O jornalista repete a palavra usada por um especialista na reportagem.
Ou os dois não sabem o que foi o apartheid, ou a reportagem quer imprimir um viés. Adivinha qual a alternativa correta.
No Chile, como em qualquer lugar do mundo, os mais ricos estudam nas melhores escolas privadas, enquanto os mais pobres estudam nas escolas públicas. O que diferencia os países é a qualidade da escola pública.
O Chile tem o melhor PISA da América Latina, o que demonstra a qualidade de suas escolas públicas em relação ao resto do continente. Mesmo assim, ainda não é suficiente para que os pobres cheguem no mesmo nível para disputar vagas nas melhores universidades.
A questão é: qual modelo o Chile deveria seguir para alcançar melhores resultados? Certamente não é adotando modelos que não deram certo em países como o Brasil. Se no Chile os pobres estão longe das universidades, no Brasil essa distância é ainda maior.
Há um esforço para caracterizar o modelo liberal do Chile como o pai de todos os males. Apontar um suposto “apartheid” educacional é somente mais um tijolo nessa construção. O Chile deveria abrir mão do modelo que lhe permitiu ter a melhor educação da América Latina, em nome de uma “igualdade” que não existe em lugar nenhum do mundo? Essa é a questão.
1) Na média, os professores das escolas privadas ganham US$14 mil/ano a menos que os professores das escolas públicas.
2) Os professores nos EUA ganham, em média, 30% a menos que o trabalhador médio com nível superior.
3) Alunos de escolas públicas obtém notas melhores em exames de aprendizado do que alunos de escolas privadas, quando ajustado pelo nível de renda.
4) Em um estudo recente, alunos de escolas públicas obtiveram notas 7,3% maiores do que alunos de escolas privadas com mesmo nível de renda, e que estavam estudando com bolsa.
O que o autor do artigo recomenda é, ao invés de pagar escolas caras, melhor seria mudar-se para um bairro com boas escolas públicas. Nos EUA, você só pode matricular seus filhos em escolas públicas do bairro de residência.
Não preciso dizer que a realidade brasileira é BEM diferente.
Para não correr o risco de fazer uma injustiça, fui atrás do tal “manifesto pela educação” dos ex-ministros da educação. Está aí na íntegra para quem tiver paciência de ler.
Trata-se de uma coleção de platitudes com duas (duas só) críticas a pontos concretos. Não poderia ser diferente, dado que o atual governo sequer desenvolveu algo que pudesse ser chamado de “política para a educação”, apenas criou factoides, como ministro pedir para as escolas filmarem as crianças cantando o hino ou abrindo guarda-chuva dentro do gabinete. O governo também poderia se ajudar evitando esse tipo de constrangimento.
Comecemos pelas platitudes. São de dois tipos. Primeiro, as declarações universais, que poderiam ser escritas por geradores aleatórios de citações. Coisas do tipo “Uma educação pública básica de qualidade forma bem a pessoa, o profissional e o cidadão para desenvolverem, com independência e sem imposições, suas potencialidades singulares”. Ou “O ensino superior necessita ter qualidade, o que requer tanto constantes avaliações quanto recursos, garantindo seu papel insubstituível na formação de profissionais qualificados para um mercado de trabalho cada vez mais exigente, impactado pelos desafios das inovações e das novas tecnologias.”
Um outro tipo de platitude é mais concreta, e depõe contra quem fala como ex-ministro, pois exige do atual governo o que eles mesmos não fizeram. Por exemplo: “…é indispensável que se constitua e se organize um efetivo Sistema Nacional de Educação”. Ou “Ademais, a prioridade à educação básica demanda que cresçam os repasses do governo federal para os estados e municípios, responsáveis pelo ensino infantil, fundamental e médio, sendo prioridade a renovação e, se possível, ampliação do FUNDEB”. Por que não fizeram um Sistema Nacional de Educação ou ampliaram as verbas do FUNDEB quando tiveram oportunidade para tal? Aliás, ao que me parece, esse governo é o que mais vocaliza a descentralização de verbas (“mais Brasil, menos Brasília”), justamente para que os entes da Federação não precisem ficar mendigando recursos de fundos setoriais.
