vaga de Engenharia na Poli.

Era o próprio Prof. Brandão, sentado alguns bancos à frente. Fiquei na dúvida se iria cumprimentá-lo. Nunca fui muito comunicativo, ainda mais quando adolescente. Acabei não o fazendo.

Hoje me arrependo de não tê-lo feito. Gostaria de ter agradecido ao Prof. Brandão o fato de ter sido duro, disciplinador e desafiador. Aprendi matemática com o Prof. Brandão, mas muito mais do que isso: aprendi a ser desafiado e a não desistir de resolver problemas. Além de ter despertado a minha vocação para Exatas.

Um professor é muito mais do que um passador de matéria. É um modelo de comportamento e um inspirador. Transforma seus alunos, para o mal ou para o bem. É uma responsabilidade imensa. São poucos os que estão à altura do desafio. Muitos dão aula. Poucos são professores.

Obrigado, Prof. Brandão, onde quer que você esteja agora.

Obrigado a todos os professores do Brasil.

Ítalo não é exemplo de nada

A família de Ítalo Ferreira, o atual campeão mundial de surfe, tirou a Mega-Sena do esporte. Seu filho ganhou destaque e está ganhando mais dinheiro em alguns anos do que poderiam sonhar seus pais em ganhar em gerações.

Segundo a história contada no jornal, Ítalo começou no surfe aos 8 anos, quando pegava suas primeiras ondas na tampa do isopor do pai, que vendia peixes na praia. Segundo a reportagem, o pai o levava todos os dias para essa atividade.

Fiquei pensando: 8 anos, e o pai o levava todos os dias para a praia? Não estudava, o menino? Parece que sim, mas só terminou o primeiro grau. A reportagem diz que a família teve que ouvir “comentários tendenciosos” porque Ítalo não estudava, ficava só naquela vida de surf.

Ítalo e sua família tiraram a sorte grande, assim como alguns poucos jogadores de futebol e suas famílias. A imensa maioria dos brasileiros ainda depende do estudo para mudar de patamar de vida. Não, Ítalo não serve como exemplo de nada. Para cada Ítalo que dá certo, há milhões que estão condenados à miséria por não estudarem.

No final, a matéria, em tom de condenação, diz que não houve nenhum apoio do poder público para Ítalo treinar o surf. Quer dizer, o jornalista esperava que um Estado que não consegue sequer alfabetizar direito a sua população mais pobre, providenciasse pranchas de surf para meninos que não vão à escola, na esperança de produzir campeões mundiais. Era só o que faltava.

Os métodos que nunca foram aplicados

Eliane Catanhêde escreve hoje uma coluna que sintetiza bem a gritaria que se instalou na inteligentzia nacional ao ver um de seus heróis ser chamado de “energúmeno” por ninguém menos que o presidente da República. Até acho que o presidente não deveria se prestar a esse papel, tem a tal liturgia do cargo, etc. Mas sua intervenção foi útil pelo menos para deixar claro porque estamos onde estamos.

Paulo Freire desejava o bem, que se traduz na igualdade entre as pessoas. Pronto. É o que basta para ser idolatrado. Se os seus métodos funcionam para atingir o objetivo, isso é mero detalhe, irrelevante mesmo.

Mas Catanhêde vai além, e repete a falácia dos socialistas: o socialismo não deu certo não porque não funcione, mas porque os seus princípios foram jogados fora. O “verdadeiro” socialismo funciona, é que nunca foi implementado. Da mesma foram, a educação brasileira está uma lástima não porque se tenha aplicado os métodos de Paulo Freire, mas justamente porque não os aplicaram! “Jogaram fora”, diz a colunista, em uma voz passiva que lhe permite não determinar quem é esse sujeito tão sórdido que descartou os ensinamentos de tão egrégio ener…, quer dizer, educador.

Não sou pedagogo, então não vou aqui me meter a discutir sobre os méritos ou deméritos do método de Paulo Freire. A única coisa que sei é que ele é o Patrono da Educação em uma nação de analfabetos funcionais, que está na rabeira da fronteira tecnológica. Isso diz alguma coisa.

A solução simples para uma educação de qualidade

Nada de teorias mirabolantes. Nada de técnicas pedagógicas revolucionárias, adotadas em países como a Finlândia. O problema do ensino público brasileiro é muito mais básico, segundo o diretor do Bandeirantes: os professores simplesmente não trabalham.

