Lula tuitou hoje, afirmando que o debate com Alckmin era civilizado, sobre programa de governo.
O problema para Lula é que o print é eterno. Abaixo vão vários exemplos do debate “civilizado” entre Lula e Alckmin, focados exclusivamente em “programas de governo”, e relembrados nas respostas ao tuíte do ex-presidiário.
Se há um pecado mortal em qualquer análise política, é o de não saber distinguir estratégia política de preferência pessoal. Uma coisa é achar isso ou aquilo dos candidatos, outra bem diferente é entender o que vai funcionar ou não para atingir determinado objetivo. Miriam Leitão cai nesse vício, ao determinar que qualquer candidatura de terceira via deveria reconhecer que Lula é superior a Bolsonaro no quesito “respeito à democracia”.
Nem vou aqui entrar no mérito sobre a superioridade de um candidato ou outro sob qualquer aspecto. Tenho minha opinião pessoal, mas isso pouco importa para a análise. Meu ponto é apenas lógico: se o candidato é de “terceira via”, por definição deve considerar ambos os opostos como inadequadas SOB QUALQUER ASPECTO. Ao reconhecer alguma superioridade de um sobre o outro, já mostrou uma preferência que o transforma, automaticamente, em linha auxiliar de um dos polos. E, se é para votar na linha auxiliar, o eleitor ou vai escolher o polo principal ou o polo opositor, a depender de sua simpatia. FHC, ao tirar uma foto com Lula, fez mais pela campanha de Lula e de Bolsonaro do que qualquer aliado desses dois faria.
Miriam Leitão faz uma oposição atávica a Bolsonaro, o que é compreensível, dada a sua história pessoal. Isso é uma coisa. Outra coisa é dizer que qualquer candidato da terceira via deveria reconhecer a superioridade de Lula. Isso é uma rematada bobagem para quem realmente quer se colocar como alternativa. E vou além: se a estratégia do candidato é tirar Bolsonaro do segundo turno, deveria assumir uma postura anti-petista, pois este é o atributo mais importante em uma eleição polarizada. Ser anti-bolsonarista fará com que o candidato dispute votos com Lula, que é o anti-Bolsonaro da disputa. Atacar Bolsonaro esperando tirar Bolsonaro da disputa é fazer o jogo de Lula. Talvez seja esse o objetivo in pectore de Miriam Leitão.
Fechada a janela do swing partidário, em que políticos trocam de parceiros de maneira consensual, os analistas da suruba política brasileira começam a fazer a análise do resultado. Uma reportagem e a coluna de Bruno Carazza, ambos no Valor, reconhecem a vitória de Bolsonaro nesse processo.
A reportagem não deixa de mostrar uma certa perplexidade, ao constatar que a suposta “perspectiva de poder”, dada pela liderança de Lula em todas as pesquisas, não foi suficiente para atrair políticos para o PT ou suas siglas subordinadas. Carazza, por sua vez, atribui o fracasso do PT nessa fase a um certo clima de “já ganhou” no partido, ao passo que Ciro Nogueira, o capitão do time de Bolsonaro, trabalhou com afinco para engordar a sua sigla e as legendas aliadas.
As eleições de 1989 e de 2018 mostraram que é possível ganhar um pleito presidencial sem o apoio de grandes federações partidárias. Em 2018, inclusive, Alckmin teve pífios 5% dos votos contando com o apoio de meio Congresso e um latifúndio de tempo de TV. Mas 2018, assim como 1989, foi um ano atípico. Com o sistema político sob os escombros da Lava-Jato, pouco importava o apoio de políticos. Agora, com a volta de uma certa “normalidade”, provavelmente teremos uma eleição padrão, com duas candidaturas opostas se digladiando e, eventualmente, uma terceira candidatura desafiante. E, nesse jogo padrão, o apoio político é importante para atingir a capilaridade necessária em uma campanha nacional.
Voltando à perplexidade da reportagem do Valor, é de se notar como o Centrão, liderado por Ciro e Valdemar, mantém-se firme ao lado de Bolsonaro, a ponto de atrair quadros para as eleições regionais. Claro que, em um eventual governo Lula, os dois não teriam restrição a mudar de barco. Mas o fato de manterem-se no barco bolsonarista para as eleições significa duas coisas: 1) Bolsonaro não é aquele candidato tóxico que se quer varrer para debaixo do tapete. Pelo contrário, seu apoio ainda vale alguma coisa; e 2) O Centrão tende a ter muito mais poder em um eventual segundo governo Bolsonaro do que em um terceiro governo Lula. A experiência mostra que Lula e o PT são hegemônicos, e os principais nacos do poder ficam sempre com o PT. Mensalão e petrolão foram a maneira encontrada pelo PT para ter uma base sem dividir o poder.
