Esse movimento de 180 graus de Marta Suplicy pode ser analisado sob vários ângulos.
O primeiro, é a inanição do PT na capital paulista. Além de ter cedido a cabeça de chapa a Guilherme Boulos, do PSOL, Lula foi obrigado a buscar fora dos quadros atuais do partido na cidade um candidato a vice. Claro, sempre se poderá dizer que, no final das contas, tudo é PT: Boulos pertence a um partido satélite do PT, Marta fez sua carreira política no PT, está tudo em casa. Mas não é bem assim, e os Tattos da vida sabem disso. Lula joga pra vencer até jogo da velha na parede da prisão, e achou por bem escantear o PT na cidade. Como sempre, painho manda, todo mundo obedece.
O segundo aspecto é a trajetória política de Marta Suplicy. Marta foi criada no PT, mas saiu do partido em abril de 2015, já com o Petrolão comendo solto. Vale a pena ler um trecho de sua carta de desfiliação:
“É de conhecimento público que o Partido dos Trabalhadores tem sido o protagonista de um dos maiores escândalos de corrupção que a nação brasileira já experimentou, sendo certo que mesmo após a condenação de altos dirigentes, sobrevieram novos episódios a envolver a sua direção nacional. No meu sentir e na percepção de toda a nação, os princípios e o programa partidário do PT nunca foram tão renegados pela própria agremiação, de forma reiterada e persistente. Para mim, como filiada e mandatária popular, os crimes que estão sendo investigados e que são diária e fartamente denunciados pela imprensa constituem não apenas motivo de indignação, mas consubstanciam um grande constrangimento.
Aqueles que, como eu, acreditaram nos propósitos éticos de sua carta de princípios, consolidados em seu programa e em suas resoluções partidárias, não têm como conviver com esta situação sem que esta atitude implique uma inaceitável conivência”.
E tem mais: “Ao tentar empenhar-me numa linha de providências, fui isolada e estigmatizada pela direção do partido. Percebi que o Partido dos Trabalhadores não possui mais abertura nem espaço para o diálogo com suas bases e seus filiados dando mostras reiteradas de que não está interessado, ou não tem condições, de resgatar o programa para o qual foi criado, nem tampouco recompor os princípios perdidos”.
Considerando que os dirigentes do PT, até hoje, não reconhecem os crimes que cometeram, resta perguntar a Marta Suplicy se ela se enganou ao pedir desfiliação, ou se a direção partidária, hoje, está mais aberta a críticas. Ao se despedir do PMDB e do governo de Ricardo Nunes, Marta afirmou que irá seguir “caminhos coerentes com sua trajetória”. Sim, uma trajetória de oportunismo político.
Um terceiro aspecto ser analisado é o porquê desse movimento de Lula. Afinal, teoricamente, Boulos e Marta trafegam no mesmo eleitorado, o da periferia. Mas isso é só teoricamente. Olhando o mapa eleitoral de 2020, podemos observar que Boulos só obteve maioria na extrema periferia, que tem baixa densidade populacional.
Para o trabalhador da classe C, que está na média periferia, Boulos não passa de um arruaceiro. Marta, por outro lado, tem o que mostrar a esse eleitor em termos de realizações, como os CEUs e o bilhete único dos ônibus, coisas concretas que ajudaram os mais pobres. Já Boulos é muita fumaça e baderna, coisa que afasta o trabalhador pobre, que quer conquistar a sua moradia, não roubá-la. Lula, que não é bobo, sacou esse ponto fraco, e convocou Marta para a dobradinha. Não deixa de ser irônico que Boulos precise de ajuda para conquistar o voto da classe C, que é quem decide a eleição.
Por fim, um aspecto pitoresco: tanto Boulos quanto Marta pertencem à mesma linhagem: representam a nobreza que se despe dos seus privilégios para ajudar os plebeus. São dois políticos que arrancam suspiros nos bares da Vila Madalena, onde todos os problemas da cidade são resolvidos entre um drinque e outro. Afinal, é uma chapa coerente.