Vai ser difícil

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Alckmin tinha 3 caminhos a escolher nessa campanha, em ordem de eficácia em minha opinião: o confronto com o PT, a ideia de eficiência administrativa e a ideia de conciliação.

A ideia de eficiência pode ser combinada com a primeira e a terceira, mas não ser o eixo central da campanha, pois não empolga, não move as pessoas. Restam o confronto e a conciliação. A ideia de conciliação é atraente: afinal, os extremos normalmente são minoritários, o centro costuma ser uma avenida larga. O problema não está na ideia em si, mas na pessoa que encarna essa ideia.

Alckmin, ao falar de conciliação, soa a passar a mão na cabeça de esquerdista, de bandido ou de golpista, dependendo de quem ouve. Pertence a um partido que foi co-autor, por omissão, do desastre petista. Tem parte no “golpe”. E é apoiado pela nata da bandidagem.

João Doria, na campanha pela prefeitura de São Paulo, teria espaço para essa linha “conciliatória”. Apesar de pertencer ao PSDB, era neófito na política, visto como um outsider. Mesmo assim, optou por uma campanha agressiva anti-PT. Ganhou no 1o turno.

Esse figurino que Alckmin quer vestir ficaria bem em Luciano Huck ou Joaquim Barbosa. Veste melhor, inclusive, em Marina Silva. Alckmin, como “o conciliador”, somente reforça a imagem de um PSDB pusilânime.

Vai ser difícil.

Haddad virou Andrade

Complementando meu post de ontem sobre a potencial transferência de votos de Lula para Haddad.

A votação se dá em urna eletrônica. Ao contrário da cédula, onde aparece uma lista, na urna só se exige a digitação do número. O eleitor poderá ser instruído a votar “no Lula” digitando o 13. Isso aumenta as chances de votação no poste, que seriam menores se a votação fosse em cédulas.

A incógnita é o que o eleitor vai fazer quando não aparecer a foto do Lula, e sim do Andrade. Ele vai apertar “confirma”, ou vai achar que teve algum engano e anular o voto?

Transferência de votos muito difícil

Uma das grandes incógnitas desta eleição é o poder de transferência de votos de Lula para o seu poste.

Lula conseguiu fazer isto em 2010. Dilma, uma completa desconhecida até um ano antes das eleições, foi ungida e levada à vitória por seu padrinho. Convém relembrar como foi esse processo.

– Em junho/2005 (portanto, mais de 5 anos antes da eleição de 2010), Dilma assume a cadeira de ministra da Casa Civil, que pertencia a José Dirceu. A partir de então, começa a ganhar visibilidade no mundo político.

– Em março/2008 (2 anos e meio antes das eleições), Lula lança Dilma como a “mãe do PAC”, o mote que usará na campanha.

– Em setembro/2008, mais de dois anos antes das eleições, em pesquisa CNT/Sensus, Dilma já aparece com 8% das intenções de voto, contra 38% de Serra.

– Em maio/2010, 5 meses antes das eleições, Dilma empata com Serra nas intenções de voto.

– Em outubro/2010, Dilma vence as eleições no 2o turno, contra Serra, por 56% a 44%.

Então, vejamos:

– Dilma foi preparada como o “poste” de Lula durante mais de 5 anos, em uma construção lapidada dia a dia.

– o governo Lula chegou, no final de 2010, a 89% de aprovação, recorde mundial de popularidade de todos os tempos- a economia crescia a 7,5%- e, last but not least, Lula tinha a caneta na mão.

Hoje, temos um quadro um pouco diferente:

– Faltando pouco mais de um mês para as eleições, Haddad ainda não foi lançado candidato.

– Na pesquisa mais recente, Haddad aparece com 4% das intenções de voto.

– O último cargo público de Haddad, que lhe deu alguma visibilidade, foi o de prefeito de São Paulo, há pouco menos de 2 anos. Vale lembrar que perdeu a reeleição ainda no 1o turno.