Segundo Mauro Aguiar, os professores da rede pública faltam ao trabalho sem justificativa e são promovidos por critérios sem relação com seu desempenho em sala de aula. E eu acrescentaria: se aposentam com 50 anos de idade, e absorvem mais da metade da folha de pagamento do Estado depois de aposentados, condição em que se manterão mais tempo do que na ativa, considerando a expectativa de vida do brasileiro.

É lugar comum dizer que o investimento no professor é chave para melhorar a educação. No entanto, como investir no professor se os critérios são injustos para com aqueles que trabalham e grande parte da folha é usada para pagar inativos?

Como qualquer reforma que vise mudar esse estado de coisas é recebida com paus e pedras pelos sindicatos da catchiguria, muitas vezes sendo apoiados por “estudantes conscientizados” dispostos a sair às ruas para defender “nenhum direito a menos”, infelizmente estaremos discutindo esse mesmo assunto no PISA 2050.

Escolas “interessantes” e o interesse dos jovens pelos estudo

Pergunte a qualquer adolescente, de qualquer estrato social, se ele prefere ir para a escola ou ficar em casa jogando videogame. Dou um doce para quem encontrar algum santo que prefira ir para a escola.

Estão querendo colocar sobre o sistema educacional uma carga que pertence à família. A escola, assim como depois o trabalho profissional, é interessante no máximo 10% do tempo. Os outros 90% consistem em quebrar pedra.

Tornar a escola “interessante” é uma utopia, vendida por consultores que trazem os exemplos das escolas nórdicas perfeitas, onde os alunos vão para as aulas felizes e contentes. Sou capaz de apostar um mindinho que em uma pesquisa na Finlândia sobre ir à escola ou jogar videogame em casa, o resultado não seria muito diferente do Brasil ou de qualquer outro país do mundo. Adolescente só muda de endereço.

O que mantém o adolescente na escola é a pressão e o exemplo da família e, em certa medida, da comunidade. O adolescente que cresce ouvindo que o estudo é importante, que tem pai e mãe que concluíram o ensino superior ou pelo menos o ensino médio, que vê exemplos de estudos na família e na comunidade onde vive, ficará na escola mesmo “sem interesse”. Será por dever, e por um prêmio maior mais à frente.

Claro que tudo o que possa contribuir para tornar a escola “mais interessante”, como por exemplo o uso de técnicas didáticas inovadoras, agrega. Mas nunca será um substituto para o papel da família e da comunidade. O buraco é bem mais embaixo.

Bolsonaro e o desastre educacional brasileiro

A articulista Renata Cafardo escreve uma coluna sobre educação no Estadão. Seu esporte preferido, como aliás o de todos os militantes da área, tem sido atacar o governo Bolsonaro.

A questão óbvia, e que fica mais óbvia quanto mais esse pessoal escreve sobre as mazelas da educação, é como chegamos a este ponto depois de décadas de políticas implementadas por governos que supostamente têm preocupação social. Bolsonaro está há menos de um ano no poder, e gostemos dele ou não, o fato é que a tragédia educacional brasileira não foi construída por este governo.

Vejamos o exemplo deste artigo. Renata desfila uma série de estatísticas horrorosas, mostrando a desigualdade social que a educação supostamente deveria diminuir. Mas, e essa é a conclusão universal, o governo Bolsonaro está trabalhando na direção oposta, de aumentar a desigualdade. Como se estas estatísticas horrorosas não tivessem sido produzidas pelos governos anteriores.

O exemplo mais recente: o governo agora inventou de unir os orçamentos de saúde e educação em um só, o que supostamente faria aumentar as verbas de saúde e diminuiria as verbas de educação. Sem entrar no mérito de que esta decisão entre saúde e educação deveria sim ser discricionária dos governos e não uma previsão constitucional, o exemplo usado por Renata carece de lógica.

Segundo a articulista, foi a destinação constitucional de verbas para a educação que permitiu o surgimento de certas ilhas de excelência educacional no Nordeste. Ela se refere a Sobral, no Ceará, exemplo nacional de como se pode fazer muito com pouco. Fica o mistério de porque o dinheiro carimbado para a educação conseguiu produzir somente uma ilha de excelência no país inteiro. Será que foram realmente os 25% constitucionais que fizeram a diferença? Se sim, por que não há outras ilhas de excelência? Aliás, por que a educação no Brasil não se transformou em uma grande Sobral e continua essa josta? Afinal, 25% do orçamento todo mundo tem.

Agora que o governo Bolsonaro propõe juntar os dois dinheiros carimbados em um só, passa a ser o grande vilão, aquele que vai acabar com a educação brasileira. Olha, vai ter que trabalhar muito para superar a obra de seus antecessores.