Uma vez pode ser uma desatenção, duas vezes é uma estratégia.
Pela segunda vez em menos de 24 horas, o ex-governador de São Paulo sinaliza na direção de Lula. Que Dória não queira papo com Bolsonaro se entende. Afinal, Dória foi alvo de Bolsonaro do primeiro ao último dia, que assim tratou todos aqueles que poderiam desafiá-lo em sua campanha pela reeleição. “Calça apertada” foi o apelido escolhido pelo seu moedor de reputações, mas esse foi apenas o lado jocoso de um embate que foi das vacinas à privatização da Ceagesp.
No entanto, sinalizar para Lula parece um pouco demais para alguém que construiu sua breve carreira política com base no antipetismo. A não ser que esteja querendo unir a velha guarda do PSDB em torno do seu nome e, para isso, esteja disposto a mostrar que é anti-bolsonarista acima de tudo.
Se for mesmo essa a estratégia (e não consigo pensar em outra), só tem um problema: como tudo o que Dória faz, soa tremendamente artificial. Outro dia estava abraçando Bolsonaro no meio da rua e demonizando o PT, e agora quer passar a mensagem de que o verdadeiro demônio é Bolsonaro e, para isso, está disposto a abraçar Lula no meio da rua.
Nem vou acusar Dória de “oportunismo”, porque oportunistas todos os políticos são, na medida em que aproveitam as oportunidades que surgem para auferir vantagens. Mas esse “oportunismo” precisa ter um limite. Caso contrário, começa a se transformar em canalhice. Receio que João Dória já tenha ultrapassado essa linha divisória.
Entrevista do pré-candidato do PSDB, João Doria, ao Valor Econômico de hoje. Destaco dois trechos.
No primeiro, ao ser perguntado sobre qual seria o “diferencial” de uma candidato da chamada “terceira via”, Doria se sai com uma sopa insossa de “país liberal com preocupação social”, incluindo os temperos “educação e saúde de qualidade” que não podem faltar em todo prato de promessas políticas amorfas.
Já havia criticado aqui a entrevista de Simone Tebet, que trazia o mesmo coquetel de chuchu, e havia afirmado que a bandeira da terceira via tinha que ser a da pacificação nacional. O PT já tem a bandeira da “justiça social”, ao passo que Bolsonaro explora bem a bandeira dos “valores conservadores”. São bandeiras simples, fáceis de entender, e que mobilizam. Ficar falando que vai entregar “crescimento com distribuição de renda” não leva nenhum candidato a lugar algum. E se tem algo que uma parte do eleitorado anseia neste momento é um pouco de paz social, uma redução do clima beligerante que tomou conta do país. Não sei se essa parte do eleitorado é suficiente para dar a vitória a um candidato de terceira via, mas é a única chance de torná-lo competitivo. Doria, ao bater na tecla do “crescimento com justiça social” está tentando roubar a bandeira de Lula. Obviamente, não vai conseguir.
O segundo trecho está, de alguma forma, ligado ao primeiro. Depois de Doria tecer um rosário de críticas a Bolsonaro, o repórter lhe dá uma chance de fazer o mesmo com Lula.
Doria, ao invés de agarrar essa chance para mostrar que é verdadeiramente um candidato de terceira via, a joga pela janela, ao dizer que “respeita” Lula e “não respeita Bolsonaro”. A resposta óbvia para quem está disputando um lugar ao sol seria “sim, e continuamos sendo críticos de Lula e do PT. Não acreditamos que o PT tenha um projeto de país moderno, ainda mais liderado por um condenado da justiça”. Pronto, resposta simples e que o coloca simetricamente entre os dois polos. Afinal, terceira via não pode ser linha auxiliar de nenhum dos dois polos, senão o eleitor vota no polo, por óbvio. No caso, além de defender uma bandeira que pouco se diferencia daquela que já tem o PT como dono, Doria coloca Lula acima de Bolsonaro. Assim, será visto com desconfiança por quem prefere Bolsonaro e não ganhará um voto sequer de quem vai votar em Lula.
Um esclarecimento final: aqui não vai nenhum julgamento do que é certo ou errado, se Lula é superior a Bolsonaro ou vice-versa sob qualquer critério. Trata-se apenas de uma análise de estratégia eleitoral, tirada, obviamente, somente da minha cabeça. Posso estar equivocado, claro, mas acredito que a polarização presente é muito função dessa incompetência dos políticos da “terceira via” de fazer a leitura correta do cenário eleitoral. Coisa, aliás, que já vêm fazendo desde 2018, quando se “surpreenderam” com a vitória de Bolsonaro.
