Hoje foi dia recorde de casos e óbitos no Brasil. Mas se analisarmos a média móvel de 7 dias (que tem sido a minha estatística favorita, dado o caráter claramente sazonal da divulgação dos dados em todos os países), o que observamos é a simples continuidade de uma tendência. No meu último post eu já avisava: o nosso padrão de crescimento (e o do restante da AL) está diferente do que aconteceu na Europa e EUA. Lá, houve um crescimento muito rápido inicial, para depois começar uma queda lenta. Aqui, o crescimento foi mais lento no início, o que nos impede de traçar um paralelo com Europa e EUA sobre onde seria o nosso pico. Não temos nenhum indicativo sobre quando isso vai acontecer.
Por que este padrão diferente? Difícil dizer. As mesmas medidas de distanciamento social foram aplicadas aqui e lá fora, com mais ou menos atraso. Calor? BCG? Vai saber. O que importa é que não temos um benchmark para comparar a nossa curva.
Vamos aos gráficos.
Debrucei-me mais detidamente sobre a situação brasileira. São 8 gráficos, 4 de casos e 4 de óbitos, sempre média móvel de 7 dias.
Os dois primeiros são mais gerais, comparando Brasil com Europa e EUA. Em número de casos novos diários per capita, já ultrapassamos o pico atingido pela Europa e estamos a 2/3 do caminho para atingir o pico dos EUA. Em número de óbitos, estamos ainda 45% abaixo do pico dessas duas regiões.
O segundo conjunto de gráfico analisa os principais Estados pelo critério de PIB/população. Na prática, são os Estados que estão puxando os números do Brasil para cima, pois outros, apesar de em piores condições, têm populações menores. Vemos que, em relação ao número de casos, o Estado do RJ, o DF e, em um 2o plano, SP, vem puxando a estatística. O crescimento em SP vem sendo mais lento, mas a tendência é crescente. Chama a atenção SC, que vem reabrindo a suas atividades: o número de casos vêm subindo na última semana, depois de duas semanas de estabilidade.
Em relação ao número de óbitos, assusta o comportamento do RJ, com quase 10 óbitos/milhão. Apenas para lembrar, a Itália teve 14 óbitos/milhão no seu pico. O Estado de SP, que havia estabilizado, pela primeira vez em 20 dias fez um novo pico de óbitos. Talvez seja apenas um ponto, vamos acompanhar. Também o DF vem uma tendência crescente de óbitos.
O terceiro conjunto refere-se às principais capitais em termos populacionais. Recife e Manaus lideram em número de casos, mas a cidade do Rio de Janeiro já empatou com essas duas em número de óbitos diários per capita. Mas ainda estão longe (40%) de Nova York, por exemplo, com seus 45 óbitos/milhão/dia no pico. A cidade de São Paulo, mantém uma subida suave no número de casos e estabilidade no número de óbitos: o atual nível é ainda inferior ao pico de 20 dias atrás.
Por fim, para aqueles que moram aqui em SP, um apanhado das regiões do Estado. A Grande São Paulo lidera, mas o número de casos/óbitos vem crescendo rapidamente na Baixada Santista. O número de casos vem acelerando também na região de Sorocaba e Campinas, mas ainda não se refletiu no número de óbitos.
Olá amigos! Estive um pouco ausente nos últimos dias, pois outras prioridades avançaram sobre o meu tempo. Não sei se vou conseguir postar com a mesma frequência daqui pra frente, mas sempre que sobrar um tempo, vamos abordar assuntos interessantes.
Aproveito para renovar os gráficos de casos/óbitos, comparando o Brasil com EUA e Europa. Estes gráficos sempre traziam a média móvel de 3 dias, mas acrescentei também a média móvel de 7 dias. Com o tempo, foi ficando cada vez mais claro que existe uma sazonalidade semanal na publicação dos dados, provavelmente porque o pessoal trabalha a meia-bomba no fim de semana. Esse é um fenômeno global, não é só no Brasil. Então, quando se calcula a média móvel de 7 dias, se obtém quase uma reta quando existe uma tendência clara.
Podemos observar no gráfico dos casos diários que o Brasil já ultrapassou a Europa no mesmo ponto do ciclo em número de novos casos diários/capita, e deve alcançar os EUA em alguns dias. Ainda estamos a 80% do pico da Europa e a 50% do pico dos EUA. No caso dos óbitos diários, ainda não atingimos o mesmo número de óbitos/capita da Europa/EUA no mesmo ponto do ciclo. Estamos a cerca de 50% do pico dessas duas regiões.
