Os desafios de cada um

Bolsonaro e Haddad (mais este último), terão que fazer acenos para o centro.

Bolsonaro, em seu discurso pós-resultado, repisou todos os pontos de sua campanha, que lhe garantiram 46% dos votos válidos. Mas acrescentou algo importante: falou em bancada no Congresso, em 300 deputados honestos com os quais pode contar. Com essa sinalização, mata dois coelhos com uma cajadada só: demonstra apreço pelo Congresso e, indiretamente, pela democracia e, além disso, mostra que pode ter governabilidade, que é o grande receio do establishment empresarial.

Haddad, por outro lado, tem como seu primeiro compromisso de campanha a sua visita semanal ao presidiário de Curitiba. Não consigo pensar em coisa mais sectária do que isso. Se tem algo que Haddad não precisa, neste momento, é reforçar seus laços com o lulismo. A única chance de Haddad é ser mais Haddad e menos Lula. Os eleitores de Lula ele já os tem todos, ele precisa conquistar aqueles que não gostam de Lula, mas não têm nada contra o ex-prefeito de São Paulo.

Os dois candidatos têm o desafio (muito maior no caso de Haddad, obviamente) de não perder os votos do 1o turno e conquistar votos no 2o turno. Os primeiros movimentos de ambos mostram que Bolsonaro sai em vantagem, e não só nos votos que recebeu. Mas o 2o turno será longo.

10 destaque do 1o turno

1) A soma de Haddad, Ciro, Marina e Boulos fica aproximadamente 3 pontos percentuais abaixo de Bolsonaro. Ou seja, para Haddad ganhar, seria necessário converter 100% desses votos, e praticamente 2/3 dos votos de Alckmin. Ou, roubar votos de Bolsonaro. Em 2006, Alckmin conseguiu essa façanha, de ter menos votos no 2o turno do que no 1o. Bolsonaro tem se mostrado politicamente mais habilidoso, mas precisa fazer algum aceno para o centro (na minha opinião já começou em seu discurso pós-resultado, comentarei isso em outro post).

2) Dos 9 estados do NE, 7 tiveram definição do governador no 1o turno. Ou seja, os governadores eleitos ficarão se equilibrando entre o desejo do seu eleitorado (do qual já não dependem mais) e o desejo de ficar bem com quem tem a “expectativa de poder”, no caso, Bolsonaro.

3) Doria ganhou o adversário de 2o turno que pediu a Deus.

4) Quem é Witzeu? Quem é Zema? Quem é Ibope? Quem é DataFolha?

5) Romeu Zema, do Novo, com mais de 40% dos votos em MG. É virtualmente o novo governador de MG, pois os petistas não vão votar no Anastasia.

6) Dilma, Suplicy e Lindbergh fora do Senado. No caso de Dilma e Suplicy, o recall desses candidatos foi confundido com intenção de voto nas pesquisas. Se o recall já tem um papel importante em pesquisas para presidente e governador, imagine para o senado, onde as pessoas costumam escolher os seus candidatos na véspera da votação.

7) Se 100% dos eleitores de Amoêdo tivessem votado em Bolsonaro, a eleição ainda assim iria para o 2o turno.

8) Amoêdo teve mais da metade dos votos de Alckmin. Chegou em 5o lugar, sem participar de debates e sem ter tempo de TV.

9) Eu achava que dava para o Amoêdo chegar na frente da Marina. Mas o Daciolo? Marina, claro, sofreu com o voto útil em Haddad e, na reta final, em Ciro. Mas Amoêdo também sofreu com o voto útil em Bolsonaro, e mesmo assim teve 2,5x mais votos que a candidata da Rede. A diferença é que Amoêdo tinha um discurso, enquanto Marina ficou tateando em busca de uma “3a via” inodora, incolor e insípida. Até o discurso do Daciolo foi mais eficiente, como se viu.

10) Este último ponto vai para o candidato que venceu as duas últimas eleições em SP no 1o turno, e colocou seus dois candidatos no 2o turno neste ano. E, mesmo assim, teve menos de 10% dos votos em seu estado. Não acho que tenha sido um problema pessoal. Chegou o tempo do PSDB de FHC, Serra e Alckmin. O partido, a partir de agora, está nas mãos de Doria e dos assim chamados cabeças-pretas. Se isso é bom ou ruim, o tempo dirá. É só uma constatação.

Previsão

Na véspera das eleições de 2016 para a prefeitura de São Paulo, João Dória tinha 44% dos votos válidos pelo DataFolha e 35% dos votos válidos pelo Ibope.

Terminou o 1o turno com 53% dos votos válidos.

Ladeira abaixo

Votações do PT em SP:

1994: Zé Dirceu 15%

1998: Marta 23%

2002: Genoíno 32%

2006: Mercadante 32%

2010: Mercadante 35%

2014: Padilha 18%

2018: Marinho 8% (último Ibope)

Serviço de utilidade pública

Serviço de utilidade pública: para os cargos proporcionais (deputado federal e deputado estadual) não vote somente na legenda, vote em um candidato específico.

Para que um candidato seja eleito, é necessário que este candidato receba votos, não basta a legenda como antigamente.

