Tiro no pé

Já escrevi aqui algumas vezes sobre urnas eletrônicas e higidez do sistema de apuração de votos. Inclusive, escrevi um longo artigo a respeito, não do ponto de vista técnico, mas do ponto de vista institucional (Teoria da Conspiração e Eleições). Portanto, não vou gastar o tempo de ninguém discutindo mais essa proposta do Ministério da Defesa para “garantir” a segurança da votação, a de ter votação paralela em papel na seção eleitoral.

O objetivo desse post é tentar transmitir aos bolsonaristas de carteirinha o ânimo que toma conta de alguns eleitores que, como eu, são antipetistas e votaram em Bolsonaro em 2018, quando leem notícias como essa. Não tenho a pretensão de representar ninguém, só represento o meu voto. Mas talvez o meu voto seja representativo do de uma parcela da população.

Obviamente, ganha a eleição quem tem mais votos. Portanto, quanto mais votos, melhor. Bolsonaro, no entanto, afasta eleitores antipetistas com quem poderia contar, ao insistir nessa história de “fraude eleitoral”. Essa história talvez seja a cereja de um bolo que demonstra a incapacidade do atual presidente de exercer o cargo para o qual foi eleito. Não dá para ter um paranoico como presidente da República.

Para se dar ao luxo de afastar votos, das duas uma: ou Bolsonaro está convencido de que já tem votos suficientes para ganhar a eleição e somente uma fraude o afastaria da reeleição, ou está convencido de que já perdeu a eleição, e quer tumultuar para tentar uma virada de mesa. Somente uma dessas duas hipóteses justifica a sua insistência no tema, que claramente aumenta a sua rejeição em uma parcela do eleitorado que, de outra maneira, estaria disposta a sufragá-lo.

Veja, antes de gastar o seu tempo tecendo longos comentários sobre a insegurança do sistema de votação ou sobre a parcialidade do TSE, note que a questão não é essa. A questão é de percepção. Da minha única e particular percepção. Votar em Lula eu não voto. Por outro lado, com esse tipo de atitude, Bolsonaro torna mais difícil meu voto. Depois, não adianta demonizar o voto nulo. Busquem o culpado da eleição de Lula nessa incrível capacidade do presidente de encher o seu próprio pé de bala.

Mal posso esperar para ver

Bolsonaro nos revela que há um plano. Um plano que somente ele e seus apoiadores conhecem. Um plano que não envolve “um novo Capitólio”, mas algo a ser feito “antes das eleições”.

No que consistiria esse plano? O que “sabemos o que temos que fazer”? Se não é uma invasão ao Congresso ou ao STF, o que seria? Não consigo imaginar, mas deve ser algo muito eficaz para garantir a eleição do mito.

O que quer que seja, já é do conhecimento dos bolsonaristas, pois estes já sabem “como temos que nos preparar”. Fico cá imaginando como este plano foi comunicado a toda comunidade bolsonarista. Certamente não foi via redes sociais, pois senão já todos nós estaríamos sabendo. Não. Deve haver um canal secreto de comunicação, de modo que os bolsonaristas, e somente eles, “sabem o que têm que fazer”.

Mal posso esperar para ver.

Cenário da eleição em São Paulo

Márcio França rendeu-se às evidências e vai concorrer ao senado na chapa de Haddad. Sua candidatura, no final, era uma candidatura de si próprio. Enquanto Haddad representa Lula, Tarcísio representa Bolsonaro e Garcia tem a máquina do governo, França só tinha a seu favor o recall da última eleição. A tendência, já captada em pesquisas, era perder votos para Tarcísio e, principalmente, Garcia.

Com Márcio França fora do páreo, praticamente consolida-se um 2o turno entre Haddad e o vencedor entre Tarcísio e Garcia. Esse confronto entre o 2o e o 3o lugares é, na minha opinião, uma espécie de final antecipada. O antipetismo do interior do estado é um teto quase intransponível para qualquer candidato do PT no estado. Portanto, meu palpite é que o próximo governador será Tarcísio ou Garcia.