Mas o que eu quero chamar a atenção é para a peculiaridade da curva brasileira em relação às curvas no hemisfério norte. Aqui, o crescimento está sendo bem mais lento, mas o pico será atingido bem mais tarde. Enquanto o pico dos óbitos diários na Europa/EUA foi atingido por volta do 50o dia após o 150o caso, no Brasil já estamos no 64o dia, e nada do pico ser atingido. Aliás, essa é uma característica da América Latina como um todo, que merecerá estudos posteriores. Por enquanto, vamos apenas analisar o fato em si.
Na verdade, não dá para dizer que o Brasil não atingiu o pico. Pode ser que estejamos exatamente no pico. Só saberemos isto daqui a uma ou duas semanas. De qualquer forma, isso nos coloca diante de um problema complicado: como não podemos tomar EUA e Europa como benchmarks, não temos como fazer projeção alguma. Tudo pode acontecer. Pode ser que estejamos já no pico, ou pode ser que o pico esteja daqui a um mês, dois meses ou quatro meses. Ninguém realmente sabe, ninguém tem um modelo que possa fazer essa predição. O único que tínhamos, que era o comportamento da Europa ou dos EUA, já ficou duas semanas para trás.
Aqui entra o quadro apresentado pelo ministro da Casa Civil, Braga Neto, ontem (também em anexo). Este quadro procura mostrar que o Brasil não é a Europa: aqui tivemos muito menos óbitos do que lá. Bem, ainda bem que tiveram o cuidado de colocar a palavra “fotografia” no título do quadro. Isso é, realmente, só uma fotografia. O “filme” está nos gráficos anteriores: estamos com óbitos diários em ascensão, enquanto Europa e EUA estão em declínio.
Fiz um exercício simples, comparando Brasil e Espanha, um dos piores casos da Europa. Considerei que o número de óbitos no Brasil continue crescendo a 4,7% ao dia, enquanto o número de óbitos na Espanha continue decrescendo a 3,4% ao dia. Estas são as taxas médias dos últimos 7 dias em ambos os países. Se isto for verdade, ultrapassaremos o número de óbitos da Espanha daqui a 45 dias (segundo barra vertical. A primeira indica o dia apresentado na tabela do governo). Um mês e meio. Final de junho. Seriam 600 mortes/milhão, o que daria um total de 127 mil óbitos. Isso, em 3 meses e meio da pandemia no Brasil.
Claro, isso é só uma simulação, assumindo algumas premissas que podem não se realizar. Pode muito bem ser que estejamos no pico, ou próximo a ele. Não sei exatamente porque estaríamos, mas tudo bem, podemos estar. Mas também podemos não estar. Enquanto não tivermos certeza de onde estamos, talvez fosse melhor segurar as tabelas comemorativas.
Plotei um gráfico com o número de óbitos por milhão (média móvel de 3 dias) do Brasil, Europa e EUA. Acho que é a comparação mais adequada, dado que são três “continentes”, com populações muito grandes e desiguais, tanto de ponto de vista de renda quanto de distribuição geográfica. Acho melhor do que comparar com países menores e mais homogêneos.
O gráfico mostra a evolução do número de óbitos nos EUA e Europa como uma tendência quase ininterrupta de subida, fazendo um pico intermediário (ponto 1) antes de fazer o pico definitivo (ponto 2). Este comportamento se deu pelo reconhecimento de óbitos não contabilizados na França (no caso da Europa) e em NY (no caso dos EUA). O pico dos casos (ponto 2) se deu no dia 49 na Europa e no dia 44 nos EUA, sempre contados após o caso #150.Após o pico, tanto no caso da Europa quanto dos EUA, o número de óbitos começou uma lenta descida, com vários altos e baixos. Ou seja, ao contrário da subida, que foi quase em um fôlego só, a descida se dá em ondas. No caso dos EUA, nem sequer estamos certos de que de fato o número está caindo.
Gastei um pouco de tempo descrevendo as curvas de Europa e EUA porque normalmente nos apegamos a certos parâmetros para prever como será a nossa própria curva. No entanto, a curva do Brasil tem características distintas.
A primeira e mais saliente é o número em si de óbitos, muito menor aqui do que lá fora. A nossa “subida” foi muito mais lenta. Isso é bom. Mas é preciso ponderar que 1) a nossa testagem tem sido bem mais problemática, o que pode estar mascarando parcialmente esse número e 2) a nossa capacidade de tratar os doentes é mais limitada, então números menores precisam ser ponderados pela capacidade de tratamento.