Agora, as duas críticas.
A primeira refere-se ao contingenciamento de verbas: “Contingenciamentos ocorrem, mas em áreas como educação e saúde, na magnitude que estão sendo apresentados, podem ter efeitos irreversíveis e até fatais”. Primeiro, que os contingenciamentos anunciados por esse governo estão longe de ser os maiores da história. Dilma contingenciou mais no início de seu segundo mandato e não houve manifestos. Segundo, os contingenciamentos se dão sobre verbas não vinculadas constitucionalmente, de modo que as atividades básicas estão preservadas. Terceiro, vi ontem uma estatística mostrando que os gastos com educação durante os governos do PT aumentaram em 30% como proporção do PIB. A tomar pelo seu valor de face essa estatística, isso só mostra a incompetência na aplicação dos recursos, pois obviamente a educação não melhorou em 30% no Brasil durante esse período. Enfim, essa crítica não procede.
A segunda, obviamente, é ideológica, e refere-se ao “escola sem partido”. “… e, mais que tudo, o respeito à profissão docente, que não pode ser submetida a nenhuma perseguição ideológica. A liberdade de cátedra e o livre exercício do magistério são valores fundamentais e inegociáveis do processo de aprendizagem e da relação entre alunos e professores. Convidar os alunos a filmarem os professores, para puni-los, é uma medida que apenas piora a educação, submetendo-a a uma censura inaceitável. Tratar a educação como ocasião para punições é exatamente o contrário do que deve ser feito”.
Em primeiro lugar, segundo o manifesto, o “respeito à profissão docente” se resume a não ser perseguido por questões ideológicas. Não há menção a salários, planos de carreira, segurança nas escolas, incentivos aos bons profissionais. Nada disso. Se deixarmos os professores falarem as groselhas que quiserem dentro da sala de aula, o professor estará respeitado.
Tenho restrições ao “escola sem partido”, não pelo seu objeto, mas pelo seu método. Acho que tem pouca chance de funcionar do modo que foi concebido (nisso, acompanho o Olavo). O trabalho é mais profundo, e deve ser iniciado nas universidades. Mas isso é tema para outro post. O que importa aqui é desnudar o viés ideológico desse manifesto.
Curioso que desse convescote não tenha participado o ministro da educação de Temer, Mendonça Filho, responsável por uma das poucas revoluções na educação brasileira nos últimos anos, a reforma do Ensino Médio. Aliás, bombardeada pelos partidos a que pertencem esses senhores. Obviamente, Mendonça Filho não ia meter a mão nessa cumbuca. Ele sabe que tudo isso aí é pretexto político para bombardear esse governo.
Os ex-ministros da educação dos governos FHC, Lula e Dilma se reuniram para fazer um alerta sobre os perigos dos retrocessos na educação do Brasil.
No ano 2000, o Brasil participou pela primeira vez do PISA, apenas na categoria leitura. Ficou em último lugar entre 36 países da OCDE, com 395 pontos.
Em 2018, o Brasil se classificou em 63o lugar entre 70 países. A nota em leitura foi de 407 pontos, um incrível avanço de 12 pontos em 18 anos, o que nos deixou em 59o lugar nesse quesito.
Vamos ouvir os alertas dos ex-ministros da educação. Eles têm muito a nos ensinar.
A “especialista em educação” da Unicamp crítica as escolas “conteudísticas” e pede que sejam “formadoras de cidadãos” para evitar novas tragédias.
Fala como se estivéssemos na Coreia do Sul, com notas altíssimas no Pisa, e não no reino de Paulo Freire, onde a “cidadania” é a única coisa ensinada com eficiência nas escolas.
Minha filha, que cursa o 2o colegial de uma escola técnica, idealizou um projeto de complemento escolar em escolas públicas, com o objetivo de preparar alunos do ciclo fundamental para os vestibulares de escolas técnicas. Juntou alguns amigos, conseguiu a adesão de uma escola estadual, e começou a dar aulas de reforço aos sábados.
