O que é meu, é meu, o que é seu, é seu

A última pesquisa Datafolha para as eleições em São Paulo trouxe uma informação interessante, e que só agora arrumei um tempo para comentar.

No geral, os primeiros 4 colocados são os seguintes:

  • Bruno Covas: 23%
  • Celso Russomano: 20%
  • Guilherme Boulos: 14%
  • Marcio França: 10%

No entanto, Boulos lidera em dois segmentos da população, que na verdade são um só: renda acima de 10 salários mínimos e educação superior. Esses dois segmentos são um só porque a renda tem uma correlação grande com a formação educacional.

Nesses dois estratos, a pesquisa traz os seguintes resultados (o primeiro número é o do segmento de maior renda, enquanto o segundo é o do segmento de educação superior):

  • Boulos: 28, 25
  • Covas: 25, 23
  • Russomano: 9, 9
  • França: 6, 11

Já nos estratos opostos, renda menor que 2 salários mínimos e ensino fundamental, os resultados são os seguintes:

  • Russomano: 25, 26
  • Covas: 22, 28
  • Boulos: 9, 4
  • França: 7, 6

Podemos observar que Bruno Covas e Marcio França são mais ou menos consistentes entre essas diversas categorias de eleitores. Ou seja, não há muita diferença se o eleitor é rico ou pobre, se estudou muito ou pouco, o resultado é mais ou menos o mesmo.

Já a intenção de voto em Russomano e Boulos muda dramaticamente: Russomano é o candidato dos pobres e iletrados, Boulos é o candidato dos ricos e intelectuais.

Óbvio que se trata de uma generalização, e toda generalização é burra e limitada. Há muitas nuances aí. Mas, sem dúvida, parece haver uma tendência de os eleitores trocarem Russomano por Boulos na medida em que aumenta a renda e a educação.

Esse não é um fenômeno somente paulistano. Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro, obteve suas melhores votações na orla da Zona Sul, enquanto Crivella reinou absoluto na periferia da cidade.

Os que defendem a candidatura Boulos nos segmentos mais ricos da cidade, certamente o fazem por acreditarem que é a melhor solução para os problemas dos pobres. Esse é o discurso.

Já os pobres mesmo acreditam que seus problemas serão melhor resolvidos de outra forma. O “lugar de fala” lhes pertence, e eles insistem em usá-lo para contradizer as teorias dos ricos e intelectuais, que costumam classificar pobre que vota na direita de “burro”. Como se pobre não soubesse distinguir justiça social de empulhação.

Já disse aqui e repito: os métodos de Boulos vão afastar os votos dos mais pobres, que não se encantam com essa ladainha de “uso social da propriedade privada”. O que é meu é meu, o que é seu, é seu. O resto é cantiga de ninar para anestesiar consciências capitalistas pesadas.

A torcida organizada por Boulos

A coluna do filho da Miriam Leitão mal consegue esconder a torcida por Boulos.

O “maior fenômeno eleitoral de 2020”, na verdade, está se beneficiando dos órfãos do PT, que tiveram que engolir um candidato da velha guarda do partido. Tivesse o PT um candidato competitivo, o PSOL estaria agora amargando o 1% que sempre teve em São Paulo. E não digo nada se começar a perder eleitores quando o PT colocar sua máquina na rua e nas TVs.

Há alguns trechos curiosos na “análise”. O seu “poder de comunicação” estaria vencendo “o grande preconceito jogado (sic) contra ele”. O fato de o candidato invadir propriedade alheia não teria nada a ver com a rejeição (chamada de “preconceito”) do eleitorado. Na verdade, trata-se apenas de uma “tática controversa”, não de um crime. Afinal, “chama a atenção para o enorme problema do déficit habitacional”. Só falta dizer que assalto é uma tática controversa, mas pelo menos chama a atenção para o grave problema da distribuição de renda no país.

Segundo o analista político dos barzinhos da Vila Madalena, Boulos tem “raiz e base”, porque construiu meia dúzia de prédios em terrenos invadidos, usando dinheiro da prefeitura doado pelo Haddad.

Parece-me o justo oposto. Se fizermos uma enquete nas periferias, sou capaz de apostar meu dedo mindinho que grande parte da população é contra a invasão de propriedade alheia. Quem trabalha de sol a sol sabe quanto custa cada coisa que conquistou com o suor do seu rosto, e é muito cioso de sua propriedade. O MTST monta milícias que justamente “trapaceiam” aqueles que trabalham, pois privilegiam os que burlam a lei. O que está errado não está certo, e o povo sabe disso.

Boulos faz sucesso entre a intelectualidade romântica, aquela que não terá os seus apês de 200 m2 invadidos, mas são pródigos em lutar pela distribuição da propriedade… dos outros. Sua fala fácil e mansa conquista corações sensíveis e consciências pesadas. Será bem votado em bairros de classe média alta.

Na periferia, no entanto, o barbudinho não engana ninguém. Quem viver, verá.

Conhecimento vs intenção de voto

A manchete é: “Russomano lidera pesquisa de intenção de voto em São Paulo.

A manchete deveria ser: “Russomano e Covas são bem mais conhecidos do que os outros candidatos”.

A última pergunta do questionário é a mais importante: apenas 15% e 18% dos eleitores não ouviram falar do candidato, nos casos de Russomano e Covas. Em relação aos outros, esse número é perto de 50% ou mais.