– Haddad foi ministro da educação de Lula há longínquos 8 anos. A única coisa de que consigo lembrar foram as lambanças no ENEM (convenhamos, menos glamouroso que o PAC).

– o PT não tem a máquina federal na mão.

– o PT conta com 256 prefeituras. Em 2010, eram 558 prefeituras.

– o vice de Dilma era Michel Temer, com toda a máquina do PMDB. O vice de Haddad é Manuela D’Ávila.

– Em 2010, Lula era presidente do Brasil. Hoje, Lula está preso e incomunicável.

Claro, tudo sempre pode acontecer. Mas vamos convir que essa transferência de votos parece muito, mas muito mais complicada agora. O fantasma do Lula todo-poderoso, aquela entidade que domina a política brasileira com sua popularidade à prova de bala, parece turvar o discernimento dos analistas. Fala-se de transferência de votos como uma varinha mágica, em que Lula-Midas transforma em ouro até um monte de josta.

Lula gastou muita sola de sapato, planejou muito bem cada passo, para transformar seu poste em presidenta da república. Claramente não é o caso de Haddad, um tapa-buraco de última hora, apenas para marcar a posição do partido. Repito: tudo pode acontecer. Mas uma eventual ida de Haddad ao 2o turno seria uma grande surpresa, inclusive para Lula.

A estratégia de Alckmin

Vera Magalhães, hoje novamente no Estadão, continua sua patacoada sobre a “vitória de Marina sobre Bolsonaro” no debate. Peço, por favor, que quem não tenha visto, procure no YouTube esta parte, e veja com seus próprios olhos. Esta é a melhor vacina contra fake news.

Mas não é sobre isso que quero escrever. Vera, no mesmo artigo, define bem a campanha de Alckmin até o momento, a não ser por um detalhe, que comento adiante. Segue o trecho:

De que vale Geraldo Alckmin juntar 44% do tempo de TV da propaganda eleitoral, um arsenal de deputados e senadores, se quando colocado diante do eleitor ao vivo se comporta como um candidato a prefeito de Pindamonhangaba, enfileirando siglas, falando de matas ciliares, chamando sparrings para fazer pergunta porque não tem coragem de ficar tête-à-tête com aquele que lidera a eleição no Estado em que ele governou quatro vezes? Por que ele acha que esse discurso mole, em tom monocórdio e sem mostrar qual seu projeto de País, sem fixar uma miserável ideia-guia que seja, vai fazê-lo crescer?

É isso. Alckmin parece perdido.

Para entender essa eleição, é preciso ter em mente que ela corre em dois eixos: esquerda x direita e establishment x anti-establishment. Bolsonaro é claramente direita e anti-establishment. Marina é esquerda e anti-establishment. Os dois lideram as pesquisas no momento, sugerindo que o voto anti-establishment está na frente. Ciro e Álvaro Dias tentam passar por anti-establishment, mas sem o sucesso dos dois primeiros.

Do establishment temos Alckmin e Haddad. Haddad à esquerda e Alckmin…, bem, este é o problema.

O candidato do PSDB se propôs, e isso ficou claro desde o início, a encarnar o candidato de “centro”, que apela aos “isentos”, àqueles que não gostam de radicalismos. Como diria o inefável Kassab, nem direita, nem esquerda, nem em cima, nem embaixo. O resultado é essa gelatina sem sabor que vemos. O brasileiro médio não parece muito disposto a discursos conciliatórios no momento.

Alckmin vem também tentando atacar Bolsonaro no campo da “competência e experiência”, o que resulta nesse discurso insosso que Vera Magalhães descreve muito bem. Além disso, “experiência” não conta muito quando as coisas vão mal (13 milhões de desempregados!). A pergunta óbvia é: se você é tão competente quanto diz, por que as coisas estão essa zerda de dar gosto? Além disso, a experiência é prima-irmã do establishment, e Bolsonaro explora bem esse parentesco.