Dada a largada para a análise de pesquisas eleitorais nessa página. Se você é daqueles que não acreditam em pesquisas eleitorais, não perca o seu e o meu tempo, simplesmente ignore. Aqui, como fiz em 2018, procuro entender as grandes tendências e chamar a atenção dos leitores para coisas que me chamaram a atenção.
O gráfico abaixo mostra todas as pesquisas publicadas neste ano, por ordem cronológica. Cada instituto tem sua metodologia de amostragem, então é natural que gerem resultados diferentes. Mas é possível derivar um certo padrão.
Lula lidera em todas as pesquisas, com intenções de voto entre 40% e 45%. Bolsonaro, igualmente em todas as pesquisas, segue em 2o lugar, com intenções de voto entre 25% e 30%. A menor diferença está na pesquisa da Paraná (40 x 30), enquanto todas as outras mostram distâncias maiores.
Mas é para o grupo “Outros” que eu gostaria de chamar a atenção. Em todas as pesquisas, este grupo perde de Bolsonaro. Ou seja, todos os outros candidatos não conseguem somar a intenção de voto em Bolsonaro. Fiz questão de plotar a intenção de voto estimulada, para não ter a desculpa de que o pesquisado não lembrou de algum candidato em que poderia votar. Estão todos listados, então a pessoa escolheu Lula ou Bolsonaro tendo como opção um terceiro nome na lista.
Houve um certo desalento essa semana com a chamada “terceira via”, depois da desistência fake de Dória e da desistência “no momento” de Moro. A grande premissa da terceira via é a união em torno de um único nome que pudesse desbancar um dos dois candidatos que estão na ponta, que hoje seria Bolsonaro. Ocorre que, mesmo na remotíssima possibilidade de que essa unificação ocorresse e que todos os que dizem votar em algum candidato que não Lula/Bolsonaro votassem nesse candidato único, o que as pesquisas dizem HOJE é que este candidato único não tiraria o lugar de Bolsonaro.
Para que houvesse alguma chance de a terceira via decolar, precisaríamos estar vendo, neste momento, uma maior dispersão de intenção de votos entre os candidatos, de modo que um eventual nome único não precisasse carrear 100% dos votos dos candidatos que desistissem para ocupar a 2a vaga no segundo turno, pois isso não vai acontecer.
Eliane Catanhêde termina sua coluna de hoje no Estadão com a seguinte frase: “Há uma desesperada demanda pela terceira via no eleitorado, mas as lideranças políticas são incapazaes de oferecer o produto”. Bem, não sei onde a colunista está vendo essa “demanda desesperada por uma terceira via”. O que eu estou vendo, olhando as pesquisas dos mais diversos institutos, é que o eleitor escolhe Lula ou Bolsonaro, MESMO TENDO OUTRAS OPÇÕES NO CARDÁPIO. Ou seja, a tal demanda parece ser mais um desejo do que uma realidade.
Claro, tudo sempre pode mudar, treino é treino, campanha é campanha, e o imponderável futebol clube sempre pode dar as caras. Mas o retrato de hoje do mercado eleitoral é demanda e oferta se encontrando em um ponto insuficiente para romper a polarização entre Lula e Bolsonaro.
Caí na “pegadinha” de João Doria. Segundo ele, foi uma “estratégia” para angariar apoio de seu partido. Bruno Araújo, vendo naufragar o barco do PSDB na joia da coroa do partido, o estado de São Paulo, assinou uma carta reiterando o apoio do partido, do qual é presidente, à candidatura Doria. No entanto, quem é um pouco alfabetizado em política sabe que essa carta vale tanto quanto uma nota de 3 reais.
Em primeiro lugar, o esforço foi no sentido de o atual governador deixar o governo de SP para o seu vice, não necessariamente o de Doria assumir a candidatura presidencial. Não faltam bons nomes ao PSDB, pelo contrário. Doria renunciando ao governo de SP e à candidatura presidencial era o melhor cenário. Doria permanecendo no governo sem concorrer à reeleição, o pior. O arranjo possível foi “convencer” Doria com uma cartinha de amor. Segue o jogo, até a convenção do PSDB, onde tudo pode acontecer.