A urna eletrônica é suficientemente segura. Repare que não disse “100% segura”. Não existe nada no mundo que seja 100% seguro. Quem faz gestão de riscos sabe que o máximo que se consegue fazer é mitigar riscos, nunca eliminá-los 100%. A urna eletrônica veio substituir a votação em papel justamente para diminuir o risco de fraude eleitoral. Não eliminar, mas diminuir.
A urna com o voto impresso acoplado seria um avanço para a auditoria do voto, aumentando ainda mais a segurança do processo. No entanto, dado o atual nível de segurança, já bastante robusto, concluiu-se que o custo adicional, além de possíveis problemas mecânicos que poderiam inviabilizar um número alto de urnas, não valeriam a segurança adicional. Em nossas casas fazemos a mesma conta o tempo inteiro: reforçamos a segurança até que o custo da segurança adicional não compensa o seu custo.
A pergunta feita pela enquete da Jovem Pan tira proveito dessa falha cognitiva ao perguntar se o internauta confia TOTALMENTE no processo eleitoral.
“Totalmente”, talvez eu mesmo, que confio no processo, respondesse que não. Não dá pra confiar em nada “totalmente”. O risco sempre vai existir. Confiamos de maneira razoável. Não se trata de 100% de segurança ou zero. Há um nível de risco em que podemos nos sentir confortáveis, a ponto de entrar em um avião e ter razoável certeza de que chegaremos ao nosso destino.
O público da Jovem Pan, uma rádio de apoio ao bolsonarismo, é enviesado. Qualquer enquete terá como resultado a tese bolsonarista, qualquer que seja. O uso da palavra “totalmente” só agrava a situação, o que, provavelmente, era a intenção da rádio. A enquete só confirma o que já sabemos: os bolsonaristas não confiam na urna eletrônica. Na verdade, a urna eletrônica serve como um bom bode expiatório para colocar em dúvida o processo eleitoral. Donald Trump e seus seguidores tiveram muito mais trabalho para alegar fraude eleitoral. Precisaram inventar uma série de histórias diferentes (todas elas devidamente refutadas, escrevi um longo post a respeito) para defender a tese da fraude. Aqui no Brasil é muito mais fácil: o TSE, que não é simpático a Bolsonaro, deixa propositalmente um flanco aberto para a ação de “hackers” a serviço dos adversários de Bolsonaro. Como isso se daria em grande escala, dado todo o processo, não fica claro, mas isso é o de menos quando se trata de “provar” uma tese.
O fato é que Bolsonaro está há muito tempo preparando o terreno para a tese da fraude. Uma parcela da população, a que segue Bolsonaro, está absolutamente convencida de que o processo é fraudulento, independentemente do resultado. Portanto, resta inútil qualquer tentativa de “provar” a segurança das urnas. Quem está convencido da tese não necessita de “provas”.
A invasão do Capitólio foi o ponto alto (ou baixo, a depender da perspectiva) da tese da fraude nos EUA. Aqui, bolsonaristas mais exaltados poderão tentar algo parecido se Bolsonaro for derrotado, mas dificilmente terão mais sucesso do que o exército brancaleone de Trump conseguiu, dado que igualmente não terão apoio institucional. Restará o chororô e a disputa política para a próxima eleição. Que será igualmente apurada em urnas eletrônicas, as mesmas que deram a vitória a Bolsonaro em 2018.
PS2: no post citado acima, há um vídeo de um debate sobre segurança das urnas entre um técnico do TSE e Diego Aranha, o crítico mais vocal sobre a segurança das urnas eletrônicas. Vale assistir para entender melhor a questão.
A coluna do Estadão constata o óbvio: Bolsonaro domina as redes.
Só acho que o diagnóstico está errado. O colunista sugere que Bolsonaro tem adotado uma “estratégia” para chamar a atenção, que seria a da “provocação” a artistas e rivais. Na verdade, penso que o engajamento citado é fruto de uma coisa bem mais simples: tamanho da audiência.
No Instagram, Bolsonaro tem pouco menos de 20 milhões de seguidores contra 4,5 milhões de Lula. 800 mil curtidas é um bom engajamento, mas explicável pela base de seguidores. Lula pode esperar cerca de 1/4 disso nos seus posts mais populares.
No Twitter, Bolsonaro tem 7,5 milhões de seguidores contra 3,3 milhões de Lula. Não à toa, seu post sobre a aliança Lula-Alckmin teve o dobro de curtidas do que o do seu adversário do PT sobre o mesmo assunto.