Geraldo Alckmin precisa se decidir de quem quer roubar votos. Para roubar votos de Bolsonaro, ser “de centro” e “ser mais competente” parece não estar funcionando até o momento. Uma outra tática possível seria atacar as esquerdas em geral e o PT em particular com uma virulência maior do que o capitão. Foi o que fez João Doria em São Paulo com sucesso.

É neste ponto que a análise de Vera Magalhães falha: Alckmin não ganha nada confrontando diretamente Bolsonaro no campo da esquerda, como fez Marina. Este campo já está muito congestionado, até o Meirelles apareceu defendendo as mulheres! Ele precisa mostrar para o eleitorado perdido de São Paulo que é o melhor candidato para enfrentar a esquerda no 2o turno. Para isso, ele precisa atacar a esquerda no 1o turno. Se ele atacar Bolsonaro, ele próprio parecerá pertencer à esquerda, disputando votos com Ciro, Marina e Haddad para enfrentar Bolsonaro no 2o turno. É uma tática mais arriscada.

Marina, por outro lado, ganha muito atacando Bolsonaro. O campo dela é o da esquerda, e ela precisa mostrar para este campo que é a mais competente para bater o capitão no 2o turno. Assim, temas como mulheres e armas, tão caras à esquerda, são a sua matéria-prima natural. É justamente o inverso de Alckmin.

Enfim, apesar de todo o seu arsenal, esta eleição não será fácil para Alckmin. Ele juntou muitos exércitos no tabuleiro, mas parece que está em busca de uma estratégia para vencer a guerra. Ou melhor, parece não saber que guerra está lutando.

PS.: toda essa análise pode ir por água abaixo depois de iniciada a campanha na TV. Alckmin tem arsenal para fazer uma guerra de “rolo-compressor”, em que mesmo uma estratégia equivocada é compensada pelo tamanho descomunal dos exércitos. Por isso, essa eleição está completamente aberta.

Inversão de papeis

Ainda sobre salários de homens e mulheres.

Em determinada altura do debate, Bolsonaro é questionado por Meirelles sobre a política salarial para as mulheres. Bolsonaro responde que isso já está na CLT, e a lei precisa ser respeitada. Meirelles insiste na réplica, dizendo que a lei, apesar de existir, não é cumprida, e que, no seu governo, este assunto merecerá especial atenção.

Então acontece, na minha visão, a inversão dos papeis que normalmente associamos a Bolsonaro e a Meirelles. Em sua tréplica, Bolsonaro insiste que a lei deve ser cumprida. Mas chama Meirelles de demagogo, ao querer explorar esta questão para jogar as mulheres contra ele. Insiste, nesse sentido, que o governo não tem nada que se meter na vida das empresas.

Essa questão da diferença salarial entre homens e mulheres é muito complexa. Não conheço estudo que comprove, controlando por todas as variáveis relevantes, esta diferença. Pode existir tal estudo, reconheço minha ignorância neste assunto. E também não estou dizendo que a diferença não exista. Estou apenas supondo que, se existe, pode ser explicada por outras variáveis que não o gênero. Como eu disse, a questão é muito complexa para se prestar a tratamentos demagógicos.

Mas o ponto não é se existe ou não a diferença. O ponto é que, se existe esta diferença, pode haver uma explicação econômica por trás, que deve ser investigada. Acontece que este debate não está no plano econômico, mas sim, sociológico. Os empresários pagariam menos para as mulheres por puro preconceito, e não por razões econômicas. Aí, não tem jeito, só uma lei para resolver.

O que Bolsonaro diz, por incrível que pareça, tem muito mais bom senso do que o que Meirelles diz a respeito do assunto. O capitão afirma que o governo não deve se meter na vida das empresas. Estamos cansados de ver leis que tornam a vida dos empresários um inferno e que, no limite, impedem a atividade econômica. Uma lei que promovesse a igualdade de salários entre homens e mulheres na marra seria tão complexa, envolveria tantas variáveis, seria tão difícil de implementar, que apenas faria a festa dos fiscais do trabalho, sem resolver realmente o problema.