Não satisfeito com a lambança, Doria adicionou o insulto à injúria, ao dizer em entrevista que tudo não passava de um plano para testar o apoio do partido à sua candidatura. Uma espécie de Jânio de calça apertada. E, como cereja do bolo, chamou de “golpistas” os que não querem a sua candidatura. Doria está seguindo metodicamente o manual “Como Fazer Inimigos e Não Influenciar Pessoas”. Depois do dia de ontem, o PSDB tem o dever moral de não lhe dar a legenda para disputar a presidência.
Como nota final, se a saída de Doria da disputa não representava muita coisa, como defendi em meu comentário de ontem, o mesmo não se pode dizer da saída de Sergio Moro do páreo. Sem experiência política e tendo chegado 4 anos atrasado para empunhar a bandeira da Lava-Jato que Bolsonaro empunhou em 2018, Moro foi vítima de sua própria ilusão, a de ser o justiceiro universal do Brasil. Foi engolido pelo sistema político, que tem suas próprias regras. Se for humilde, concorrerá a uma vaga de deputado federal, onde terá a oportunidade de começar o jogo da planície, desenvolvendo suas habilidades políticas para depois, se for o caso, tentar voos mais altos.
Ao contrário da eventual desistência de Doria, a saída de Moro do páreo embaralha as cartas da “terceira via”. Lula e Bolsonaro certamente não gostaram desse movimento.
Mais importante do que entender os motivos pelos quais João Doria desistiu de sua candidatura presidencial é avaliar o impacto da decisão na disputa. Entendo que seja pequeno e explico porque.
A única mudança significativa na campanha seria o aumento da probabilidade de um dos dois candidatos que lideram as pesquisas serem ultrapassados por um terceiro. A chance de um evento desse tipo aumentou com a desistência de Doria? Provavelmente não. Para que isso acontecesse, seria necessário que o PSDB desistisse de lançar um candidato. Vai acontecer? Pouco provável.
Com uma candidatura na rua, o PSDB continua dividindo os votos da chamada “terceira via”. A não ser que fosse um candidato que atraísse votos dos atuais lulistas e bolsonaristas. Até pode ser, mas não vejo isso acontecendo em escala suficiente para mudar o quadro eleitoral.
Enfim, a desistência de Doria tem muito mais influência nas eleições paulistas do que na nacional, onde o PSDB vai disputar votos com o candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas. A depender do arranjo do partido que exerce o governo do Estado há quase 30 anos, Tarcísio pode ser o mais beneficiado nesse imbróglio.
Doria, por fim, somente adiantou um fim que o aguardava de qualquer forma depois das eleições: o ostracismo.
Há não muito tempo, a colunista Eliane Catanhede protagonizou o que talvez tenha sido o mais famoso “cala boca Magda” da história do jornalismo brasileiro, ao sugerir, em sua coluna, que Lula poderia desistir de sua candidatura, ocupando uma vaga de vice-presidente em uma “chapa de união”. Lula, com a verve que Deus lhe deu, respondeu que Catanhêde poderia dar um golpe de mestre e parar de escrever bobagem, fazendo alusão ao título da coluna, “Golpe de mestre”.
Catanhêde, dessa vez, para não levar um outro “cala boca”, toma o cuidado de não assumir a maternidade de outra ideia genial. Em sua coluna de hoje, explica como Lula deveria conduzir a sua campanha se quiser ter alguma chance contra Bolsonaro, e atribui as suas ideias a uma suposta “ala moderada” do PT, como se isso existisse.
Em resumo, segundo a colunista, Lula deveria “caminhar para o centro”, “abrir mão da reeleição” e ”prometer reconstruir o país”. Na verdade, dessas três “ideias”, duas são meio que óbvias e uma (a da reeleição) é prima-irmã de assumir uma vaga de vice, além de ser, claro, uma promessa pouco crível. “Ser o presidente da reconstrução” é o que todos, com exceção do incumbente, prometem. E “caminhar para o centro” é o que Lula já começou a fazer, ao escolher Alckmin como vice. Aliás, na verdade, esse é um movimento quase dispensável, dado que todas as falas radicais do candidato, como revogar a reforma trabalhista ou acabar com o teto de gastos, são considerados pelos “centristas doidos para votar em Lula” como “discurso de campanha” que será abandonado pelo “pragmático Lula”.
A colunista, no último parágrafo, deixa entrever o seu objetivo: aconselhar o seu candidato in pectore a como enfrentar a “intensa pancadaria” que vai sofrer durante a campanha. Como se sofrer pancadaria fosse uma exclusividade de Lula e como se a pancadaria não fosse, de alguma forma, merecida. Para não ficar parecendo que Catanhêde virou estrategista da campanha do PT, aguardamos análise semelhante para os outros candidatos.