Tarcísio tem a vantagem e a desvantagem de estar colado a Bolsonaro. A vantagem óbvia é ter um piso alto, por conta do eleitorado cativo do mito. A desvantagem é o anti-bolsonarismo, que é uma força que extrapola o simples petismo, e pode significar um teto baixo de votos. Aliás, eu diria que Haddad está torcendo para ter Tarcísio no 2o turno. Tarcísio aumentaria suas chances se conseguisse, de alguma maneira, descolar sua imagem da de Bolsonaro. Não perderia os votos da base bolsonarista e poderia ganhar alguns votos daqueles que rejeitam o presidente. Foi o movimento que Zema, por exemplo, fez em Minas, não aceitando uma composição com Bolsonaro no 1o turno. Mas, para Zema, é mais fácil do que para Tarcísio.

Garcia, por sua vez, tem a vantagem e a desvantagem de ter a máquina do governo. A vantagem óbvia é ser o representante de uma teia de apoios construída nos últimos 30 anos pelo PSDB no estado. A desvantagem é a fadiga de material. O PSDB, tal qual o conhecíamos, acabou em 2018, com a votação nacional pífia de Alckmin, e Doria sendo eleito aos 45 minutos do 2o tempo pendurado nas bolas de Bolsonaro. Se Tarcísio é um forasteiro em São Paulo, Garcia é um forasteiro no PSDB, tendo se filiado ao partido apenas em 2021. Daquele velho PSDB que dominou a política paulista nas últimas décadas, restam apenas as 4 letras. Será o suficiente para empurrar a candidatura de Garcia?

Enfim, o cenário da eleição em São Paulo vai se afunilando. O mais provável, na minha opinião, é que tenhamos o repeteco da polarização nacional aqui também.

O sentido do voto nulo

Cada vez mais leio por aí a seguinte tese: os votos nulos, brancos ou as abstenções no 2o turno servirão para eleger o Lula. A provar a tese, estariam aí as eleições do Peru e Colômbia, em que poucos votos separaram o vitorioso do perdedor. Nos dois casos, candidatos da esquerda venceram. Caso as abstenções não fossem em número tão alto, o candidato da direita teria vencido.

Faz sentido esse raciocínio? Não, não faz nenhum sentido. E explico porque.

O raciocínio parte do pressuposto de que quem decide se abster no segundo turno, na verdade tem mais rejeição a Lula do que a Bolsonaro. Mas, por uma espécie de “isentismo doentio”, se recusa a votar em Bolsonaro, mesmo achando o candidato menos ruim do que Lula.

Ora, esse pressuposto está incorreto de duas maneiras.

A primeira, mais óbvia, é de que se uma pessoa decide se abster, essa pessoa NÃO acha Lula pior que Bolsonaro. O voto nulo (ou a abstenção) é justamente o resultado de uma avaliação em que o eleitor concluiu que AMBOS os candidatos são IGUALMENTE ruins. Caso achasse que um é suficientemente menos ruim que o outro, obviamente votaria no menos ruim. Isso é nada menos que óbvio.

Mas a premissa está errada também de outra maneira. Digamos que, de fato, o eleitor esteja tomado de um “isentismo doentio”, e vota nulo por causa dessa espécie de distorção cognitiva. Quem garante que, uma vez “curado” dessa doença, o nosso eleitor cairia para o lado de Bolsonaro? Por que não escolheria Lula? Qual a garantia de que, se todos os que se abstiveram fossem obrigados, com uma baioneta da cabeça, a votarem em alguém, necessariamente escolheriam Bolsonaro? De onde vem essa ideia? Respondo: vem da cachola de quem acha inadimissível não votar em Bolsonaro contra Lula. E é aí que está a verdadeira distorção da realidade. Vejamos.

Os bolsonaristas (vale para os petistas também, lá eles pensam exatemente a mesma coisa) até conseguem admitir que alguém vote em Lula, seja por ingenuidade, seja por má fé. Mas não conseguem admitir que alguém anule o voto. E por que? Porque consideram o voto nulo como uma espécie de “meio-termo” entre os dois candidatos, um “murismo” que vai eleger o adversário. Não conseguem entender que o voto nulo, na verdade, é um voto tão decidido quanto o voto em um ou outro candidato. É o voto de quem gostaria de eleger um terceiro que não está na cédula, e realmente tanto faz quem vai ser eleito se não for este terceiro. É o voto do protesto contra uma escolha que não lhe diz respeito.