Bolsonaro entendeu antes de todo mundo a importância das redes. O seu volume muito maior de seguidores é fruto de um trabalho de anos, não de meses. Além disso, Bolsonaro usa as redes com a linguagem das redes, e não como uma página oficial com discurso insosso. E mais: sua interação soa autêntica, pois é o mesmo discurso que seus seguidores ouvem no cercadinho do Planalto. Muito diferente de tentativas toscas de Ciros e Alckmins da vida, que contratam marqueteiros para “acertar o tom”. Seu “kkkkkk” como comentário sobre a aliança Lula-Alckmin é exemplo acabado desse fato.
Assim como a motociata, seguidor no Instagram não significa necessariamente voto na urna. Mas se as redes sociais tiverem em 2022 a mesma importância que tiveram em 2018, Bolsonaro sai com vários corpos de vantagem. Não é à toa que seus adversários estão pedindo que o juíz consulte o VAR para verificar se o presidente não está impedido.
Mais uma “motociata” liderada pelo presidente Jair Bolsonaro. Mais uma interminável discussão sobre o real tamanho do evento. Desde os 3 mil medidos no pedágio até os 70 mil da maior conta que vi, dando um passeio pelo Twitter, a disputa sobre a adesão à procissão da sexta-feira santa tomou conta das redes. (Vou deixar de fora a estimativa de R$ 20 milhões arrecadados de ICMS só com a gasolina das motos. Considerando um consumo de 30 km/l, 240 km de percurso, R$ 7,50 por litro e 25% de alíquota, teríamos 1,3 milhões de motos. Seria o milagre da multiplicação das motos).
Digamos que tenham sido 70 mil motos. Segundo o Detran, em abril de 2021 havia 1.076.861 motos na cidade de São Paulo. Considerando que a cidade represente 60% da população da região metropolitana, teríamos um total de 1,8 milhão de motos na Grande São Paulo que potencialmente poderiam participar do evento. 70 mil representam cerca de 4% desse total. Quantos eleitores esses 4% representam? Difícil dizer. Se um em cada 10 motociclistas eleitores de Bolsonaro tenham decidido aderir à motociata, esses 70 mil representariam 40% dos votos entre motociclistas. Em termos comparativos, as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff chegaram a juntar 2 milhões de pessoas na Paulista, ou mais de 10% da população TOTAL da região metropolitana, não somente de motociclistas. E é neste ponto que temos a pegadinha.
Note que temos uma amostra enviesada. Motociclistas, em geral, são homens e têm renda superior a 2 salários mínimos por mês. Nesse estrato da população, Bolsonaro colhe seus melhores resultados. Ele apanha entre os pobres e as mulheres. Portanto, 40% de uma parcela que lhe favorece (ainda mais em São Paulo, não no Nordeste) não parece ser algo que chame especialmente a atenção. E isso porque estressamos o número de motos (70 mil) e a proporção de motociclistas que votam em Bolsonaro dispostos a dar as caras no evento (10%).
Na verdade, pouco importa se foram 3 mil ou 70 mil. Como vimos acima, isso é pouco relevante do ponto de vista do número de votos. Bolsonaro conseguiu seu intento de produzir imagens marcantes e tomar conta do debate nas redes. Essas imagens serão usadas como “evidência” do grande apoio popular ao presidente, e como a derrota nas urnas somente pode ser explicada por fraude.
E antes que alguém lance mão do whataboutismo, o fato de Lula não ter se aventurado, por enquanto, em eventos públicos, não significa absolutamente nada. A coisa mais fácil de produzir são imagens de multidões, e elas serão produzidas pelo petista, podem estar certos. Bolsonaro foi muito esperto, e sacou essa da motociata, em que as motos ocupam muito mais espaço do que pessoas e passam a sensação de multidão muito mais facilmente. Serve como peça publicitária, mas não como antecipação do que será o voto na urna.
Jean Paul Prates deve ser o ministro das Minas e Energia em um futuro governo do PT. Para que ninguém reclame de que não foi avisado, ele deixa muito claras suas ideias. Que, de resto, são as velhas ideias do PT.