Vi Ricardo Semler uma vez. Foi em uma palestra na sede do PSDB a que um amigo meu, filiado ao partido, levou-me no final da década de 80. Semler acabara de lançar o livro que o alçaria ao seu breve estrelato, Virando a Própria Mesa, em que conta como havia feito uma revolução na empresa que havia herdado (ou iria herdar, não sei ao certo), a Semco. Foi um precursor da parte S do ESG: muito atento ao bem-estar dos funcionários e coisas do tipo. A única coisa que lembro da palestra foi ele ter contado que sua empregada doméstica recebia um salário que lhe permitia vir para o trabalho em sua casa de carro. Achei aquilo o máximo e a informação arrancou suspiros de admiração da plateia. Claro, estava terminando a faculdade, e não tinha ideia de como era sustentar uma casa de classe média com o próprio salário. Semler não tinha esse problema, aparentemente.
Esse longo preâmbulo serve para introduzir um artigo de Ricardo Semler publicado hoje na Folha. Em resumo, Semler defende que os empresários devem parar de procurar uma terceira via que não existe, e cerrar fileiras de uma vez em torno de Lula, o único que pode nos salvar das garras do troglodita que ocupa o Palácio do Planalto desde 2019.
Em primeiro lugar, é louvável assumir uma posição sem ambiguidades. Muitos por aí se dizem atrás de uma opção de terceira via, mas nenhum dos nomes que estão aí lhes agradam, de forma que vão votar em Lula ou em Bolsonaro porque “faltam opções”. Opções não faltam, o que falta é a transparência que sobra a Semler sobre a sua opção preferencial. Não fosse assim, os dois candidatos não estariam sobrando nas pesquisas sobre todos os outros rivais.
Tendo dito isso, não deixa de ser engraçado o contorcionismo mental que o empresário faz para justificar a sua opção. Não podendo dizer que não houve grossa corrupção nos governos do PT (“em medida menor”), Semler quer dar uma “segunda chance” para o partido. E se sai com uma comparação do arco da velha: assim como a Alemanha se rearmar não significa que os nazistas vão voltar, dar o poder novamente ao PT não significa que a corrupção vai voltar.
Dizem que o amor cega. Deve ser este o caso. O empresário simplesmente “esquece” que a Alemanha criminalizou o nazismo, condenou todos os oficiais nazistas que não fugiram ou se mataram, e passou, talvez, pela maior ajoealhada no milho da história da humanidade. Até hoje, os alemães sentem vergonha do que aconteceu. O PT, por outro lado, não reconheceu uma vírgula do que ocorreu. Segundo o partido, os bilhões roubados da Petrobrás sumiram como que por um passe de mágica, não houve um ladrão. Como Semler quer comparar os dois casos?
Depois lança mão do mais puro e perfumado whataboutismo. Afinal, por que a resistência dos empresários a Lula, que sequer tem ilhas secretas e contas na Suíça como Putin, quando apoiaram sem pudor nenhum os Sarneys, Malufs e Quércias da vida. Como se esses fossem candidatos hoje. Semler parou naquela palestra do final dos 80, em que Lula era o baluarte incorruptível contra a sujeira da política brasileira. O que veio depois foi apenas um acidente de percurso, que pode ser “perdoado” como fizemos com a Alemanha arrependida do nazismo. Francamente.
O que Semler ignora olimpicamente em seu artigo é que os empresários estão pouco se lixando para a corrupção de Lula, assim como estavam se lixando para a corrupção de Sarney, Maluf e Quércia. O que realmente importa é uma política econômica que faça sentido, e não um amontoado de iniciativas que beneficiam apenas os amigos do rei, associadas a ideias já testadas e reprovadas ao longo da triste história econômica brasileira. Do que os empresários se pelam de medo é da continuidade do governo Dilma, apeada do poder, entre outras coisas, por ter uma visão jurássica de economia, e que nos causou a maior recessão desde a década de 30.
Semler intui este problema, ao propor que os empresários “negociem” com Lula que este junte ao seu time economistas como Armínio Fraga, Pedro Malan e Pérsio Arida. Seria uma forma de garantir que Lula fosse, na verdade, um FHC na economia. Só tem um problema: Lula foi FHC somente nos primeiros três anos de seu governo. No resto, incluindo o governo Dilma, Lula foi Lula. E deu no que deu. Lula aprendeu com seus erros? Que erros, ele vai perguntar, a mesma resposta que daria para os casos de corrupção. Lula e o PT nunca erram.