Dizem que, se os que se abstiveram tivessem votado no candidato da direita na Colômbia, este teria vencido. É o mesmo que dizer que, se minha mãe tivesse nascido homem, seria meu pai. Os que se abstiveram, por óbvio, não queriam votar no candidato da direita. Caso quisessem, teriam votado, ora pois. O mundo das possibilidade é sempre infinito, mas, no mundo real, o que vale é aquilo que aconteceu. E o que aconteceu é que, dentre aqueles que escolheram um dos dois candidatos, a maioria votou no candidato da esquerda.

Portanto, os “culpados” pela eventual vitória de Lula serão, em primeiro lugar, os próprios eleitores de Lula. E, depois, secundariamente, serão Bolsonaro, os bolsonaristas e os anti-petistas, que não conseguiram convencer gente suficiente para sufragar o nome do presidente nas urnas. O resto é conversa de louco.

PS1.: não decidi meu voto ainda. E, quando decidir, talvez não o torne público. Meus posts têm a humilde intenção de agregar informações e análises ao debate eleitoral. Essa é a minha contribuição, minha declaração de voto é irrelevante.

PS2.: os que votam nulo têm sim o direito de criticar o governo de plantão. O direito à crítica não nasce do voto, mas do simples fato de ser um cidadão titular de direitos. Votar ou não é irrelevante para a crítica. Se não fosse assim, os que votaram no presidente não poderiam criticá-lo, o que é uma rematada bobagem.

PS3.: os comentários provarão a tese de que lógica é uma matéria que deveria ser obrigatória no ensino fundamental.

Quem precisa do PT?

O governador de São Paulo colocou um ponto final em um longo e exitoso histórico de respeito a contratos pelo estado de São Paulo, ao decidir, unilateralmente, não respeitar os termos dos contratos de concessão de rodovias.

São Paulo caracteriza-se por ter as melhores rodovias do Brasil. Segundo a CNT, as 10 melhores rodovias do Brasil estão em São Paulo, e nada menos do que 48% das estradas paulistas são classificadas como ”ótimas”, contra um distante segundo lugar do DF, com 20% na mesma classificação, e média brasileira de 10%.

O outro lado da moeda, claro, é o preço do pedagio. São Paulo tem os pedágios mais caros do Brasil. Não é para qualquer bolso viajar pelas estradas do estado. Lembro-me que Dilma Rousseff tinha a mesma avaliação. Decidiu, então, criar um programa de concessões de estradas federais que privilegiava a “modicidade tarifária”. De fato, as estradas federais têm pedágios bem mais baixos. No entanto, basta dirigir pela Fernão Dias e pela Bandeirantes para sentir a diferença. “Faz de conta que você paga pedágio, faz de conta que eu faço a manutenção da estrada”, esse era a lógica das concessões do PT.

Além disso, os pedágios em São Paulo são caros porque o estado sempre trabalhou no regime de outorga: o concessionário paga para ter direito a explorar a rodovia. Com esse dinheiro, o governo supostamente faz a manutenção de estradas vicinais, que não têm pedágio por não serem viáveis economicamente. A outorga funciona como um imposto escondido na tarifa do pedágio, encarecendo-o.

São Paulo sempre foi um benchmark na gestão de rodovias para o resto do país. Não mais. Rodrigo Garcia, pela primeira vez desde 1998, quando as primeiras rodovias do estado foram concedidas, não vai permitir o aumento nas tarifas conforme reza o contrato. Estabeleceu uma “comissão” para discutir o ressarcimento às concessionárias. E todos sabemos que, quando não queremos resolver um problema, criamos uma comissão para discuti-lo. Judicialização à vista.

Essa decisão do governador tem efeitos que vão muito além do congelamento do pedágio neste ano. As concessionárias, daqui para frente, vão embutir, nos seus lances para vencer um leilão, o risco de quebra de contrato. O resultado são tarifas ainda mais altas no futuro. Ou estradas piores. Ou uma combinação de ambos. E isso vale não somente para rodovias, mas para qualquer tipo de concessão, dado que o poder concedente é o mesmo. E isso vale não somente para São Paulo, mas para o país inteiro. Afinal, se São Paulo, que era o benchmark no respeito a contratos, quebrou-os sem cerimônia, que dirá o restante do país.