Eleição funciona como a compra de um produto. Se alguém lhe parasse na rua e perguntasse qual margarina você compraria da seguinte lista:

  • a) Doriana
  • b) Becel
  • c) Overztol
  • d) Botteram

O que você responderia? O que você acha que a maioria das pessoas responderia? Pois é.

Nessa fase, em que a campanha eleitoral ainda não começou, a intenção de voto não passa de medida de conhecimento da marca. Não é à toa que Russomano sai na frente todo ano. Não estou dizendo que ele não vai ganhar este ano, estou apenas afirmando que ele precisa passar pelo teste da campanha eleitoral, onde derrapou nas últimas eleições.

Cabe notar que no pelotão seguinte de desconhecimento por parte do distinto público estão Boulos, França, Fidelix e Joice. A má notícia para Fidelix e Joice é que, mesmo com um nível de conhecimento intermediário, sua intenção de voto é baixa e sua rejeição é alta, desproporcionalmente alta. Fidelix está lá por folclore, mas Joice está para valer. Vai ter muito trabalho.

Ainda nesse sentido, eu não descartaria de cara Jimar Tatto. Ele é pouco conhecido e conta com a ainda formidável máquina do PT na cidade. Tem capacidade de embolar o meio de campo da esquerda com Boulos e França em busca de uma vaga para o 2o turno. Correm o risco de, se não houver voto útil, ficarem os 3 de fora.

A briga em São Paulo será difícil. Não será um passeio no parque como em 2016, quando Doria venceu no 1o turno pela primeira vez na história da cidade em que não houve 2o turno, na onda do anti-petismo. As forças estão dispersas, o eleitor está desconfiado de todo mundo. Como dizem os antigos, vai ser no fotochart.

Alianças improváveis

Andrea Matarazzo quer ser prefeito de São Paulo de qualquer jeito.

Andrea Matarazzo foi filiado ao PSDB de 1991 a 2016. Quase um fundador, portanto. Saiu do partido quando Alckmin bancou a candidatura de Doria à prefeitura, contra todos os tucanos da velha guarda, incluindo FHC. Alckmin já pressentia a necessidade de sangue novo no partido, desgastado depois de anos de parceria Caracu com o PT. Pôs a máquina do partido para trabalhar pela candidatura Doria, e Andrea sentiu que o velho PSDB havia morrido em São Paulo. Foi para o PSD de Gilberto Kassab, que, como sabemos, tem altos ideais e alma pura.

Agora, junto com outro grande campeão da ética, Paulo Skaf, pretende ser o candidato bolsonarista em São Paulo. Objetivo dos três (incluindo Bolsonaro): ferrar Doria em sua cidade.

Resta saber se o bolsonarismo-raiz vai tampar o nariz e votar em um ex-tucano de alta plumagem, amigo pessoal de FHC e que está agora no partido de Kassab, só para atrapalhar o projeto presidencial de Doria. Vou dar muita risada ao ler os altos raciocínios estratégicos para justificar esse voto.

Ciclofaixas e eleições

Ontem senti falta da ciclofaixa do domingo, mas pensei: deve ser por causa da chuva, né?

Nada disso: foi incompetência da prefeitura mesmo, que não conseguiu repor o patrocinador que desistiu do contrato.

Não sei se foi um problema do contrato, que não previa aviso prévio, ou da prefeitura, que dormiu no ponto. Pouco importa. O culpado será sempre o prefeito.

Bruno Covas tem tentado se destacar com pautas da esquerda bem-cheirosa. A falta da ciclofaixa atinge em cheio justamente esse público, digamos, mais sensível à causa. O atual prefeito corre o risco de acabar o mandato falando sozinho.

Esperto é o Doria, que já se movimenta em direção ao seu plano B: Joice Hasselmann. E mais esperto ainda é o Bolsonaro, que já avisou que Joice não é a sua candidata.

As eleições para a prefeitura de São Paulo serão, como sempre, interessantes.

O xadrez da eleição paulistana

Bruno Covas já teria definido sua tática para as eleições de 2020: atacar pela centro-esquerda. Para tanto, contaria com centro-avante contratado do PT, o atual secretário da cultura, Ale Youssef.

Não sei se é verdade (essas notinhas costumam expressar mais a vontade de quem as plantou do que a realidade propriamente dita), mas a narrativa orna com a desastrosa administração Covas até o momento.

E Doria?

Bem, esse joga em todas as pontas. É natural que tenha um discurso partidário a mais de um ano das eleições. Afinal, ele conta com a máquina do partido para o seu projeto nacional. Mas certamente dará também seu apoio a Joice Hasselmann, se esta conseguir a indicação pelo PSL de São Paulo. Será um pouco como nas eleições de 2002, quando FHC tinha Lula como seu candidato in pectore e trabalhou muito pouco pela candidatura de Serra.

Doria, assim, manteria a máquina do partido, mas apostaria no cavalo certamente vencedor. Funcionará? A se ver.

Quem manda está em Curitiba

O PT paulista enfrenta uma difícil decisão: quem será o candidato do partido na eleição para a prefeitura de São Paulo?

Carlos Zarattini, Paulo Teixeira e Jilmar Tatto formam as opções caseiras. Aloísio Mercadante é opção de nome nacional. Ana Estela Haddad ou outros nomes não políticos, da “sociedade civil”, também são opções. E até apoiar nomes de outros partidos, como Guilherme Boulos ou Marcio França, faz parte do cardápio.

Mas, assim como no PCC, a decisão final sai de dentro da cadeia.