As chances de Bolsonaro – 2

Ainda sobre o 2o turno, vejamos algumas viradas históricas nas eleições para governador.

Em 1990, em SP, Paulo Maluf (PDS) terminou o 1o turno com 43,50% dos votos válidos. Em 2o lugar, Luiz Antônio Fleury (PMDB) recebeu 28,17% dos votos. No final, Fleury foi eleito governador com 51,77% dos votos, contra 48,23% de Maluf. Fleury era vice do então governador Orestes Quércia.

Em 1994, em MG, Hélio Costa (PP) recebeu 48,30% dos votos no 1o turno, contra 27,20% de Eduardo Azeredo (PSDB). No 2o turno, Helio Costa perdeu votos, e terminou com 41,35% dos votos válidos, contra 58,65% de Azeredo. Segundo notícias da época, Azeredo explorou as ligações de Hélio Costa com o ex-presidente cassado Fernando Collor.

Ainda em 1994, no PA, Jarbas Passarinho (PPR) e Almir Gabriel (PSDB) chegaram praticamente empatados no 1o turno, com 38,21% e 37,21% dos votos, respectivamente. No 2o turno, no entanto, Almir Gabriel conseguiu 62,73% dos votos contra 37,27% de Jarbas Passarinho, que viu seu montante de votos diminuir em função de suas ligações com o regime militar.

Em 2006, Roseana Sarney quase leva a eleição no Maranhão no 1o turno, com 47,21% dos votos válidos. Jackson Lago chegou em um distante 2o lugar, com 34,36%. No 2o turno, no entanto, Lago venceu Roseana por 51,82% a 48,18%.

Em 2014, uma situação curiosa no Pará: Helder Barbalho ficou a apenas 0,12% de ganhar no 1o turno, com 49,88% dos votos válidos. O 2o lugar, Simão Jatene, obteve 48,48% dos votos. No 2o turno, Jatene levou o governo por 51,92% a 48,08%. Helder Barbalho teve menos votos no 2o turno e não conseguiu se eleger.

Ainda em 2014, a situação mais parecida com a atual eleição presidencial ocorreu no RN: Henrique Eduardo (PMDB) obteve 47,34% dos votos válidos, enquanto Robinson Faria (PSD) recebeu 42,04%. 5,3 pontos percentuais de diferença, com o 1o colocado muito próximo da eleição em 1o turno. No 2o turno, Robinson Faria foi eleito com 54,42% dos votos, contra 45,58% de Henrique Eduardo.

Estas são exceções, claro. A regra é o vencedor do 1o turno levar também o 2o turno, principalmente quando chega muito perto de fazê-lo no 1o turno. Mas, há excessões. Cada eleição é uma eleição.

As chances de Bolsonaro

Lula terminou o 1o turno com 48,43% dos votos válidos, enquanto Bolsonaro acumulou 43,20% desses mesmos votos válidos. Portanto, 8,37% dos votos válidos foram para outros candidatos. Bolsonaro, para se eleger, necessita mais 6,81% dos votos válidos, ou 81,36% dos votos dados a outros candidatos. Esta conta vale se considerarmos o número de abstenções e votos nulos constantes em relação ao 1o turno.

Desde a 1a eleição presidencial de 1989, houve 114 eleições para presidente/governador em que houve 2o turno. Destas 114 eleições, em 40 (35%) um dos dois candidatos conseguiu amealhar mais do que 81,36% dos votos dados para outros candidatos. Ou seja, em pouco mais de um terço das eleições em 2o turno, um dos candidatos conseguiu a façanha que Bolsonaro precisa realizar agora.

É difícil? Sem dúvida. É impossível? Não. 35% é um número razoavelmente alto. Poderíamos dizer, com base nessa estatística, que Bolsonaro tem 35% de chances de ganhar a eleição. Coincidentemente, é o número que a Eurásia, conceituada empresa de avaliação de riscos para o mercado financeiro, está usando para avaliar as chances de Bolsonaro.

Garcia não é o PSDB


Trecho do editorial do Estadão

De todos os apoios políticos recebidos por Bolsonaro até o momento, provavelmente o mais inesperado e doído para os petistas tenha sido o de Rodrigo Garcia. Todas as cabeças iluminadas do partido, entre políticos e intelectuais, já haviam pulado para o colo de Lula antes mesmo do 1o turno, explícita ou implicitamente. FHC puxou a fila, com aquele aperto de mão infame com Lula vários meses antes das eleições. Ali foi o momento em que o médico finalmente fechou os olhos ao moribundo, encerrando a longa agonia do partido. Os resultados dessas eleições são apenas o fétido odor de um cadáver insepulto.