Rodrigo Garcia, em um lance eleitoreiro para ganhar votos daqueles que acham que existe almoço de graça (e são legião), jogou por terra um trabalho de credibilidade de décadas construído por seus antecessores. Enquanto em Brasília se constrói outra claraboia no teto de gastos, aqui em São Paulo se quebra contratos. Quem precisa do PT para instituir o populismo como política de Estado?

Jet lag eleitoral

Neste ano, tenho a impressão de que as eleições começaram a dominar o noticiário e as conversas muito mais cedo. Para testar essa hipótese, fui consultar a ocorrência da palavra “eleições” no acervo do Estadão. Os resultados são bem interessantes. A seguir, temos os números de menções da palavra “eleições” nos meses de maio e outubro de cada ano eleitoral (o primeiro número é maio, o segundo, outubro):

  • 1994: 284 / 538
  • 1998: 347 / 549
  • 2002: 558 / 1016
  • 2006: 328 / 625
  • 2010: 459 / 963
  • 2014: 335 / 759
  • 2018: 429 / 929
  • 2022: 880

Note como, de maneira geral, o número de menções dobra entre maio e outubro. Não coloquei a série inteira aqui, mas afirmo que esse aumento não ocorre linearmente. Grosso modo, o número de maio se repete até agosto, dando um salto em setembro e outubro, e voltando ao nível de maio em novembro. Ou seja, em maio, fala-se tanto de eleição quanto no período pós-eleitoral.

Mas o que realmente chama a atenção é o número de menções em maio deste ano, da mesma ordem de grandeza de outubro e muito maior que em maio nas eleições anteriores. A minha impressão de que o assunto ganhou mentes e corações muito mais cedo neste ano estava correta.

Há duas hipóteses aqui.

A primeira é que se trata de uma eleição sem precedentes, e o país será um caldeirão fervente no mês de outubro, com recorde absoluto de menções à palavra “eleições”. Se for isso, o melhor a fazer será buscar abrigo.

A segunda tem a ver com jet lag. Explico.

Desfile de escolas de samba em abril, blocos de rua em julho, Copa do Mundo em novembro. Assim como turistas com jet lag, os brasileiros estão com o seu relógio biológico desregulado. Em outros anos eleitorais, a essa altura do campeonato, estaríamos imersos em clima de Copa do Mundo, e as eleições seriam um tema de fundo, mas não dominante. Em anos normais, o assunto pega fogo mesmo a partir de agosto, com o início oficial das campanhas eleitorais. Neste ano, com o relógio biológico desregulado, o brasileiro esquentou o debate eleitoral bem antes do tempo. Isso explicaria, por exemplo, porque as pessoas acham que a fatura eleitoral está liqüidada, dado o quadro de estabilidade das pesquisas, como se já estivéssemos em setembro. Nosso relógio biológico não sacou ainda que falta uma eternidade (em termos eleitorais) até o dia 02/10.

Se isso for verdade, teremos uma espécie de “fadiga de material”, e é até possível que tenhamos uma estabilidade ou mesmo redução do interesse eleitoral até outubro. Afinal, ninguém consegue manter esse nível de stress por tanto tempo.

Tendo a achar a segunda hipótese mais provável, dado que cada eleição é “especial” à sua maneira, e essa não foge à regra. De qualquer modo, vamos conferir em novembro.

Qual a sua hipótese preferida? Você tem uma terceira hipótese?

O papel do vice-presidente

No sistema presidencialista brasileiro, o vice tem papel decorativo. Serve para substituir protocolarmente o presidente em suas ausências e ocupar o Palácio do Jaburu, de modo a dar algum fim útil a um imóvel da União. Alguns cumpriram esse papel à perfeição, como Marco Maciel, que foi o vice dos sonhos de FHC: discreto, leal, hábil politicamente. Outros foram menos discretos, criando embaraços para o titular do cargo com suas declarações, mas não deixaram de ser peças decorativas, como José Alencar (que não perdia oportunidade de criticar a política monetária ortodoxa de Henrique Meirelles) e Hamilton Mourão (que distribui declarações aleatórias, muitas vezes contra o próprio governo, parecendo ter uma agenda própria).