Uma segunda característica é o “formato” da subida. Ao invés de subir “de um fôlego só”, a curva brasileira sobe em ondas. Já fizemos 4 picos até o momento, e nada garante que não façamos outros até chegar no pico dos picos. Ou seja, o uso das curvas lá de fora como uma proxy do que vai acontecer aqui tem limitações.
Vamos assumir que este ponto 4 seja o maior pico. Ele coincide com o pico 2 da Europa. Se for isso, e seguir o mesmo desenho da Europa, atingiríamos metade dos óbitos diários daqui a 22 dias. Só para colocar números, o pico foi anteontem, quando a média móvel de 3 dias foi de 453 óbitos.
Mas nada garante que este seja o “pico dos picos”. Como eu disse, não estamos seguindo o padrão Europa/EUA. Então, pode ser qualquer coisa. Pode ser que atinjamos o pico daqui a duas semanas ou dois meses. Ninguém realmente sabe.
Coloquei também o gráfico do Estado de SP contra NY e Lombardia. Podemos observar que SP não parece estar seguindo o padrão brasileiro: houve um pico duplo, a curva não está ascendente. O que pode estar mostrando algum controle no Estado e aumento maior de óbitos proporcionalmente em outros Estados do país. Mas ainda é cedo para dizer, precisaria engatar uma tendência descendente.
Por fim, deixo aqui só um número para meditação: o número de casos novos por milhão no Brasil já está igual à Europa hoje (30). O pico na Europa foi 60, então estamos na metade do pico da Europa em número de casos/dia. Mas, como eu disse, testamos bem menos, então esta comparação pode não ser acurada.
Depois de 3 dias com número de óbitos na casa dos 400, hoje tivemos novamente um número abaixo de 200. Como eu acompanho a média móvel de 3 dias justamente para suavizar essas oscilações, fizemos um pico ontem e agora começamos a cair novamente.
A curva brasileira, além de ser mais baixa do que Europa/EUA, tem uma característica diferente: ela sobe em “ondas”, ao contrário das outras duas, que subiram sem respiro. Já é o quarto pico consecutivo ascendente. O curioso é que esses picos ocorrem mais ou menos semanalmente: foram nos dias 23, 29, 36 e agora 44 depois do caso #150. Parece que ocorre um represamento de casos com periodicidade semanal (fim de semana?).Os picos de Europa e EUA foram no dia 44. Ou seja, se for este o padrão, estamos no pico. Na verdade, mesmo depois de atingido o pico, a Europa ainda mostrou números de óbitos próximos do pico por cerca de duas semanas (até o dia 58), e só na última semana começa a cair mais fortemente (estamos no dia 65). Os EUA ainda estão próximos do pico (eles estão no dia 53). A queda demora a ocorrer, é muito lenta.
Se seguirmos o padrão de Europa/EUA, ficaremos nos atuais patamares de óbitos (oscilando entre 200 e 400/dia) por ainda duas semanas, para só então começar a cair. Caso o número de óbitos salte de patamar (para 600/dia, por exemplo, então significará que não estamos seguindo o padrão, e aí vai ser difícil fazer qualquer previsão). O número de óbitos per capita muito menor que na Europa/EUA é em si uma excelente notícia. Mas é preciso que continue assim, e não aumente sem limite.
Agreguei o gráfico mais atualizado da Fiocruz, mostrando a atualização dos casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) até a 16a semana epidemiológica (hoje entramos na 18a). A curva vermelha vinha declinando mas voltou a subir, e atingiu o patamar de 5,25 casos/100 mil habitantes. Vale lembrar que o pico da H1N1 em 2009 foi de 5,75. Mas vale ressaltar que essa linha vermelha é uma estimativa, cujo erro provável é dado pelas linhas pontilhadas pretas. Portanto, ainda pode ser revista.
Hoje, o CEO da Multiplan (empresa de shopping centers) publicou anúncio de página inteira, pedindo pela reabertura do comércio. Para tanto, procura minimizar o número de mortes causadas pela Covid-19, comparando-o com o número de mortes por outras doenças. Trata-se de um número muito pequeno, não justificando, portanto, o fechamento da economia. Estará ele certo?
Desde que o número de óbitos registrados por COVID-19 acelerou para mais de 100/dia, no dia 07/04, foram um total de 2.342 óbitos contabilizados (até ontem, 22/04). Ou, 146 óbitos/dia, na média do período. Por que peguei este período? Porque este tem sido o ritmo de óbitos desde então. Por exemplo, nos últimos 3 dias, foram 148 óbitos/dia. Então, não tem acelerado, pelo menos por enquanto.