A adesão de Rodrigo Garcia ao bolsonarismo pode ser tudo, menos surpreendente. Garcia entrou para o partido, pelas mãos de João Doria, apenas em 2021, depois de ter construído toda a sua carreira política no Democratas, hoje também um partido extinto, engolido pelo que restou do PSL não bolsonarista, formando o União Brasil. O plano de Doria era lançar-se à presidência e deixar em seu lugar o vice. Para tanto, se fazia necessária a migração para o PSDB, pois essas eram as 4 letras mágicas que dominavam a política paulista há quase 30 anos. Tratou-se de uma migração por conveniência, não por convicção, como é regra na política brasileira.

Doria não era desse PSDB chorado por Bucci ou pelo editorial do Estadão. Apesar de ter uma longa história no partido, Doria não pertencia a essa intelectualidade prima-irmã do petismo. Por isso, não teve escrúpulo de abraçar-se com Bolsonaro em 2018, para salvar uma eleição quase perdida. Depois, o seu anti-bolsonarismo de ocasião não passou despercebido do eleitorado e do mundo político (que age de acordo com suas bases), soando como uma manobra artificial (mais uma) mais do que convicção. O final da história conhecemos.

Garcia, portanto, foi o implante de Doria no PSDB em uma cirurgia delicada com vistas ao seu projeto político. O (ainda) governador de São Paulo tem sua base política no interior do estado, que votou majoritariamente em Bolsonaro. É realmente muita ingenuidade achar que um político vai se posicionar contra o sentimento de sua base de eleitores em nome da “pureza ideológica” de um partido morto e a que sequer pertence de coração.

Fiquem portanto tranquilos Eugênio Bucci e o editorial do Estadão. O verdadeiro PSDB (FHC, Serra, Alckmin, José Aníbal, Tasso, Malan, Arida, etc) está apoiando Lula contra “aquele-que-não-se-pode-nomear”, honrando, assim, as cores do partido. Garcia é um forasteiro, não representa o PSDB. O fato de ser um dos poucos quadros do partido com alguma perspectiva de futuro político é mero detalhe.

O espírito do velho PSDB

O ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga, ”desistiu” de votar nulo e agora vai votar em Lula no 2o turno.

A coisa é mais ou menos a seguinte: enquanto estava clara a vantagem de Lula segundo as pesquisas, Arminio declarava voto nulo com a certeza da vitória de seu candidato in pectore. Estava em uma posição confortável, delegando a outros o trabalho sujo e posando de virtuoso no cenário. Agora, com uma diferença bem menor do que mostravam as pesquisas, Arminio decidiu que ele mesmo vai precisar sujar as mãos.

De Arminio na cena política, lembro apenas do memorável debate com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, na campanha de 2014. Arminio, no papel de ministro da Fazenda designado pelo candidato Aécio Neves, era muito mais preparado, mas foi jantado com farinha por Mantega, sob o olhar atônito da mediadora Miriam Leitão. Aquele debate foi simbólico de quanto o PSDB estava despreparado para fazer oposição ao PT. Arminio representa o espírito desse velho PSDB que está morrendo (que já morreu).

Podem esperar sentados

Imagine uma “parcela do PIB” diante da TV no domingo, acompanhando as apurações e “percebendo que agora terá de escolher um lado da polarização”, pois a candidata em que apostaram suas fichas surpreendentemente ficou de fora do 2o turno. Não sei o que é mais patético, a “parcela do PIB” ou a reportagem.

Mas vamos ao que interessa. A verdade é que esse grupo de empresários (a reportagem cita Cândido Bracher (Itaú), Walter Schalka (Suzano), Fábio Barbosa e Pedro Passos (Natura) e Horácio Piva (Klabin)) tem alergia a Bolsonaro, mas sabe que o PT no poder é prejudicial ao ambiente econômico e, no final do dia, aos seus negócios. Estão, portanto, pedindo “uma maior definição” do programa de Lula para poderem apoiá-lo.