Seu primeiro impacto foi se deparar com a falta de interesse dos alunos. Ninguém compareceu no 1o dia e a direção da escola teve que promover exaustivamente a iniciativa para que meia dúzia de gatos pingados aparecessem nas aulas. Ela não entende porque os alunos não aproveitariam uma oportunidade de melhorar seu desempenho acadêmico e, assim, ter mais chance nos vestibulares das boas escolas. Ela aprendeu que não bastam os recursos. É preciso que haja incentivo.
A loteria da vida importa muito para o sucesso escolar e profissional das pessoas. Isto não é novidade e foi mais uma vez constatado por uma regressão simples entre nota do ENEM e características socioeconômicas dos vestibulandos, conforme matéria de hoje no Estadão.
Agora, correlação é uma coisa, causalidade é outra bem diferente. O pesquisador entrevistado toca em um ponto importantíssimo para a explicação desse fenômeno: a influência dos pais e dos colegas na escola. Viver em um lar onde os pais têm curso superior (e, portanto, maior renda) faz com que os filhos tomem como natural o caminho para um curso superior. É desses fatos da vida, como casar e ter filhos. A correlação se dá com a renda porque ensino superior está correlacionado com renda superior. Mas o fator exemplo tem também uma influência enorme. E não só isso. O incentivo dos pais nessa direção é fundamental. As histórias de pessoas com poucos recursos que conseguem vencer a barreira da renda normalmente contam com uma família que soube incentivar o estudo e fez o filho apontar alto, mesmo com os pais não tendo curso superior.
O pesquisador entrevistado afirma que, mesmo com escolas públicas de qualidade, o problema não estaria solucionado porque o estímulo familiar é indispensável. Não poderia concordar mais. As escolas podem ser de excelente qualidade. Se a família de onde vem o aluno não dá valor a isso e não aponta metas altas para os seus filhos, aquilo mitigará o problema, mas não será a panaceia que resolverá tudo.
Não há solução fácil de curto prazo. Escolas públicas de qualidade e cotas sociais podem mitigar o problema de famílias pouco focadas na formação de seus filhos. A esperança é de que, ao longo de gerações, com os investimentos em educação básica, mais indivíduos desfavorecidos pela loteria da vida possam ultrapassar esta barreira e formar famílias que incentivem seus filhos. Trata-se de um processo que demanda gerações, se as políticas públicas forem na direção correta. E este é um grande “se”.
No projeto da BNCC (Base Nacional Curricular Comum) estava previsto um dia de debates nas escolas de ensino médio. O resultado é este que vai abaixo, na escola Fernão Dias Paes, em Pinheiros.
29% dos brasileiros, 13% dos que terminam o ensino médio e 4% dos que terminam o ensino superior são analfabetos funcionais.
Chegou-me às mãos um estudo do Santander sobre o potencial impacto da melhoria da educação na produtividade do país. A principal conclusão é a seguinte:
“Se o Brasil conseguisse sair das últimas posições (onde se localiza atualmente, junto com Peru e Indonésia) no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes em um período de 10 anos e conseguisse alcançar o mesmo patamar de Chile e Bulgária (que estão em uma situação melhor, porém entre os 25% piores), poderia aumentar a produtividade do trabalho em 50%. Isso significaria, no período de 10 anos, uma expansão da produtividade a um ritmo de 4% por ano, o que poderia elevar o crescimento potencial dos atuais 2%-2,5% para um nível próximo de 5%.”
Repetindo: atingir o nível da Bulgária no PISA nos faria dobrar o crescimento potencial do PIB.
Sim, combate à corrupção é importante.
Sim, equilíbrio fiscal é importante.
Sim, combate à criminalidade é importante.
Mas enquanto não fizermos um esforço sério, não ideológico, para incluir uma fatia importante da população brasileira nesta cidadania chamada “alfabetização funcional”, continuaremos correndo atrás do rabo.