O dia em que o MBL virou #elenão

As manifestações do dia 12 caminhavam para um retumbante fracasso. Só isso pode explicar como uma manifestação que tinha como objetivo demonstrar a viabilidade de uma terceira via abrir os braços para os lulistas. Este é o dia em que o MBL virou #elenão e, a exemplo de FHC, apertou a mão de Lula. Vai ganhar alguns balões e perder o apoio de quem sinceramente deseja uma terceira via. Não consigo pensar em alegoria melhor para ilustrar a inviabilidade de uma terceira via.

A natureza do escorpião

Às vésperas do 1o turno de 2018, uma manifestação #elenão havia sido convocada para o Largo da Batata, aqui em São Paulo. Um amigo, muito inteligente e a quem prezo muito, tentava me convencer a comparecer ao tal ato. O raciocínio era o seguinte: quanto mais gente fosse, mais ficaria claro que havia uma rejeição grande ao nome de Bolsonaro. Portanto, Alckmin tinha mais chance de vencer o PT no 2o turno, e haveria uma migração de votos de Bolsonaro para Alckmin. Minha resposta foi a seguinte: essa é a eleição anti-PT. Não é engordando uma manifestação claramente do PT que o Alckmin vai ganhar alguma coisa. Alckmin iria perder a eleição porque tinha escolhido o adversário errado: estava atacando Bolsonaro, quando devia estar atacando o PT. Não seria minha presença em uma manifestação de revolucionários da Vila Madalena que iria mudar isso.

Lembrei desse diálogo enquanto lia a entrevista, no Valor, do prefeito reeleito de Araraquara, Edinho Silva, um dos raros casos de sucesso do PT nessas eleições. Ainda mais quando se considera que foi tesoureiro da campanha de reeleição de Dilma Rousseff em 2014.

Edinho propõe uma “frente” de partidos de esquerda, dialogando com partidos de centro, para “recolocar o Brasil no caminho da democracia”. Uma espécie de reedição do #elenão. São tantos embustes em um pensamento só que fica difícil até argumentar.

Pra começo de conversa, “recolocar o Brasil no caminho da democracia” não deixa de ser uma frase esquisita para um partido que saúda a “democracia” da Venezuela e tem em Cuba um modelo de sociedade.

Em segundo lugar, Edinho quer fazer aliança com partidos que, pelo menos até o momento, o PT considera como golpistas. Como “recolocar o Brasil no caminho da democracia” aliado a partidos “golpistas”? Uma contradição em termos. Na entrevista, Edinho ensaia um mea culpa a respeito da corrupção do partido, mas não diz uma mísera palavra que poderia servir de ponte para rever esse posicionamento.

Além disso, o PT cansou de bater nos chamados “partidos de centro” enquanto estava no poder. Todos eram fascistas. De modo que fica difícil entender uma aliança com fascistas para desalojar outro fascista do poder.

Por fim, é difícil acreditar na promessa de uma “frente” com o PT. Não orna com o desejo hegemônico do partido de Lula. Poderia enganar há 20 anos. Hoje, todo mundo conhece a natureza do escorpião. Em determinada altura da entrevista, Edinho crítica a “acidez” das críticas de Ciro Gomes. Esse foi um que sentiu na pele o que significa acreditar na boas intenções de Lula.

E, por falar em Lula, o final coloca por terra toda a “sensatez” que um dos mais “conscientes” quadros do PT procurou demonstrar ao longo de toda a entrevista. Ao colocar Lula como seu candidato preferencial em 2022, Edinho implode qualquer tentativa de aproximação com quem quer que seja. Está aí, nessa resposta, o PT destilado de todas as suas tentativas de parecer um partido disposto ao diálogo. Não. Qualquer iniciativa para enfrentar Bolsonaro em 2022 não pode incluir uma aliança com o PT.

Manifesto petista

Na véspera da manifestação “elenão”, um amigo, eleitor de Alckmin, tentou convencer-me a ir até a manifestação. Segundo ele, era essencial que a manifestação fosse vista como “plural”, e não uma agenda da esquerda, uma campanha pró-PT disfarçada. Na época, Haddad já despontava como o virtual adversário de Bolsonaro no 2o turno, mas ainda havia uma tênue esperança de que o ex-capitão pudesse desidratar em favor do candidato do PSDB. Recusei-me, pois pra mim aquilo era só campanha do PT disfarçada, como restou provado por pesquisa do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP.

Segundo essa pesquisa, realizada durante o evento no Largo da Batata, em São Paulo, 80% dos entrevistados se identificaram como de esquerda e 8% como de centro-esquerda. 34% dos entrevistados afirmaram que seu partido era o PSOL, 30% afirmaram que era o PT e 20% afirmaram que não tinham partido de preferência. Ou seja, dos que tinham partido, 80% eram PSOL ou PT.

Fernão Bracher, Claudia Costin, Phillipe Reichstul, José Carlos Dias, Naercio Menezes são nomes que servem para aquilo que meu amigo sugeriu que eu fizesse: dar um verniz plural a uma manifestação petista. Mas agora, sem a desculpa de que há outros candidatos no cardápio. É PT mesmo, sem disfarces.

Cada um sabe o que faz com o seu nome.

Pergunta de matemática

Pergunta de matemática: qual o tamanho do conjunto intersecção entre os participantes dos protestos pelo impeachment em 2015/2016 e os participantes do protesto #elenão programados para o próximo dia 29?

Outra pergunta: qual deveria ser o tamanho dessa intersecção para considerarmos este protesto um legítimo movimento da cidadania brasileira e não apenas um ato eleitoral pró-PT, dado que o poste de Lula é claramente o seu beneficiário?

Quem é o “ele” no #elenão?

Estou chegando agora. Quem é o “ele” no #EleNão?

PS.: eu sei que é o Bolsonaro. Só gostaria de entender por que a hashtag não é #BolsonaroNão. Esse “ele” parece colocar o sujeito em um patamar superior a todos os outros. Basta se referir a “ele”, que todos sabem que “ele” é o Bolsonaro. Como o chefão que todos temem, e ninguém se atreve a sequer citar o nome. Ou, como em Harry Potter, o mal que não se podia nominar, no caso, Voldmort.

Ao destacar Bolsonaro dessa maneira, um simples candidato é alçado à categoria de semi-divindade. Ou se adora, ou se odeia, não há meio-termo.

Enfim, uma bobagem.

Para mim, o “ele” é Haddad, o “ele” é Lula. Mas eu prefiro tratá-los como seres humanos que são: #HaddadNão, #LulaNão, #PTdenovoNão.