Não, Lula não vai topar que Armínio, Malan e Pérsio façam parte de sua equipe, pois não comunga de seus pontos de vista. E tampouco Armínio, Malan e Pérsio topariam fazer parte de um governo Lula. Não estamos mais em 2002, em que economistas como Marcos Lisboa, Alexandre Schwartsman e Joaquim Levy toparam fazer parte do governo. Passaram-se 20 anos, e o filme que passou neste período não foi nada bonito. Talvez Geraldo Alckmin seja o único que topa emprestar o seu nome para que Lula pose de social democrata para Semler ver.
Em meu post de ontem, em que crítico a fala do presidente defendendo neutralidade em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia, muitos contra-argumentaram que o Brasil votou a favor da condenação do ataque no Conselho de Segurança da ONU, que é o fórum que importa. Portanto, seria uma má vontade com o presidente pinçar uma frase dita à beira da praia durante o carnaval e simplesmente esquecer o voto do Brasil na ONU.
Pode parecer algo bobo, sem importância, mas essa dicotomia diz muito sobre o presidente e sua torcida organizada. Vejamos.
O primeiro ponto importante a considerar é que estamos diante de dois fatos que pertencem ao mundo real. De fato, o presidente afirmou que o Brasil deveria buscar a neutralidade e, de fato, o Brasil votou pela condenação ao ataque no Conselho de Segurança. Devemos concordar, de início, que estes dois fatos são reais, aconteceram. O primeiro objetivo, portanto, é tentar entender porque o voto brasileiro no Conselho de Segurança não ornou com as declarações do presidente. Temos três hipóteses.
A primeira hipótese é que a diplomacia brasileira não segue a orientação do presidente. Seguisse e fosse coerente com o discurso de neutralidade, teria optado pela abstinência na votação da ONU, como fizeram China, Índia e Emirados Árabes.
A segunda hipótese é que, por algum misterioso motivo, o presidente falou uma coisa na praia, mas orientou o seu oposto para a diplomacia. Uma possível explicação para essa dicotomia é que Bolsonaro detesta entrar em conflito com grupos de interesse. Quando se trata de confrontar a esquerda ou o politicamente correto, não tem pra ninguém. Mas quando a situação exige confrontar corporações do serviço público ou lobbies, Bolsonaro sempre procura contemporizar. Vimos isso acontecer, por exemplo, durante a tramitação da reforma da Previdência, em que as declarações do presidente frequentemente iam de encontro ao projeto do próprio governo. Nesse caso, não seria mera coincidência a citação aos fertilizantes, uma pauta cara ao setor do agribusiness.
Por fim, a terceira hipótese é de que o presidente se arrependeu da posição do Brasil na ONU. As declarações se deram após a votação, e esse lapso temporal explicaria a mudança de posição.
Em qualquer das três hipóteses, o voto no Conselho de Segurança não serve como alívio para a fala do presidente. Na primeira hipótese, porque o voto não teria sido orientado pelo presidente. Na segunda, por que se trataria de uma forma de dissimular a verdadeira posição do governo no assunto, como se falar uma coisa e fazer outra passasse despercebido. E, na terceira, porque teria havido arrependimento, o que revelaria a sua posição mais atual sobre o tema.
Para terminar, um palavra final sobre a torcida organizada. Criticar o presidente da República, qualquer que seja ele, é uma prerrogativa que assiste a qualquer pessoa em regimes democráticos. Isso não significa que se vai automaticamente votar em seu oposto. Se eu deixo de escrever as minhas críticas, não significa que o comportamento criticável desaparecerá. As pessoas observam e tomam as suas posições. Há uma tentativa de inversão da culpa: o culpado pela derrota eleitoral do presidente seria aquele que escreve sobre o comportamento do presidente e não o próprio presidente, autor do comportamento.
Costuma-se dizer que o “culpado” pela eleição de Bolsonaro foi o próprio PT, com sua montanha de erros acumulados. Da mesma forma, o culpado pela eventual volta do PT serão tão somente os erros acumulados do presidente. Não culpem o mensageiro.
Enquanto Bolsonaro contamina a eleição com o seu Gabinete do Ódio, que espalha fake news através do Telegram com a ajuda dos russos, o PT contra-ataca, montando o seu Gabinete do Amor, para distribuir true news também através do Telegram. Quem disse que o Telegram não pode igualmente servir ao bem?
Se o objetivo de Bolsonaro é destruir a democracia, o objetivo do PT claramente é defender os valores do Estado Democrático de Direito. Por isso, certamente não veremos os juízes do TSE emitindo opiniões preocupadas com o rumo da democracia brasileira diante dessa tática digital do PT.