Na verdade, o programa de Lula está bem definido. É claro e cristalino para quem tem ouvidos de ouvir e olhos de ler. Essa historinha de pedir uma “maior definição”, na verdade, é a esperança de que Lula sinalize uma MUDANÇA de orientação. Querem votar em um candidato que não existe: um candidato fofo como Lula com o programa econômico de Bolsonaro.

A “parcela do PIB” pode puxar uma cadeira e esperar sentada. Lula não precisa “sinalizar” nada para o PIB ou para a Faria Lima para obter os 1,7 pontos percentuais de que necessita para vencer o 2o turno. Ele sabe que esses votos virão por inércia, dessa “parcela do PIB” que quer afetar virtude, mesmo às custas da economia do país. “O que importa é a democracia, a economia a gente vê depois”.

A bolsa ontem subiu mais de 5% com a eleição de um Congresso mais alinhado com as pautas de Bolsonaro e o adiamento da decisão para o 2o turno. Essa “parcela do PIB” ficou um pouco mais rica ontem. Vamos ver até que ponto serão capazes de exercitar o seu sagrado direito de dar tiro no próprio pé.

PS.: não acho que o governo Bolsonaro seja brilhante em matéria de condução da economia. Muito pelo contrário, quem lê essa página sabe que sou crítico a muitas coisas que foram feitas. Mas comparado com o PT, Bolsonaro é quase um Milton Friedman.

Anti-tucanismo

A torcida é grande. A reportagem afirma que “nunca um petista esteve tão perto do Palácio dos Bandeirantes”, usando, para fazer essa afirmação, o número de votos absolutos, que, como sabemos, aumentam vegetativamente de ano para ano. Em termos relativos, foram 36% dos votos.

O fato é que vários petistas também chegaram “perto” do governo Paulista segundo esse critério. Em 2002, José Genoíno obteve 32% dos votos no primeiro turno e 41% no segundo. Em 2006, Mercadante obteve novamente 32% dos votos, em eleição vencida por José Serra no 1o turno. Em 2010, Mercadante obteve 35% dos votos, em eleição vencida no 1o turno por Alckmin. Em 2014 e 2018, aí sim, tivemos um fiasco retumbante do PT no estado. O que aconteceu agora em 2022 foi a volta ao patamar que o PT sempre teve em SP. Capaz de Haddad chegar ao mesmo nível de Genoíno em 2002, dada a força do anti-bolsonarismo. E só.

A reportagem exalta o feito de Haddad, como se não tivesse havido uma imensa frustração. Realmente, davam como certo um 2o turno em que todas as “forças democráticas” se uniriam em torno do mais tucano dos petistas. Os paulistas, no entanto, decidiram mandar pra casa o neo-tucano Garcia, e muito provavelmente rejeitarão também o petista-tucano Haddad. O anti-petismo, em SP, se transmutou em anti-tucanismo.

O PSDB morreu

Realmente não sei de onde o repórter que escreveu essa matéria tirou a ideia de que o “posicionamento do PSDB” influenciará qualquer coisa em São Paulo. O PSDB morreu. Da velha guarda, FHC está aposentado, Serra não foi eleito deputado federal, Alckmin é vice do Lula, e os velhos social-democratas são viúvas de um país que nunca existiu. Da “nova guarda”, Doria saiu com o rabo entre as pernas depois de tomar de assalto o partido, Garcia (que nem tucano é) conseguiu ficar de fora do 2o turno mesmo sendo governo e Eduardo Leite, a estrela da nova geração, por pouco não conseguiu a mesma façanha.

Trata-se de algo definitivo? Nada é definitivo, a política é um jogo sem fim. Mas qualquer eventual recuperação do PSDB como força política é um projeto incerto de longo prazo. Nessa eleição, o segundo turno será decidido pelos eleitores de Garcia, não pelo PSDB.

Missão quase impossível

Temos abaixo as diferenças entre os 1o e 2o colocados no primeiro e no segundo turnos das eleições desde a redemocratização. O terceiro número é o percentual de votos que o primeiro colocado conseguiu pescar dentre aqueles que não escolheram nenhum dos dois primeiros colocados no primeiro turno:

1989: 15,8 / 6,0 / 40,4%

2002: 23,2 / 22,5 / 48,8%

2006: 7,0 / 21,7 / 125,3%

2010: 14,3 / 12,1 / 44,6%

2014: 8,0 / 3,3 / 40,4%

2018: 16,8 / 10,3 / 36,9%

2022: 5,2 / ?

