Prepare seu Engov

Lula age como um chef de cozinha estrelado que não apresenta o menu de seu restaurante. Os seus fãs não deixarão de frequentá-lo, na certeza de que qualquer prato preparado pelo chef Lula será bom. É essa premissa que está por trás do “não preciso fazer promessas”. Lula pede que olhemos para os 8 anos em que comandou o Restaurante Brasil para que tenhamos uma ideia da excelência de sua cozinha.

O problema dessa abordagem é que já sabemos que, apesar de serem pratos bonitos e vistosos, foram feitos com ingredientes estragados. Lula aproveitou-se da conjuntura favorável para turbinar BNDES e Petrobras, com o objetivo de colocar em pé sua política desenvolvimentista, sob a batuta de sua sous chef, Dilma Rousseff. Além disso, patrocinou o aumento real do salário mínimo e vários programas de crédito subsidiado que iriam estourar as contas públicas alguns anos depois. Dilma assumiu o comando da cozinha e deu continuidade à tradição do chef anterior. Lula, até o momento, não condenou nenhuma das políticas adotadas por sua sucessora, o que nos faz supor que as aprova todas.

O problema principal, no entanto, é que Lula vai pegar o comando da cozinha em uma conjuntura completamente diferente. Em 2003, Lula se beneficiou de um orçamento público com 3% de superávit primário e uma China sedenta por commodities para alimentar seu crescimento. Hoje, temos déficit estrutural e um mundo que vai entrar em recessão no ano que vem. Se tentar fazer os mesmos pratos, Lula vai quebrar o restaurante antes que possa dizer “bom apetite”.

Candidamente, membros da campanha reconhecem que a falta de detalhamento das propostas serve para “evitar a resistência de nomes que ainda podem manifestar apoio a Lula”. Ou seja, admitem a tentativa de estelionato eleitoral.

De qualquer modo, achei meio injusta a manchete. Na verdade, nada está “escondido”. Tudo está aí, à mostra, para quem quiser ver. Os 13 anos do PT à frente da economia brasileira servem de cartão de visitas para o restaurante do chef Lula. E o programa preliminar e as declarações de Lula ao longo da campanha mostram que o PT não aprendeu nada com o seu fracasso no campo econômico. Portanto, vão fazer a mesma coisa, com as mesmas consequências conhecidas. Prepare seu Engov.

O preço da preservação da democracia

Os advogados do grupo pela impunidade Prerrogativas estão fazendo um “corpo-a-corpo” na “Faria Lima” para convencer o pessoal a não só votar em Lula, como a declarar publicamente o seu voto.

Chamou-me a atenção o argumento de que Lula tem capacidade de oferecer “segurança jurídica”, essencial para os “negócios”. Sem dúvida! Com Lula é assim: os “negócios” voltarão a poder ser feitos sem o receio de “perseguições” da justiça, as “prerrogativas” dos empresários de terem à disposição infinitas chicanas para a sua defesa serão respeitadas. E, se tudo o mais der errado, sempre teremos o STF.

Boa sorte ao pessoal em suas tentativas. Recomendo paciência, porque a “Faria Lima” já experimentou na pele o que é a política econômica do PT e não tem ilusão sobre o que Lula faria em um terceiro mandato. No final, a Faria Lima se adapta, cobrando taxas de juros mais altas e exigindo maior retorno sobre o capital. A “preservação da democracia” sai caro.

O sofrimento é o melhor professor

Petistas estão surpresos com o “antipetismo” em MG, maior até do que em SP. Não deveriam.

Ao contrário de SP, o estado de MG foi governado pelo PT. Foi uma única vez, entre 2015 e 2018. Fernando Pimentel fez um governo tão desastroso, que conseguiu a façanha de ficar fora do 2o turno mesmo sendo o candidato incumbente.

SP não teve ainda o privilégio de ser governado pelo PT. Talvez por isso, Haddad apareça liderando as pesquisas no estado. O antipetismo paulista é, digamos, conceitual. Ainda não sentimos na pele, como os mineiros, o que é ser governado pelo PT na prática.

A julgar pelas pesquisas, os paulistas querem ter essa experiência, em uma espécie de masoquismo político. Quem sabe seja necessário mesmo, para que o antipetismo paulista evolua de uma teoria abstrata para a prática cotidiana. O sofrimento é o melhor professor, e os mineiros são prova viva disso.

Escondendo o lulismo de Lula

Tentei recortar alguns trechos dessa reportagem do Valor de hoje, mas trata-se de uma peça de rara beleza, que merece a admiração do leitor em toda o seu conjunto.

