Jornal Coisas do Brasil, edição de 10/11/2023

Quatro desembargadores do Piauí e suas esposas passarão 8 dias na Espanha. O destino oficial é um seminário com duração de 2 dias. A viagem custará aos cofres públicos a bagatela de R$ 97 mil.

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O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, achou um espaço em sua atribulada agenda internacional para receber o presidente da Força Sindical. Na pauta, a organização de uma “manifestação pela paz” por parte das Centrais Sindicais. Pelo visto, as Centrais já começam a usar o dinheiro da futura contribuição sindical para fins que tem tudo a ver com o interesse dos trabalhadores, como por exemplo, manifestações anti-Israel. E, claro, com o apoio do governo brasileiro.

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Os lobistas não param em Brasília. Depois de emplacarem algumas dezenas de exceções na Reforma Tributária e aprovarem a extensão da isenção da folha de pagamentos para 17 setores, agora lutam pelo aumento do limite de isenção do Simples, de R$ 4,8 milhões para R$ 8,4 milhões de faturamento anual. A promessa, como sempre, é a criação de zilhões de empregos.

Regimes simplificados de tributação existem no mundo inteiro para facilitar a vida das empresas realmente pequenas, mas a média do teto nos países da OCDE é de US$ 27,5 mil, e o teto mais alto é equivalente a US$ 115 mil (Para Não Esquecer: Políticas Públicas Que Empobrecem o Brasil, capítulo 3). No Brasil, o teto atual é de quase 1 milhão de dólares, e estão agora brigando para passar para US$ 1,7 milhão. Claro, a conta, como sempre, é paga pelos que não têm a benesse.

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Segundo a colunista Cláudia Safatle, a oferta de crédito consignado recuou este ano 10% comparado a igual período de 2022. Para quem tem mais de 70 anos, a queda foi ainda maior, de 35%. Essa foi a primeira queda na série histórica. Qualquer correlação com o novo teto para os juros da modalidade não é mera coincidência. O ministro Carlos Lupi, autor da brilhante ideia, deve estar muito preocupado, recebendo o seu salário de conselheiro da Tupy.

Hoje aprendemos que…

Tem coisa melhor do que seguir perfil de economista petista? Não, não tem. São muitas coisas que aprendemos todos os dias. Neste tuíte do Marcio Pochmann, por exemplo, aprendemos que:

1) Bancos públicos, mesmo sob a direção de presidentes indicados pelo governo do PT, formam um oligopólio com os bancos privados.

2) Para os bancos, basta ter uma remuneração do seu capital acima da inflação.

3) O instituto que cuida da aposentadoria dos brasileiros chama-se INPS.

4) “A” antes de substantivo masculino leva crase.

Viu só quanta coisa aprendemos em menos de 140 caracteres?

A Lei de Newton aplicada à economia

Esse caso do novo limite de juros para o crédito consignado é um dos raros exemplos, raríssimos mesmo, em que uma ação governamental tem efeito imediato sobre as decisões dos agentes econômicos. No caso, a relação de causa e efeito foi óbvia e à vista de todos: a oferta cessou imediatamente após o estabelecimento do preço em patamar artificial.

Nem sempre é assim. Aliás, quase nunca é assim. Decisões governamentais no âmbito econômico costumam levar meses, ou mesmo anos, para mostrar todas as suas consequências. Isso acontece porque a economia segue a lei de Newton (a toda ação segue uma reação de igual força na direção contrária), mas com defasagens temporais. Os agentes econômicos não são bolinhas rígidas em uma mesa de bilhar. Antes, são seres humanos que tomam decisões em ambientes de incerteza e com informação incompleta. Alguns são mais rápidos, outros são mais lentos, outros ainda simplesmente tomam a decisão errada. Mas isso não impede que, ao fim e ao cabo, as decisões governamentais tenham o seu efeito (benéfico ou deletério) sobre o ambiente macroeconômico.

Essa defasagem entre ação e reação dá margem às narrativas. Como não é óbvia a ligação entre uma decisão e seus efeitos, cada um conta a história que quer. Por exemplo, a grande recessão de 2015-2016 teria sido fruto da Lava-Jato e da queda dos preços das commodities. Nada a ver com as seguidas intervenções do governo Dilma no funcionamento dos mercados e com a verdadeira usina de cremação de dinheiro representada pelos empréstimos do BNDES e pelos projetos da Petrobras.

Como distinguir entre narrativa e a verdadeira lei de Newton? Pelos resultados de longo prazo. É famosa a foto tirada do espaço, mostrando o contraste entre Coreia do Norte e Coreia do Sul à noite. É a demonstração visual da superioridade do capitalismo sobre o comunismo como gerador de riqueza. Claro, hoje ninguém (a não ser alguns lunáticos) defende o comunismo da forma como a Coreia do Norte o adota. E, complemento, ninguém (a não ser alguns lunáticos) defende uma total ausência do governo no sistema econômico. O debate se dá a respeito do nível de intervenção que o governo deveria adotar no sistema capitalista, e de que modo essa intervenção deveria ocorrer.