Podemos observar que, no pior resultado para o primeiro colocado, Bolsonaro conseguiu 36,9% dos votos dentre aqueles que votaram em todos os outros candidatos no primeiro turno.

Pois bem. Lula precisa ganhar 1,7 pontos percentuais para ganhar a eleição. Isso significa 20,3% dos votos em outros candidatos do primeiro turno. Ou, de outra forma, Bolsonaro precisa ganhar mais do que 80% dos votos de eleitores de outros candidatos. Não é impossível, mas seria um novo recorde e significaria a quebra de uma escrita, com o 2o lugar ultrapassando o primeiro.

Como é muito difícil capturar 80% dos eleitores de outros candidatos, Bolsonaro, para vencer essa eleição, precisará virar votos de quem votou em Lula. Como fazê-lo? Dessa resposta depende os próximos 4 anos.

Breves notas sobre as eleições

1) Os institutos de pesquisa são os grandes perdedores dessa eleição. As consideradas “padrão ouro” se provaram “padrão estrume”. Ainda vou fazer um levantamento mais sistemático dos erros, mas não precisa ser estatístico para isso, são visíveis a olho nu. A conclusão é de que talvez seja melhor mesmo contar motos em motociatas do que olhar os números das pesquisas.

2) Fernando Gabeira, na Globo News, com sua usual honestidade intelectual, reconheceu que o conservadorismo é uma força política a ser considerada na equação da democracia brasileira. Ele confessou que subestimou essa força em suas análises.

3) Bolsonaro chega ao 2o turno com moral muito mais elevado do que seu adversário. Isso, no entanto, não torna sua vida mais fácil. Faltaram apenas 1,7% dos votos para Lula ganhar no 1o turno. Ele ficou muito perto da vitória. Bolsonaro, para ganhar, precisa virar votos do próprio Lula, não basta conquistar os eleitores de Ciro e Tebet. Não é uma missão impossível, mas é bem difícil.

4) Janaína Paschoal teve 450 mil votos, menos de 1/4 do que obteve em 2018. Quando escrevi aqui que ela errou completamente o timing de sua candidatura ao senado, muitos se revoltaram, afirmando que iriam votar na deputada. Infelizmente, Janaína perdeu o tempo da política.

5) Tiririca teve apenas 70 mil votos, uma sombra do que já teve no passado. Foi eleito pelo quociente eleitoral. Ele, que já foi puxador de votos, dessa vez foi puxado.

Embalado para presente

O Estadão nos apresenta hoje um perfil de Fernando Haddad. O final está aí. A matéria nos informa que Haddad leu 250 livros para escrever sua mais nova obra, que nasceu de conversas com Noam Chomsky. Isso tudo é chic nas últimas!

Haddad é realmente um prodígio. Leu 250 livros desde que perdeu as eleições! Vamos fazer uma conta rápida: de dezembro de 2018, quando foi dispensado de sua condição de poste, a abril de 2022 (o livro foi lançado em maio) são 41 meses. Portanto, temos um ritmo de aproximadamente 6 livros por mês, ou 1,5 livros por semana, sem descanso. E não são livros quaisquer! São livros mais densos do que o interior de um buraco negro. E Haddad certamente conjugou esse febril trabalho acadêmico com uma atividade profissional que lhe permitiu ganhar o seu sustento nesse período. Ninguém sabe exatamente qual é essa atividade, mas deve existir.

Agora sério. Assim como Lula é embalado e vendido como um típico representante do povo brasileiro, Haddad é embalado e vendido como um intelectual potente, alguém muito mais preparado para entender o mundo do que trogloditas como nós. Lula teria aquela sabedoria do povo, enquanto Haddad teria a sabedoria adqurida nos muitos livros lidos e nas conversas com os Noams Chomskys da vida.

Tudo não passa de marketing. A “informação” dos 250 livros não estão ali à toa. Serve justamente para criar essa imagem. Alguém tão superior certamente está mais preparado para nos governar do que um troglodita como Tarcísio ou um capiau como Rodrigo.

A reportagem termina de forma patética, nos informando que Haddad tem tanto prazer em receber um elogio de Noam Chomsky quanto teria em ganhar a eleição para governador de SP. Coisas que nós, pobres mortais, não conseguimos alcançar. Eu humildemente recomendaria ao candidato que aproveite bem o elogio de Chomsky.