– O Brasil está quebrado, eu não posso fazer nada.
– É preciso manter o foco e a perseverança em níveis muito elevados para concluir com sucesso a tarefa.
Ozires Silva foi presidente da Embraer desde a sua fundação, em 1969, até 1986. Em 1991 voltou à empresa que ajudou a fundar, a convite do então presidente Fernando Collor, para liderar o projeto de privatização. Três anos depois, já no apagar das luzes do governo Itamar Franco, a Embraer foi leiloada na Bovespa.
Nos dizeres de Ozires Silva, “o tema da privatização é sensível no Brasil”. Se não houver foco e perseverança, não sai.
Temos ainda mais dois anos de governo, vamos ver. Mas, no que se refere a privatizações, foco e perseverança parecem ser artigos de luxo no Palácio do Planalto, hoje.
O PSTU defende a reestatização da Embraer “como única saída para a sobrevivência da empresa”. Que o PSTU (e todos os seus irmãos de armas, PSOL, PCdoB, etc) defendem a estatização de todas as empresas não é novidade. O interessante, no caso, é o reconhecimento de que a empresa não tem como sobreviver a não ser tendo o Estado como acionista majoritário.
Hoje, isso é uma verdade. A união com a Boeing, que seria a forma mais eficiente de manter a competitividade da empresa em jatos de médio porte ao longo dos próximos anos, fez água. A pandemia selou o caixão. A Embraer que sobra é muito menor que a empresa de antes. Daí o PDV.
Debaixo do Estado, no entanto, a coisa muda. Todos os sonhos são possíveis. Inclusive porque a capitalização de estatais não está submetida ao teto de gastos. No ano passado, Bolsonaro capitalizou a Engeprom para fabricar os brinquedinhos da Marinha. Por que não capitalizar a Embraer para fabricar os brinquedinhos da Aeronáutica?
O que fica claro nessa história é que PSTU e seus irmãos querem que o Estado brasileiro subsidie empregos altamente qualificados com os impostos pagos pelos desdentados. De maneira geral, esses partidos defendem os empregados do Estado com unhas e dentes, empregados estes que recebem muito acima da média de renda do “povo” que veementemente dizem defender.
Esses partidos gostam não do povo, mas da máquina do Estado.
Pedro Cafardo é editor-executivo do Valor Econômico.
Hoje, Pedro comete uma coluna mais ou menos assim:
– O liberalismo tomou conta do governo brasileiro. E isso é bem-vindo, dado que o Estado brasileiro está falido e não consegue mais cumprir com suas obrigações.
– No entanto, seria bom olhar para o que está acontecendo lá fora: Trump e até a liberal Alemanha estão mudando as regras do jogo e protegendo suas indústrias “estratégicas”.
– Pausa na coluna para a descrição da “experiência” e do “orgulho” de voar em uma aeronave da Embraer na África do Sul. Uma “emoção”.
– Depois de demonstrar, com essa “experiência”, o quanto a Embraer é “estratégica” para o Brasil, o articulista volta a falar da tal “onda antiliberal” no mundo e como o Brasil, com o novo governo, está na contramão.
– Por fim, questiona se este seria o melhor momento para vender as estatais brasileiras. Afinal, se a joia da tecnologia brasileira foi vendida por “míseros” US$ 5 bilhões, quanto valeriam as outras joias?
Vou começar a descascar a partir desse “míseros” na frente dos 5 bi. O editor-executivo do Valor, o maior jornal de finanças do país, não sabe o que é valuation de uma empresa. Trata seus acionistas como um bando de idiotas, que não sabem fazer contas, e estivessem vendendo o “patrimônio brasileiro” a preço de banana. Segundo Cafardo, o Estado brasileiro precisa intervir, impedindo que os acionistas façam essa besteira. Afinal, só o Estado sabe o quanto realmente vale esse “orgulho nacional”.
O final dessa história já sabemos: sem condições de competir no mercado global, em determinado momento a Embraer fecharia fábricas, demitindo milhares de empregados. Clamores se levantariam para que o governo “fizesse alguma coisa” para preservar os empregos e subsídios seriam dados para manter uma empresa zumbi, sem condições de sobrevivência.
Protegemos indústrias ao longo de décadas e os resultados estão aí para quem tem olhos para ver. Queremos fazer o que supostamente estão fazendo agora EUA e Alemanha, sem ter antes colocado as condições para a acumulação de capital físico e humano, coisa abundante nos dois países. O resultado é o crony capitalism, uma corruptela do capitalismo. Aliás, não deixa de ser curioso um editor do Valor elogiando a política de Trump no que ela tem de mais imbecil.
Por fim, de maneira marota, Cafardo dá um salto quântico no artigo, passando para a venda das estatais. O único link possível entre os dois casos, Embraer e estatais, é o seu valor estratégico. Mas o colunista não cita o valor estratégico, mesmo porque é difícil defender que, por exemplo, os Correios tenham algum valor estratégico. Cafardo vai pela linha do valor da venda: a Embraer, joia da tecnologia nacional, foi vendida por míseros 5 bilhões. Seria este o momento de vender as estatais? Como se o Estado brasileiro estivesse nadando em dinheiro e tivesse escolha. E, pior, como se as empresas estatais, continuando nas mãos do Estado, pudessem algum dia valer mais.
A coluna de Pedro Cafardo tem sua utilidade. Quando um editor-executivo do maior jornal de finanças do país comete um artigo desse naipe, tomamos consciência da lama em que nos encontramos.
O sindicato dos empregados da Embraer vai pedir ao presidente Temer o veto à transação com a Boeing. O motivo, segundo os sindicalistas, não seria a falta de garantia aos seus empregos, mas antes o “futuro brilhante” que a Embraer teria, e que agora estaria sendo vendido a preço de banana.
A análise no link mostra que não é bem assim. A Embraer encontra-se em uma sinuca de bico, e seu passado glorioso diz pouco sobre o seu futuro. Vale a leitura.