Segundo Jean Paul, a existência de estatais é imprescindível para sanar “falhas de mercado”. Por exemplo, não fosse a Petrobras, o Brasil não teria explorado petróleo em águas profundas. Ele “esquece”, obviamente, que os EUA tornaram-se o maior produtor de petróleo do mundo explorando o xisto sem que fosse necessária a presença de qualquer estatal. Também convenientemente esquece que nossa produção de petróleo está estagnada em cerca de 2 milhões de barris/dia faz anos. No início da década passada, com o pré-sal, a empresa previa uma produção de 4 milhões de barris/dia até 2020. Jean Paul cita também o gasoduto Bolívia-Brasil como uma obra que somente uma estatal poderia fazer. Sério?
Em 2013, uma outra “especialista” em setor elétrico resolveu mitigar “falhas de mercado” para baixar o preço da eletricidade. Não vou aqui entrar em detalhes técnicos, mas a MP 579, baixada pelo governo Dilma Rousseff, impôs perdas bilionárias às empresas do setor. Quer dizer, como se tratava de uma adesão voluntária, e as empresas privadas e estaduais não aderiram ao novo modelo proposto pela gênia da lâmpada do setor elétrico, a MP impôs perdas a apenas uma empresa, adivinha qual. Dica: termina com “bras”.
Resumo da ópera: a Eletrobras carregou sozinha o piano da redução das tarifas, e essa dívida bilionária está tendo que ser saudada através… do aumento do preço das tarifas. Realmente, estatais são muito úteis para fazer esse tipo de barbeiragem.
O que me deixa mais espantado é que o jornalista simplesmente “esquece” de perguntar ao ilustre deputado sobre este período. Parece que estamos diante de uma página em branco, que aceita qualquer desenho. É como se o governo Dilma, que foi um desastre para o setor elétrico, simplesmente não tivesse existido, e o PT tivesse carta branca para cometer os mesmos erros. Como disse o senador Prates, “o PT está comunicando desde já suas ideias”, para que ninguém se sinta enganado. Continua acreditando no “Lula pragmático” quem quer.
Nem vou entrar no mérito das preferências políticas de André Fran, quem quiser saber é só dar uma googlada. O ponto não é este.
A questão é chamar de doente (ou de gado, ou de idiota, ou de esquerdopata, ou de <complete aqui>) quem pensa diferente. Cada ser humano tem sua própria escala de valores, construída desde o útero materno e forjada pelas mais diferentes experiências de vida. Não concordar com a escala de valores de alguém porque não bate com a nossa é uma coisa. Outra coisa é atribuir algum desvio de caráter ou alguma falha na saúde mental de quem pensa diferente.
Essa discussão é muito delicada. Afinal, há realmente desvios de caráter ou doenças mentais que podem levar a comportamentos socialmente indesejáveis. Por exemplo, ninguém, em sã consciência, aprovaria o comportamento dos Nardonis.
Mas há uma linha que separa o crime ou a doença da preferência política. Muitos atribuem ao mau caráter ou a uma doença o apoio a este ou àquele político, quando, na verdade, há uma diferença de escala de valores. E, por que não dizer, preferências subconscientes que fazem as pessoas simpatizar e antipatizar com políticos diferentes. Aliás, desconfio de que seja este o fator determinante, muito mais importante do que um check list de atributos morais.
Partir do pressuposto de que o outro lado é doente ou canalha não é um bom começo para qualquer discussão. Claro, se há o interesse de se ter alguma discussão. A política é o campo onde se procura chegar a consensos em meio à discórdia e é impossível fazer política em clima de torcida organizada. Os políticos profissionais sabem disso, e é por isso que se dão muito melhor entre si do que os seus respectivos apoiadores admitem.
Não se trata aqui de achar que todos os atos dos políticos são defensáveis, a depender da escala de valores de cada um. O único ponto é admitir que o outro pode não ser doente ou canalha por não concordar conosco. Isso já seria um bom começo.
Este é o desejo da jornalista, não a realidade. Você lê a coluna e não consegue tirar uma só linha de mudança em lugar algum. Minto. Há sim uma pseudosinalização: Gleisi afirmou que Roberto Campos Neto continua à frente do BC no governo Lula. Bem, essa é a lei. Note que Gleisi não afirmou que o PT desistiu de combater a autonomia do BC. Apenas informou aos interlocutores que vai respeitar a lei e manter Campos à frente do BC no início do mandato. Bem, só faltava dizer que não cumpriria a lei.