Em resumo, a campanha petista acha que Alckmin ”exagerou” em sua conversão ao petismo, de modo que não está cumprindo o seu principal papel na campanha, qual seja, a de atrair o leitor não petista. Alckmin, agora que ganhou o apreço da militância (como nos garante os próceres petistas), pode ajustar o seu discurso para agradar o “eleitor de centro”.

Quando Alckmin se aboletou na chapa petista, o tal “eleitor de centro” coçou a cabeça, sem entender muito como dois discursos antagônicos ao longo de décadas poderiam conviver na mesma chapa. Essa dúvida foi, de algum modo, sanada, quando Alckmin resolveu usar o boné do MST e cantar a Internacional Socialista. Restou claro que Alckmin havia abandonado os últimos resquícios de dignidade que lhe sobraram com o objetivo de permanecer em evidência na cena política.

Fica a dúvida, agora, de como esse mesmo “eleitor de centro” vai compreender o discurso do velho Alckmin, não alinhado ao do candidato principal. Primeiro, porque seria uma espécie de “chapa esquizofrênica”, em que o candidato principal fala “A” enquanto o candidato a vice fala “B”. Mas, principalmente, porque Alckmin já se lambuzou de petismo nesses últimos meses, e o “eleitor de centro” já perdeu o que lhe tinha de respeito. Assim, um “ajuste no discurso” vai soar mais falso que uma nota de 3 reais.

O grande mérito dessa reportagem é por a nu o objetivo da presença de Alckmin na chapa de Lula: servir como uma espécie de “verniz de responsabilidade” que oculte o “lulismo” de Lula. Não à toa, os conselheiros do PT querem que Alckmin mostre-se menos lulista, de modo a nos fazer crer que Lula não será Lula na presidência. Assim é se assim lhe parece.

Gueto cultural

“Padres ultraconservadores”.

Guetos são lugares onde certas categorias de pessoas são isoladas do mundo “bom, belo e justo” porque possuem um defeito insanável. Hoje não existem mais guetos físicos, mas existem guetos culturais.

A forma de colocar uma parcela da população em um gueto é estigmatizá-la através do uso de expressões que causam repulsa. O uso da palavra “ultraconservador”, assim como “extrema-direita”, atende a esse objetivo. Não basta que os padres sejam conservadores. É preciso que sejam “ultraconservadores”, uma categoria desprezível, do mal mesmo. O suficiente para colocar esses padres e seus seguidores em uma espécie de gueto cultural, onde ficam as pessoas que não podem ter voz na sociedade.

Mas, fiquemos tranquilos. A reportagem nos informa que “a ala predominante da Igreja Católica” reagiu “aos acenos a atos antidemocráticos”, redigindo uma carta com 10 motivos para não votar em Bolsonaro. O curioso é que os fariseus da imprensa rasgam as vestes quando pastores ou “padres ultraconservadores” fazem campanha para Bolsonaro, mas acham absolutamente natural quando uma parcela da Igreja Católica (que nem sei se é tão dominante assim) faz campanha para Lula travestida em “defesa da democracia”.

A língua é o principal instrumento usado para naturalizar realidades. O uso do termo “ultraconservador” não é acidental.

Um debate para lacrar

Minha particular avaliação do debate:

Bolsonaro: começou no modo Ciro Nogueira mas não se aguentou e logo adotou o modo Carluxo hard, o que lhe foi favorável, porque, ao menos, soou mais autêntico, que é a sua característica mais positiva. Seu ataque a Vera Magalhães foi seu ponto baixo ou alto, a depender do ponto de vista. Produziu memes para a sua torcida, mas saiu com alguns arranhões em um debate em que foi o alvo preferencial dos ataques dos outros candidatos e dos jornalistas.

Lula: de maneira geral mantém a sua verve, mas pareceu com sono no final do debate, a sua aparência não negou a passagem do tempo. Não conseguiu ser convincente ao se defender dos ataques pela corrupção nos governos do PT. Tentou se aproximar de Ciro e levou uma invertida. Enfim, sem brilho, considerando quem é.

Ciro: sem novidades, a mesma verborreia de sempre. Seu ponto alto foi a sapatada em Lula.

Tebet: serviu como linha auxiliar de Lula, ao atacar preferencialmente Bolsonaro, principalmente nas questões da pandemia e das mulheres. Ficou difícil saber a que veio a candidata.

D’Ávila: candidato de uma nota só, o não uso do fundo partidário. Até que foi enquadrado pela Soraya Thronicke, que disse o óbvio: nem todos os candidatos têm o patrimônio e os amigos que D’Ávila tem. Seu media training disse para ser firme e olhar fixamente na câmera, o que ele cumpriu obedientemente, mas soou artificial e pareceu um político canastrão. Suas ideias são excelentes, as melhores, mas lhe falta o catch político, aquele jogo de cintura que lhe permite sair do script e aproveitar o momento para se diferenciar.