Este número é muito? É pouco? Com o que deveríamos comparar? Para verificar, vamos pegar a mesma base usada pelo CEO da Multiplan, o Datasus.
Segundo os números do Datasus, em 2018 morreram 1.316.719 pessoas pelos mais diversos motivos, ou 3.607 pessoas/dia. A campeã das causas são as diversas doenças do aparelho circulatório, com 27,2% do total, seguido de câncer (17,3%), doenças do aparelho respiratório (11,8%) e causas externas, como violência, acidentes de trânsito etc. (11,5%).Dos óbitos decorrentes de doenças do aparelho respiratório, 51% foi devido a pneumonia, o que representou 79.281 óbitos em 2018. Quando observamos este número, nos parece algo muito maior do que o Covid-19, que matou, até o dia 22/04, “apenas” 2.906 pessoas no país. Por que então se faz tanto barulho em torno do Covid-19, enquanto para combater a pneumonia, que é algo parecido, não se cogita fechar o país? Esta é a pergunta feita no anúncio.
Em primeiro lugar, não vamos nos deixar enganar pelos números. Sabe aquela propaganda “você pode comprar este carro pelo equivalente a um cafezinho por dia?”, tanto ao gosto de comerciantes como o dono do shopping? Aqui é a mesma coisa, estamos comparando períodos diferentes. 79.281 óbitos/ano significa, na média, 217 óbitos/dia por pneumonia. Comparando o número de mortes por Covid-19, estas já alcançaram 68% do número de mortes por pneumonia em 2018, ajustado pelo período. Isto porque estamos em regime de distanciamento social há um mês, não sabemos o número se não houvesse esse regime.
Em segundo lugar, a pneumonia é CAUSADA pela Covid-19, mas não se confunde com ela. A pneumonia é uma doença do sistema respiratório que pode ter várias causas (na maioria das vezes, bacteriana), a enorme maioria não contagiosa. Quando um parente morre de pneumonia, pode ter velório e enterro com a família. Portanto, não se resolve pneumonia com distanciamento social. Além disso, o número de óbitos pela doença é mais ou menos constante, tendo girado entre 70 e 80 mil nos últimos anos, segundo o mesmo Datasus. Ou seja, o sistema de saúde, mal ou bem, está dimensionado para tratar esses casos.
Doenças altamente contagiosas têm outra dinâmica. Há surtos, que podem pressionar o sistema hospitalar. O mais comum é a gripe. O mesmo Datasus nos diz quantas pessoas morreram de influenza ao longo dos últimos anos. O pior ano foi 2009, com o surto de H1N1: 1.818 pessoas morreram naquele ano. Ou seja, já morreram mais pessoas por Covid-19 em um mês do que de influenza em um ano, no pior ano da doença no Brasil.
Visto de outra maneira: seguindo nesse ritmo (não precisa acelerar o número de óbitos), o Covid-19 vai matar 54 mil brasileiros em um ano. Isso é o dobro dos que morrem de câncer de pulmão, um pouco menos dos que morrem de diabetes, ou o equivalente ao número dos que morrem assassinados no país todo ano.
– Ah, mas não vai continuar, o surto uma hora vai acabar, esses 54.000 estão exagerados.
Por obra e graça do que vai terminar? O Covid-19 não tem vacina, não tem remédio, a taxa de mortalidade é algo entre 0,5% e 1,0% dos contaminados, por que morreriam menos de 54 mil em um ano? Por imunidade de rebanho é que não vai ser. A conta é simples: se morrerem 54 mil em um ano, isso significa, para uma taxa de mortalidade de 0,5%, 10,8 milhões de infectados, ou 5% da população brasileira. Longe, portanto, da imunidade de rebanho. Sem isolamento social (ou uma vacina), esse número é daí para cima, não daí para baixo.
Outro número mostrado pelo CEO tem o seu valor. Sem dúvida, nosso número per capita de óbitos tem sido várias vezes menor que nos países da Europa e nos EUA. Pode haver várias explicações: subnotificação, clima, vacinação BCG, raios UV, número maior de leitos de UTI, medidas de isolamento social precoces etc, etc, etc. Este número é importante, e isso sim pode servir de base para um relaxamento da política de distanciamento social, uma vez garantido o atendimento na rede hospitalar. Mas, obviamente, trata-se de um retrato da situação atual, não necessariamente o que vai acontecer no futuro se a política mudar. Por isso, tudo precisa ser feito com cautela, de modo planejado, e sempre com o preparo necessário para lidar com um eventual aumento excessivo do número de casos.