E não resolveria por um motivo muito simples: o problema tem natureza econômica, não sociológica. No limite, o empregador deixaria de empregar mulheres, por absoluta incapacidade de cumprir a lei. O passo seguinte seria criar cotas para mulheres, em mais uma intromissão do Estado na vida das empresas. Curioso que o “estatista” Bolsonaro esteja defendendo a liberdade das empresas de atuarem de acordo com a lógica empresarial, e o “liberal” Meirelles esteja defendendo a intervenção do Estado na vida das empresas apenas para supostamente ganhar alguns votos de mulheres e ficar bem com o politicamente correto.

Não estou aqui defendendo uma ou outra visão. Estou apenas chamando a atenção para a inversão de papeis: o “populista” Bolsonaro assumindo posições pouco populares e indo um pouco além da platitude “não deve haver nenhuma discriminação”, e o “estadista” Meirelles defendendo medidas demagógicas de implementação pra lá de complicada. Muito interessante.

Pontos altos do debate na Rede TV

Pontos altos (ou baixos, depende do ponto de vista) do debate na Rede TV:

– Cabo Daciolo com o microfone em uma mão e a bíblia na outra. Só faltou uma cura ao vivo.

– Meirelles dizendo para o Boulos que iria criar emprego para quem quisesse trabalhar e não para invasor de terra (nunca tinha visto Meirelles fazer política, foi a primeira vez)

– Ciro e Alckmin discutindo o detalhe do detalhe do ICMS ao longo de várias perguntas, independentemente da pergunta feita.

– Marina e Álvaro Dias fazendo um dueto no palco, cada um passando a bola para o outro. Fiquei aguardando o início do pas de deux.

– Marina Silva perdendo a linha com Bolsonaro e tentando interrompê-lo no meio da sua resposta, contra as regras do debate. Fight!

– Cabo Daciolo dizendo que a primeira semana depois da sua eleição será para louvar o Senhor, e na segunda haverá uma grande convocação dos desempregados para que compareçam ao quartel mais próximo (acho que ouvi isso, me corrijam se eu estiver errado).

– Meirelles sendo chamado de demagogo por ninguém menos que Bolsonaro, ao prometer salários iguais entre mulheres e homens.

Minha avaliação muito pessoal:

– Bolsonaro: sem surpresas, repisou seus temas preferidos daquele jeito que já conhecemos. Não acho que tenha ganho nem perdido votos.

– Alckmin: difícil. É isso, difícil.

– Ciro: muito divertido e de fala fácil. No dia em que desistir da política, pode fazer sucesso fazendo comédia stand-up.

– Meirelles: parece um hipopótamo dançando balé. Mas deu até alguns passos hoje.

– Marina: difícil. Com placas solares, mas difícil.

– Álvaro Dias: um Alckmin com um pouco mais de traquejo.

– Boulos: um populista muito articulado. Se fosse o candidato do PT no lugar do Haddad, faria estrago.

– Cabo Daciolo: Glória a Jesus, nação brasileira!

– Lula: cri, cri, cri.

Direito dos Manos

Sempre achei que um candidato presidiário fosse uma jabuticaba brasileira. Ou, no máximo, coisa de país com democracia subdesenvolvida.

Mas não é que a ONU resolveu endossar a candidatura penitenciária? A ONU não, o Comitê de Direitos Humanos da ONU.

Concluo que Direito dos Manos é igual no mundo inteiro, só muda de endereço.

Os brasileiros merecem o Brasil

Pesquisa da XP acaba de ser publicada.

– Haddad apoiado por Lula está no 2o turno com Bolsonaro

– 40% dos entrevistados acham que Lula vai concorrer e 28% acham que ele ganha as eleições.

– 44% dos pesquisados acham que Lula deveria concorrer.

Os brasileiros merecem o Brasil.