O ponto é que a própria coluna se contradiz, aparentemente sem notar que o fez. Cita a preocupação do novo “conselheiro econômico” de Lula, o economista Gabriel Galípolo, com a “subida mais forte dos juros”. Ora, os juros são assunto do BC, não do governo. Quer dizer, é assunto do governo, na medida em que os juros são afetados pela política fiscal. Mas note que Galípolo, de acordo com a colunista, não se mostra preocupado com o déficit, mas com os juros. Ou seja, a sua visão é de que é papel do governo tratar desse “assunto dos juros altos”, o que cheira a algum tipo de intervenção em um campo onde o BC tem, teoricamente, autonomia. E antes que digam que a preocupação do economista pode se referir ao spread bancário, leiam novamente: Galípolo refere-se à “mudança de patamar de juros” que impede o “planejamento dos negócios”. Os spreads não subiram, sempre foram altos. O que subiu recentemente foi a taxa Selic, de responsabilidade do BC. Para bom entendedor, pingo é letra.
Por fim, uma palavra sobre o novo Posto Ipiranga de Lula. Há alguns dias, escrevi um artigo sobre a ideia de uma moeda comum sul-americana, exposta em artigo de autoria de Fernando Haddad e um outro economista do PT que não nomeei. Este outro economista, co-autor da brilhante ideia, é Gabriel Galípolo. Este artigo é um bom cartão de visitas do economista. Para quem precisa “ajustar a rota na economia”, talvez não seja um bom começo.
Quem me acompanha já leu isso aqui: o PSDB precisa se colocar à direita de Lula. O conselho do neo-tucano Rodrigo Maia é só o óbvio ululante.
Maia afirma que a aproximação de FHC e outros próceres tucanos com Lula confundiu a cabeça do eleitor. Acho que ele está errado. Na verdade, essa aproximação somente confirmou o que os eleitores do PSDB já desconfiavam: o partido é linha auxiliar do PT.
Quando Doria tomou de assalto o partido, foi para colocá-lo firmemente à direita de Lula. Suas campanhas de 2016 e 2018 foram, antes de tudo, anti-PT. Esse, aliás, é um dos motivos pelos quais Doria sofre restrições dentro do partido.
Mas, como diz o outro, “muito pouco, muito tarde”. Doria e Maia têm a percepção correta, mas como Maia diz, é muito difícil colocar-se à direita do PT quando Bolsonaro já está lá. Esse movimento deveria ter ocorrido lá em 2005, no mensalão. Hoje, a bandeira anti-PT encontra-se firmemente nas mãos de Bolsonaro. E, se já é difícil convencer o eleitor de que se é tão anti-petista quanto Bolsonaro, imagine prestando a cortesia de visitar Lula.
Não sou especialista em marketing eleitoral, mas a impressão que eu tenho é que, se há uma bandeira que deveria ser empunhada por um candidato da terceira via é a bandeira da pacificação nacional. Acho que uma parte da população brasileira (não sei se o suficiente para ganhar a eleição, mas deve ser relevante) gostaria de deixar 1964 definitivamente para trás e olhar para frente.
Simone Tebet, em sua entrevista de hoje no Estadão, ao ser perguntada sobre o que seu grupo tem a oferecer ao eleitorado, escolhe preferencialmente a bandeira que já pertence a Lula: acabar com a fome, miséria, desigualdade social.
Se é para fazer isso, melhor votar no original. (Não que o original vá cumprir a promessa, é apenas uma referência à percepção do eleitorado). SImone refere-se à pacificação de forma apenas secundária, quando deveria ser a principal bandeira, aquela a ser martelada dia e noite.
Lula, que está longe de ser ingênuo, já sacou essa estratégia. Em tuíte de ontem, ele se coloca como “o pacificador”.
Claro, é uma lorota, assim como a de resolver o problema dos pobres. Mas estamos falando de percepções. E não tenha dúvida de que Lula vai querer se colocar como o adulto na sala, o que, convenhamos, não será difícil, considerando as diatribes diárias de Bolsonaro. A escolha de Alckmin como vice não tem nada a ver com programa econômico, mas com essa imagem de “governo de pacificação”.
Para piorar o que já estava ruim, ao ser perguntada se vai se opor ao programa econômico do PT, Tebet adota a saída Glória “Não Tenho Como Opinar” Pires.
Em que planeta a senadora morava nos anos em que o PT governou o Brasil? Em que ilha distante e sem internet estava quando Lula afirmou que vai acabar com o teto de gastos e a reforma trabalhista? Deixando a bandeira da pacificação nas mãos de Lula e abrindo mão da crítica mais óbvia ao PT, prevejo que a nossa “candidata da terceira via” tenha dificuldade de ultrapassar o número de votos de Marina Silva nas últimas eleições.