Soraya Thronicke: a surpresa da noite. No início já disse ao que veio, afirmando que é fácil elogiar o SUS não sendo usuário do sistema. Distribuiu sapatadas em Lula e Bolsonaro igualmente e enquadrou D’Ávila na questão do fundo partidário. Esteve sempre tranquila e pareceu mais autêntica do que Tebet. Não fosse seu vice e a ideia esdrúxula do imposto único, consideraria meu voto. Foi a vitoriosa do debate e deve conquistar alguns pontos nas próximas pesquisas.

Jornalistas: escolheram Bolsonaro como alvo e esqueceram Lula. O debate teve lado.

Resultado final: não creio que o debate mova o ponteiro das pesquisas, a não ser para Soraya Thronicke. Achei que os candidatos e jornalistas exploraram pouco a questão da inflação que, segundo as pesquisas, é o que mais preocupa os brasileiros no momento. Preferiram corrupção e mulheres. Ou seja, foi um debate para lacrar, e não para discutir os reais problemas dos brasileiros.

Checando as agências de checagem

Amigos, estou inaugurando hoje a Gutercheck, a agência de verificação das agências de verificação. Aqui você terá a leitura correta da mensagem dos candidatos, substituindo as interpretações robóticas e literais das agências por uma interpretação política. Porque acredito que a política não pode ser substituída por algoritmos.

Começamos hoje com o Estadão Verifica, que checou as informações citadas por Tarcísio de Freitas em sua sabatina no jornal.

Tarcísio: “o Brasil é o único país do mundo que cresce com deflação”

Estadão Verifica: “apesar de ter deflação em um mês, no ano temos inflação”

Gutercheck: o candidato estressou a inflação de curto prazo em seu discurso. Qualquer brasileiro sabe que temos inflação, não deflação, para isso não precisamos de agência de checagem. Ou a agência queria que o candidato do governo afirmasse que temos uma inflação de 12 meses muito alta? Para isso já temos seus adversários.

Tarcísio: “temos o melhor resultado do emprego em mais de 10 anos”

Estadão Verifica: ”em dezembro de 2014 tivemos desemprego de 4,3%, bem menor que os 9% projetados pelo candidato”

Gutercheck: em primeiro lugar, de acordo com a PNAD do IBGE, o desemprego foi de 6,6% em dezembro de 14, então nem acertar o número eles acertam. Ainda assim, menor que os 9% do candidato. Mas o ponto principal é que o candidato quis estressar que fazia muito tempo que não tínhamos um desemprego tão baixo, o que é verdade. A última vez que tivemos desemprego de um dígito foi em dezembro de 2015, ou seja há vários anos. O discurso do candidato quis enfatizar esse tempo, e usou “mais de 10 anos” como uma forma de fazê-lo. Lembremos que ele não é um professor dando aula, ele é um político procurando passar uma mensagem.

Tarcísio: “o governo Bolsonaro gerou 4,7 milhões de empregos de 2020 para cá”

Estadão Verifica: “o número correto é 3,9 milhões de empregos”

Gutercheck: na ponta do lápis, nem um nem outro estão corretos. Pra começar, “desde 2020” é uma expressão ambígua. Se considerarmos os anos de 2021 e 2022 (até junho) são 4,2 milhões de vagas. Se considerarmos o ano de 2020 na conta, são 4,4 milhões. Se considerarmos desde julho de 2020, quando a economia começou a se recuperar do pior da pandemia (que acho que é a mensagem que o candidato queria passar), são 5,6 milhões de empregos. Mas todas essas contas são bobagem. A mensagem política é que o governo Bolsonaro criou “milhões” de empregos desde a pandemia. Se foram 3,9, 4,7 ou 5,6 milhões, é irrelevante para o discurso político. A exatidão do número só importa para gente que tem na picuinha a sua razão de viver.

É isso por hoje. Até a próxima edição.

Indício de problema de amostragem

Essa é a pesquisa DataFolha para a eleição de São Paulo, publicada há cerca de uma semana, mostrando Fernando Haddad com uma frente significativa (11 pontos percentuais) sobre a soma de seus dois principais adversários.

Mas o que realmente me chamou a atenção foi a pontuação obtida por candidatos de partidos nanicos de extrema esquerda. Na soma, os candidatos de UP (!), PCB, PSTU e PCO somam 6 pontos percentuais, mais da metade da pontuação do atual governador. Mais ainda, cada um deles têm pontuação igual ou maior do que candidatos de partidos maiores e com mais exposição pública, caso de Elvis Cezar (PDT) e Vinicius Poit (Novo).