Mas, na política brasileira, o vice, apesar de seu papel decorativo, é visto como uma peça de costura de alianças. Sinaliza a união de forças distintas, ampliando o leque de apoios à candidatura. A chapa FHC-Maciel simbolizou a união entre a centro-esquerda e a centro-direita, PSDB-PFL, uma aliança para a qual muitos mais à esquerda dentro do PSDB torceram o nariz, mas que deu estabilidade para os 8 anos da gestão FHC. Em contraste, Lula teve como companheiros de chapa Aloizio Mercadante e Leonel Brizola em 1994 e 1998, acrescentando literalmente zero apoios à sua chapa fora de seu público cativo.

Lula aprendeu a lição, e compôs com José Alencar a chapa de união entre “trabalhadores e empresários”, o que serviu para quebrar resistências. Mas vale notar que a aliança de Lula estava mais no campo simbólico do que político. Alencar, à época, era filiado ao PL (ironicamente o atual partido de Bolsonaro), um partido médio, que elegeu 26 deputados em 2002. Como comparação, o PFL, parceiro de FHC, elegeu 105 deputados em 1998, mais do que o próprio PSDB. Portanto, essa aliança de Lula foi feita para ganhar a eleição, não para governar. O mesmo se repete agora com a escolha de Alckmin. O ex-governador paulista representa a ele mesmo e algumas viúvas do velho PSDB, não um agrupamento político com influência no Congresso. Sua escolha é simbólica, está longe de caracterizar uma aliança política que tenha influência no governo eleito. Lula e o PT, como sempre, pretendem governar sozinhos.

A escolha de um vice que não acrescenta política ou simbolicamente normalmente pode ser sinal de duas coisas: ou o candidato quer manter a “pureza ideológica” de sua chapa, ou não tem pretenções eleitorais, e quer somente marcar uma posição. O PT nas eleições de 1994 e 1998 é um exemplo do primeiro caso, enquanto o PT de 2018 exemplifica o segundo caso. Quando Manuela D’Ávila foi escolhida como vice de Haddad, pensei com meus botões: “nem o Lula acredita na vitória”.

A escolha do general Braga Netto não acrescenta nada política ou simbolicamente à candidatura Bolsonaro. E, tampouco, se encaixa nas duas hipóteses acima para escolhas desse tipo, dado que Bolsonaro acredita na vitória e que havia opções ideologicamente alinhadas e que acrescentariam algo à chapa, como a ministra Tereza Cristina. A escolha do vice de Bolsonaro encaixa-se em uma terceira categoria: paranoia. Bolsonaro é um político paranoico, que vê como potenciais inimigos todos os que não pertencem à sua família. A longa lista de desafetos que antes eram considerados aliados não para de crescer. Braga Netto foi escolhido por representar um risco baixo de traição. O mesmo poderíamos dizer de Mourão, mas a sua mania de falar demais não agradou.

A escolha de alguém de estrita confiança é característica de políticos fracos, que não se garantem no campo da política. E, além de tudo, é fruto de uma leitura equivocada da realidade. Os vices tornam-se alternativas de poder não por sua própria vontade, mas por uma conjunção de fatores políticos. Itamar Franco e Michel Temer não traíram Collor e Dilma. Estavam lá na hora certa, e se beneficiaram da conjunção de fatores que levaram ao impeachment. Braga Netto não escapará dessa sina, se a conjuntura política assim determinar.

Estou confuso

Estou pensando em votar nulo em um segundo turno entre o Nine e o Bozo.

Bolsonaristas me dizem que, ao votar nulo, estarei ajudando a eleição de Lula.

Mas estes mesmos bolsonaristas não acreditam nas pesquisas e, com base em sua própria experiência, afirmam que Bolsonaro está na frente e vai vencer a eleição.

Mas, se Bolsonaro está na frente, então meu voto nulo, na verdade, irá ajudar a eleger Bolsonaro.

Estou confuso.

Cheiro de poder

Já disse aqui mais de uma vez: Gilberto Kassab é uma das raposas mais felpudas do cenário político nacional. Quando fundou o seu partido, o PSD, afirmou que não seria “nem de esquerda, nem de direita, nem de centro”. É isso. O PSD é um partido que fareja o poder e cola nele.

