Não olhe para cima

Um cometa chamado “aquecimento global” está se aproximando da Terra e destruirá a vida como a conhecemos se nada for feito. Esta é a mensagem do filme “Não olhe para cima”, da Netflix, que já virou o hit do verão (no hemisfério sul, bem entendido).

Claro que o paralelo não é perfeito, uma vez que a previsibilidade do impacto de um corpo celeste é muito maior do que tentar prever o clima daqui a 50 anos. Mas como a simplificação do argumento é o segredo para se transmitir uma mensagem com sucesso, o roteirista não se envergonha de lançar mão de um paralelo quase infantil. Aliás, o próprio filme ilustra a crítica de que se faz porta-voz: a ligeireza e superficialidade com que assuntos sérios são tratados pela indústria cultural e de comunicação de massa. Em outras palavras, o filme se enquadra à perfeição em sua própria crítica, com seus personagens caricatos e seu enredo de bandidos e mocinhos bem definidos.

Por outro lado, a patética teoria da conspiração abraçada pelas autoridades e seus seguidores alt-right (o que inclusive dá nome ao filme) deixa entrever outra teoria da conspiração, essa levada a sério e em tom de denúncia: a manipulação e o poder dos donos das redes sociais, que estariam por trás do poder político e econômico. Claro que a paródia exagera os personagens, mas a denúncia está lá. Que se despreze uma teoria da conspiração e se leve a sério outra diz algo sobre as preferências políticas das pessoas.

O mundo, feliz ou infelizmente, é um pouco mais complexo do que um cometa vindo em direção à Terra. Reportagem de hoje mostra o lobby de alguns países europeus, liderados pela França, para que a União Europeia passe a incentivar a energia nuclear como fonte “limpa” de energia, ao lado da solar e da eólica. A razão é simples: se depender dessa duas últimas, as metas de redução de queima de combustíveis fósseis serão virtualmente impossíveis de serem alcançadas. Alemanha, Espanha e outros países são contra essa amplificação do conceito de energia limpa.

A grande vantagem do petróleo é poder ser transportado por distâncias oceânicas. Se pudéssemos transportar a energia gerada pelo sol ou pelos ventos pela mesma distância, o problema estaria resolvido. Não sei qual a tecnologia envolvida, mas o que vejo são parques geradores que se comunicam com centros consumidores através de cabos terrestres. Portanto, não dá para transportar energia solar ou eólica produzida, por exemplo, no Brasil, para a Europa. Isso é um problema, porque os países europeus vão precisar gerar sua própria energia limpa. Haja sol e vento.

Por isso, a energia nuclear está sendo considerada como uma alternativa, talvez a única. Só tem um problema: em troca de uma energia que não tem pegada de carbono, tem-se o problema do lixo radioativo e o risco em si das usinas nucleares. Claro que a França faz a manutenção de suas usinas corretamente. Mas podemos confiar que Bulgária e Romênia farão o mesmo? Os alemães parecem não apostar nisso.

Enfim, o tema é muito mais complexo do que faz supor um filme-meme. Nem mesmo a crítica a Donald Trump, que veste saias no filme, faz sentido. Afinal, Trump já não manda mais nada. Joe Biden, Macron e o novo chanceler da Alemanha (que fez aliança com os verdes) certamente saberão o que fazer para destruir o cometa. Podemos respirar aliviados, a Terra está salva.

PS.: pode não parecer, mas gostei do filme. O elenco é muito bom e aprecio o estilo de humor do diretor. E acho que a principal crítica do filme, que é a forma superficial como os assuntos mais sérios são tratados pela comunicação de massa, é pertinente. A coisa só escorrega quando procura simplificar com palavras de ordem um assunto complexo como é essa questão das mudanças climáticas.

A origem da dívida pública

Hoje, chamada de capa do Estadão mostra a atual situação da Usina Angra 3: são necessários R$ 17 bilhões para o seu término, e R$ 12 bilhões para zerar as dívidas, caso se desista de continuar a construir.

Já foram consumidos R$ 7 bilhões na construção. Caso fique pronta, Angra 3 terá capacidade de 1,4 GW. Serão, portanto, R$17,1 milhões/GW. A reportagem cita o exemplo da usina Teles Pires, que custou R$ 2,1 milhões/GW, ou 8 vezes menos que Angra 3.

Angra 3 (assim como as suas irmãs Angra 1 e 2) foi um projeto do governo militar. Estratégico, diziam. Era importante o Brasil dominar o ciclo da energia nuclear. Lula retomou as obras em 2009, e o diretor da Eletronuclear está hoje preso, condenado a 43 anos por corrupção.

Quando alguém vier com a ideia de fazer “auditoria na dívida pública”, dê este exemplo de desperdício do dinheiro público. Quem sabe consigam entender como se originou esta dívida monstruosa que temos hoje.