Não sou daqueles que duvidam da boa fé dos institutos de pesquisa. No entanto, neste caso, simplesmente não é possível que a amostra usada pelo DataFolha reflita minimamente o perfil da população de São Paulo. Não tem explicação que candidatos de partidos que costumam marcar traço nas eleições tenham esse montante de intenção de votos, inclusive antes do início da campanha eleitoral.

Essa distorção não teria importância alguma se se limitasse aos candidatos nanicos. Mas podemos deduzir, pela lógica, que, se o perfil da pesquisa está enviesado para a esquerda, então Haddad apresenta uma quantidade menor de intenções de voto do que a que é mostrada nessa pesquisa. E mais, se a mesma metodologia de construção de amostras está sendo usada na eleição nacional, então a diferença entre Lula e Bolsonaro talvez não seja tão grande quanto a que mostra a pesquisa DataFolha.

É normalmente difícil identificar problemas de amostragem nas pesquisas, pois não sabemos o perfil real da população depois de 12 anos do último censo. Mas esse detalhe dos candidatos de partidos de esquerda nanicos em São Paulo pode ser um forte indício de que há problemas no DataFolha.

O tabelamento dos juros

Ciro propõe, na prática, o tabelamento das taxas de juros, ao defender que qualquer dívida seria quitada com o pagamento do dobro do valor da dívida. Alguns exemplos de taxas máximas de juros, a depender do prazo do financiamento (taxas prefixadas):

Prazo Taxa máxima

12 meses. 12,7% ao mês

24 meses. 6,95% ao mês

36 meses. 4,57% ao mês

60 meses. 2,7% ao mês

10 anos. 17,1% ao ano

20 anos. 8,25% ao ano

30 anos. 5,45% ao ano

A primeira coisa que notamos é que, com a Selic a 13,75%, fica difícil imaginar algum banco concedendo crédito imobiliário de 20 ou 30 anos cobrando taxas de juros abaixo de dois dígitos anuais. O resultado de uma lei desse tipo seria o fim do financiamento imobiliário de longo prazo.

Para empréstimos de curto prazo, podemos achar que 12,7% ao mês já é uma taxa suficiente para satisfazer a ganância dos bancos. Aliás, Ciro chama a lei por ele proposta com o fofo nome de “lei anti-ganância”. Pode ser. O único problema é que quem decide o quanto vai cobrar pelo dinheiro é o banco. Como em todo tabelamento de preços, se o fornecedor avaliar que vai ter prejuízo ao vender o produto naquele preço, o produto some da prateleira. Pode espernear à vontade, dizer que os bancos já lucram muito etc, etc etc. No final do dia, ninguém tem o poder de obrigar alguém a vender um produto. A saída pode ser usar os bancos públicos, com os efeitos já conhecidos.

E o pior não é que Ciro esteja prometendo o que sabe que não vai conseguir entregar. Ele está prometendo o que realmente acredita que pode fazer. Isso é o que é mais assustador.

A natureza do discurso político

“Sem provas, Michele diz que governos de esquerda vão ‘perseguir os cristãos’ no País”.

É muito curioso o uso da expressão “sem provas” nesse contexto. “Provas” se exigem de coisas que aconteceram no passado. Por exemplo, quando Bolsonaro afirma que “houve fraude nas eleições de 2018”, é mais do que legítimo exigir provas da afirmação.

Mesmo em relação a planos futuros frustrados, as provas referem-se aos preparativos antecedentes. Por exemplo, um plano para soltar o líder do PCC foi frustrado, e os envolvidos, presos. O plano não foi executado, mas foram encontradas provas concretas de sua execução.

Exige-se de Michele “provas” de que há um plano concreto de “perseguição de cristãos”. Como se esse tipo de coisa contasse com um “plano de execução”. A “prova”, no discurso político, é de outra natureza. Trata-se de dedução lógica: se o governo da Nicarágua está fechando igrejas e prendendo religiosos, e se Lula simpatiza com o regime de Daniel Ortega, então, deduz-se que, se as condições se repetirem aqui, um governo do PT faria a mesma coisa. Pouco importa se se trata de um possibilidade mais do que remota, pois o Brasil não é a Nicarágua. O que importa é que a “prova” existe para fins de discurso político.

O jornalista, que deve ser colaborador da agência Lupa, exige do discurso político as mesmas regras da justiça penal. Não, meu caro jornalista, não é assim que funciona. A verossimilhança já serve como “prova” do discurso político. Michele não está mentindo, como quer fazer supor a expressão “sem provas”. Michele está apenas dizendo o que acha que vai acontecer. E isso é perfeitamente legítimo. Lula e o PT é que precisam explicar a sua proximidade com o governo nicaraguense.