A resposta é observar como os países capitalistas mais bem sucedidos alcançaram seu sucesso no longo prazo. Uma organização como a OCDE, por exemplo, reúne esse tipo de experiência, colocada à disposição para aqueles países dispostos politicamente a seguir por esse caminho. Lula e o PT desdenham esse tipo de experiência, justamente porque a OCDE propõe uma governança que limitaria a ação do governo. Preferem seguir o roteiro que já não vem funcionando há décadas, aproveitando-se das defasagens temporais entre causa e efeito para achar bodes expiatórios quando a coisa, novamente, não funciona.

A redução dos juros do consignado não foi só uma “trapalhada”. Foi um modus operandi. A natureza do governo do PT foi fielmente representada por essa decisão. A “trapalhada” foi somente escolher uma ação que teve uma reação imediata, não dando tempo para se criar uma narrativa (ainda que alguns balbuciaram algo como “ganância dos bancos”). Lula exigirá, das próximas vezes, mais cuidado em não deixar tão evidente as consequências nefastas das decisões de seu governo.

Boa sorte para todos

Tuíte do Amoedo dizendo que o governo deveria rever sua decisão de baixar o teto dos juros do consignado.

As respostas dividem-se em 4 categorias:

1) Invocação da “consciência de classe”

2) “Obrigar” os bancos a concederem o crédito

3) Dizer que os bancos continuam a ganhar dinheiro com esse teto

4) Usar BB e Caixa para substituir os bancos privados

A primeira é legal, mas não vejo como a “consciência de classe” ajudaria, no caso.

A segunda parece que é contra a Constituição, que define a liberdade de empresa como um dos seus princípios.

A terceira vai meio contra a matemática: com imposto de 46% sobre o lucro (IR + CSLL), uma taxa de 1,7% ao mês gera um lucro líquido de 11,5% ao ano. Com a Selic a 13,75%, melhor deixar o dinheiro no título público mesmo.

O quarto, aí sim, é o uso correto das estatais: dar prejuízo para ajudar o povo. Tomando dinheiro a, no mínimo, 13,75% e emprestando a 11,5%, BB e Caixa estarão cumprindo sua missão social, que é manter os aposentados endividados.

Por fim, uma palavra para o Amoedo: boa sorte para todos.

Asas de Ícaro

Causa-me arrepios esse tipo de notícia.

As famílias estão endividadas por causa de uma inflação que pegou muitos desprevenidos. Conceder crédito para resolver o problema não resolve nada se as pessoas não revirem os seus gastos. Usar o dinheiro do empréstimo para “abrir um negócio” é pior ainda. É promessa de mais problemas à frente.

Todo mundo se acha um empreendedor. Coachs e livros de auto-ajuda nos convencem que basta ter uma “mente milionária” para ter sucesso. Mas o triste fato da natureza humana é que poucos de nossa espécie estão talhados para a tarefa de tocar um empreendimento para frente.

O indiano Muhammad Yunus ganhou o Nobel da Paz em 2006 com a sua ideia de microcrédito para mulheres indianas tocarem seus empreendimentos. Apesar de muito celebrado, o fato é que o banco criado por Yunus (e seus muitos clones no Sudeste Asiático) não sobrevivem sem pesados subsídios estatais. Mais recentemente, uma onda de suicídios no Sri Lanka chamou a atenção para o problema da inadimplência dos tomadores de microempréstimos.

Enfim, trata-se, no final do dia, de atividade arriscada, que, na maioria das vezes, dará ruim.

A lógica do capitalismo é a mesma da fecundação: são milhões de espermatozoides que tentam, mas somente um tem sucesso. Para que o capitalismo funcione, é preciso que muitos tenham a pretensão de ser o escolhido pelo destino para formar uma empresa viável. A batalha pelo financiamento é a primeira etapa desse processo, um filtro inicial que impede uma parcela de espermatozoides inviáveis de morrerem tentando empreender.

O reality show Shark Tank é uma caricatura de uma realidade muito concreta: o empreendedor precisa convencer potenciais financiadores de que sua ideia tem viabilidade comercial, e que ele, o empreendedor, tem capacidade gerencial para tocar a empresa. Passar neste teste inicial não é garantia de nada, mas já é um começo.

Agora, imagine que esse dinheiro para o empreendimento estivesse disponível tão facilmente quanto um consignado com lastro no Auxílio Brasil. Quantos “empreendedores” não estariam, na verdade, contratando a sua própria desgraça, ao financiar ideias que passaram pelo crivo apenas de sua própria imaginação. As “asas” do crédito consignado para empreender normalmente se transformam em asas de Ícaro.