O amigo Claudio Azevedo chamou-me a atenção para uma reportagem no portal R7, segundo a qual o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, usou ontem a mesma imagem que usei em meu post: o truco de Bolsonaro. Na sua avaliação, ninguém teve coragem de gritar seis e se retiraram da mão.
O problema das alegorias é que se prestam à interpretação mais conveniente para quem as usam. No caso, a Ricardo Barros interessa dizer que está tudo normal, Bolsonaro ganhou essa e vida que segue.
Não acho que seja bem assim. A mão ainda não acabou. Na verdade, está longe de terminar. O que Bolsonaro fez ontem foi piscar para seu parceiro de cartas (as pessoas que foram às ruas apoiá-lo), indicando que tem um zap. (Para quem não conhece o jogo, no truco é permitido “trapacear”, indicando para o seu parceiro as cartas que você tem na própria mão. Piscar normalmente significa que se tem o zap).
O ponto é que a dupla adversária também deu sinal de zap. Fux afirmou que “essa corte permanecerá de pé”, em um claro sinal de que o outro lado também acha que tem o zap. Pacheco, como bom mineiro, não disse nada, mas suspendeu todos os trabalhos no Senado. E mesmo o discurso de Lira, que muitos acharam anódino por não citar a possibilidade de impeachment, traz sinais importantes, ao afirmar que a página do voto impresso está virada e que o país precisa de paz para enfrentar seus problemas. Para bom entendedor, meia piscada basta.
Na verdade, o próximo lance é do STF: se continuar prendendo bolsonaristas, estará chamando Bolsonaro a mostrar suas cartas. Se o presidente continuar somente vociferando, restará provada a tese de William Waack, em seu artigo de hoje. Segundo o jornalista, o 7 de setembro demonstrou que Bolsonaro não detém as polícias militares e a Polícia Federal para os seus próprios fins. Não houve insubordinação. Portanto, não tem como impor sua agenda na base da força. Resta-lhe seguir por dentro das instituições, onde está claramente em desvantagem.
Se um golpe clássico é improvável, o impeachment continua sendo uma realidade distante. Além de ainda contar com uma popularidade bem acima da de Dilma e Collor quando foram impichados, a passagem do tempo trabalha a favor de Bolsonaro, na medida em que nos aproximamos do ano eleitoral. O que provavelmente teremos até o final de 2022 é uma paralisia generalizada do processo político, em um país desesperadamente necessitado de reformas importantes. Mas o que é um ano para um país deitado eternamente em berço esplêndido, não é mesmo?
PS.: parece que alguns caminhoneiros começaram a bloquear estradas em apoio a Bolsonaro. Bem, a pauta da greve de 2018 era o preço do combustível, uma responsabilidade do governo. Na época, a ideia era encostar o governo contra a parede. Hoje, qual a ideia? Emparedar o STF? Alguém realmente acredita que o STF ou os senadores se sentirão pressionados? O mais provável é que, se esse movimento pegar e a baderna se generalizar, ameaçando o abastecimento das cidades, a popularidade do presidente afunde ainda mais, aumentando a probabilidade de um impeachment. O tiro pode sair pela culatra.