É o que temos para hoje

Esse match eleitoral da Folha está bem legal (https://matcheleitoral.folha.uol.com.br/)

Deu pra escolher um deputado federal com 90% de match! Pra senador, o máximo que consegui foi 69% com o senador do Novo.

Aliás, o quadro de senadores de São Paulo está um deserto de homens e de ideias. Nas minhas respostas, dei mais importância às questões econômicas (reforma da previdência, privatizações, protecionismo, etc), deixando as questões de costumes em 2o plano, com exceção do aborto. Descobri que, com exceção do candidato do Novo, todos os outros, sem exceção, parecem ter saído do Jurassic Park. Quando um candidato como Major Olimpio aparece no top 3, você sabe que estamos perdidos. Enfim, é o que temos para hoje.

É fácil ser democrata em Paris

Gilles Lapouge descreve, com requintes de crueldade, a perplexidade dos grandes veículos da imprensa bem-pensante francesa com o fenômeno Bolsonaro.

Distraída, lambendo as bolas de FHC ou de Lula ao longo dos últimos 25 anos, a imprensa francesa descobre, horrorizada, aos 45 do 2o tempo, que o povo quer um tipo como Bolsonaro na presidência.

É fácil ser democrata em Paris.

Alea jacta est

Da página de Eduardo Affonso

Amanhã vou tirar um sábado sabático e não falar nem pensar em política.

A menos que vaze a delação do Marcos Valério, o Haddad adquira vida própria ou o Mourão dê mais um tiro no pé, nada haverá a dizer, e tudo já terá sido dito por quem entende melhor de pesquisas e tendências ou tem trânsito nos bastidores (o FB comprovou que deixamos de ser 200 milhões de técnicos de futebol para nos tornar 200 milhões de analistas políticos).

Mas lembra quando a professora mandava, ao término da leitura de um livro, fazer o “fichamento”? Vamulá.

1.

“Nem quem ganhar nem quem perder vai ganhar nem perder.” Sábias palavras. O grande vencedor desta eleição, mesmo perdendo, será o Lula.

Trancafiado na carceragem da Polícia Federal, ele fez (impunemente) propaganda irregular no rádio e na televisão, campanha no New York Times, comício no Le Monde, e só não ligou o megafone na Folha de São Paulo porque o Fux puxou o fio da tomada.

Cravou dois postes, um no PT e outro no PSOL; furou o olho do ex-atual-futuro aliado do PDT; escolheu (e conseguiu, com o PSL) o adversário dos seus sonhos para levar ao (possível) segundo turno.

Se seu avatar vencer, Lula vai obsedar a política brasileira pelos próximos quatro – ou quarenta – anos, cravar uma estaca no coração da Lava-Jato e terminar o serviço do petrolão. Se perder, seu partido voltará a ser a baliza ética na nação, o bastião da moralidade pública, o bote salva-vidas dos valores mais puros – além da vanguarda na luta contra o “fascismo”.

2.

Bolsonaro corre o risco de ser eleito não pela direita, mas pelo avesso. Mais que pelo voto útil ou ideológico, pelo voto vingança.

É o sujeito errado, na hora errada, com as concepções de mundo erradas, mas o universo parece conspirar a seu favor.

Se parar de defender torturador e de bater boca com as minorias, pode ser que tenhamos a chance de ver que o conservadorismo não é nenhum bicho papão, e, sim, um contraponto necessário. E que (clichê dos clichês) a alternância no poder é saudável à democracia.

3.

O grande derrotado (além do bom senso) é o PSDB. Alckmin tinha todo o tempo do mundo no horário eleitoral e o maior arco de alianças. De bônus, a melhor vice disponível no mercado. Faltou combinar com os russos.

4.

Ciro foi o bronco de sempre.

E ainda vai se prestar ao papel da noiva abandonada no altar que engole o choro e topa ser a amante.

5.

O Troféu Abacaxi vai para Marina, que largou bem e depois foi ladeira abaixo.

Pena.

Teria sido (sem trocadilho) uma alternativa.

6. O melhor desempenho foi o do João Amoêdo. Num partido novo (com trocadilho), sem verba pública e sem poder participar dos debates na televisão, conseguiu superar Meirelles (MDB) e Álvaro Dias (Podemos), e encostar em Marina (Rede).

Em 2022 (toc toc toc), tudo vai ser diferente.

7.

Cabo Daciolo foi a revelação (divina), e a nação repreendida sentirá falta do alívio cômico que ele proporcionou nesta novela de suspenses, traições, facadas e notícias falsas.#gloriaadeuxxx

8.

Por fim, esta foi uma eleição que ignorou (à exceção de um) todos os ex-presidentes vivos (ou mortos-vivos).

Ninguém deu a menor pelota para Sarney, Collor, FHC, Dilma ou Temer (que já é ex-presidente há algum tempo, e não sabe).

Se isso é bom ou ruim, não faço ideia. Só é um consolo imaginar que daqui a quatro anos talvez olhemos para trás e vejamos que este apocalipse de domingo que vem não foi o fim do mundo.

Bom fim de semana, boa eleição e “alea jacta est” (“agora Inês é morta”, em latim).