Pode-se não apreciar o estilo, mas não deixa de ser útil observar os movimentos de Kassab para entender para onde sopram os ventos da política. Hoje, por exemplo, o presidente do PSD afirma que, em São Paulo, é “anti-petista” e ”anti-tucano”. Kassab foi ministro de Dilma e secretário de Doria, mas isso são meros detalhes. E, para justificar as conversas com Tarcísio de Freitas, afirma que o ex-ministro da infraestrutura “não é bolsonarista”. Kassab quer manter distância regulamentar de Bolsonaro, o que não o impede de fazer acordos com o “não-bolsonarista” Tarcísio.

Enfim, tudo isso para dizer que Kassab, a essa altura do campeonato, poderia muito bem estar pulando no barco de Haddad, mas está conversando com Tarcísio. A conversa com França é só para disfarçar, França tem poucas chances de ir ao 2o turno contra Haddad no congestionado quadro eleitoral paulista. Se Kassab escolheu o barco de Tarcísio, é porque o cheiro de poder está mais forte por lá.

Uma versão edulcorada da história

Luiz Sérgio Henriques, organizador das obras de Gramsci no Brasil, trás, novamente, o paralelo entre a aliança anglo-soviética contra Hitler na 2a Guerra e uma suposta aliança entre “forças democráticas” para derrotar o extremismo de direita no Brasil, representado por Bolsonaro.

Segundo essa versão edulcorada da história, Stálin teria articulado uma “clarividente política de alianças” contra um inimigo comum, ainda que, admite o articulista, os “ventos da democracia” não tenham soprado para dentro do sistema soviético, o que seria quase que uma contradição em termos.

Bem, haveria contradição se a versão edulcorada da história fosse a real. Uma pena que não seja. A real é a seguinte: Stálin celebrou um pacto de não-agressão com Hitler, e ambos retalharam a Polônia entre si. O plano de Hitler, desde sempre, era atacar ao leste, onde estava o “espaço vital” para o povo alemão e onde se encontravam os malditos “judeus bolcheviques”. Mas, antes disso, precisava celebrar um armistício com a Grã-Bretanha, de modo a poder concentrar suas forças no ataque à União Soviética. Tendo encontrado pela frente um sujeito bem mais teimoso e clarividente que Chamberlain, Hitler não conseguiu seu intento.

Levado pela sua megalomania, Hitler decidiu, então, abrir a 2a frente de batalha ao leste, atacando a União Soviética em junho de 1941. Foi somente então que Stálin, jogando a sua melhor chance de sobreviver, aceitou fazer aliança com Churchill. Nada a ver, portanto, com uma suposta “aliança de forças democráticas para derrotar a extrema-direita”. Quem leu a auto-biografia de Churchill sabe que o primeiro-ministro britânico não confiava nada em Stálin, e tinha consciência de que era a União Soviética o inimigo de longo prazo. É dele a expressão “Cortina de Ferro”, que denominava a área de influência dos soviéticos na Europa.

Alguém poderá dizer que, mesmo em sua versão hard, a história ainda se aplica. Não seria preciso reconhecer no PT uma força democrática para estabelecer uma aliança, dado que o inimigo comum, agora, é Bolsonaro. Tratemos da direita anti-democrática agora, diria Churchill, e depois vejamos o que fazer com a esquerda anti-democrática. Até poderia ser, se assim fosse. A correlação de forças é completamente outra. Será que Churchill faria uma aliança com Stálin se soubesse que este teria meios para conquistar a Europa Ocidental uma vez tendo sido Hitler derrotado? Na política brasileira não há compartilhamento de poder quando o PT ocupa o espaço. Essa história de “aliança democrática” só existe enquanto existe um inimigo comum. Depois, quem tem mais armas subjuga o antigo aliado.

O ser humano está sempre em busca de padrões, de modo a tornar a realidade mais inteligível. Fazer paralelos históricos é um desses mecanismos de busca de padrões. É tentador, nesse sentido, identificar Bolsonaro com uma versão aguada de Hitler, Lula com uma versão adocicada de Stálin e Alckmin (e o resto do “centro democrático”) com uma versão idealizada de Churchill. O problema, como disse Karl Marx, é que a história repete-se como farsa.