Não há dúvida de que o custo econômico do distanciamento social tem sido altíssimo, e é perfeitamente legítimo questionar se está valendo a pena. Mas precisamos de dados honestos para julgar. Fazer comparações descabidas não ajuda para a avaliação do problema.
No meu (longo) post anterior, cito de passagem a experiência da Islândia. O pequeno país do Ártico, que não conta com muitos raios UV para acabar com o vírus, está tentando controlar a doença utilizando um método um pouco mais científico: a testagem em massa.
A Islândia até hoje testou 42.271 pessoas, ou nada menos que 12,6% de sua população. Seria o equivalente, no Brasil, a testar 26 milhões de pessoas. Acho que nem daqui a um século.
O número de contaminados é de 1.771 pessoas, ou 4,1% da população testada. Ou seja, estão longe de atingir imunidade de rebanho. Em relação à população total, representa 0,5%. Se tivéssemos o mesmo nível de testagem com o mesmo grau de contaminação, teríamos o registro de aproximadamente 1,1 milhão de casos no Brasil. Mesmo que tenhamos metade da contaminação da Islândia, seriam mais de 500 mil contaminados hoje. Outro dia saiu um estudo, que comentei aqui, que dizia que o Brasil teria mais de 300 mil casos. Talvez não seja nenhum absurdo.
Mas o ponto que eu queria comentar é o seguinte: a Islândia estratifica os contaminados por faixa etária. Essa informação vale ouro, porque se uma determinada faixa etária for, por algum motivo, mais imune, pessoas dessa faixa etária poderiam circular mais por aí. Isso é de especial interesse para as crianças. As escolas estão fechadas porque não sabemos se as crianças pegam mais ou menos a doença, e se poderiam ser vetores do vírus em suas casas. As estatísticas mostram que os mais velhos são mais acometidos pela doença simplesmente porque os testes são aplicados nas pessoas que chegam aos hospitais, normalmente as mais velhas.
Fiz o seguinte: peguei a distribuição de casos por faixas etárias e dividi pelo número de pessoas em cada faixa etária de acordo com a pirâmide populacional do país. Com mais de 12% da população testada de maneira aleatória, esse número deve estar próximo da realidade. Tive que fazer pequenas interpolações, pois as faixas etárias dos casos não casam exatamente com as faixas etárias da pirâmide etária. Os resultados foram os seguintes (os resultados devem ser comparados com 4,1%, que é o índice de infecção sobre a o número de testados e que, supostamente, representa o percentual total de infectados no país):
0-4 anos: 1,3%
5-9 anos: 0,9%
10-14 anos: 1,7%
15-19 anos: 4,8%
20-29 anos: 5,0%
30-39 anos: 4,9%
40-49 anos: 6,6%
50-59 anos: 5,5%
60-69 anos: 4,6%
70-79 anos: 2,1%
80-89 anos: 1,2%
mais de 89 anos: 2,7%
Observe que a faixa de 15 a 69 anos apresenta um grau de infecção que é, grosso modo, o dobro ou um pouco mais, em relação às faixas inferiores e superiores da pirâmide. Se isso for verdade, a letalidade nos bem mais velhos (acima de 80 anos) é bem maior do que se imagina, pois mesmo “pegando” menos a doença, estão morrendo mais.
Mas é para a faixa inferior que quero chamar a atenção: as crianças até 14 anos aparentemente estão menos suscetíveis à doença! Isso significa que, talvez, a reabertura de escolas possa ser possível, com alguns cuidados especiais de higiene. Ou seja, não tem nada a ver com “crianças aspiradoras de vírus” sem base científica alguma. Estamos diante de dados que podem ser significativos.
Não tenho formação epidemiológica e nem estatística, portanto esta análise pode estar totalmente furada. Mas acho que os dados que vêm da Islândia podem sim ser muito úteis para compreender cada vez mais o comportamento do vírus e dirigir as políticas públicas com base em conhecimento científico.
Desculpem-me, esse post vai ser longo. Quem quer acreditar no primeiro gajo que aparece falando bobagens, não precisa ler. Quem quer alguma informação com embasamento, peço um pouco de sua paciência.
Está rodando pelas redes sociais um vídeo “definitivo”, que “destrói a farsa do Coronavírus”. Trata-se de um PhD português, André Dias, PhD pela Universidade do Ártico da Noruega. Diz a apresentação no YouTube que se trata de uma das mais prestigiadas universidades do mundo na área de pesquisa epidemiológica. Visitando a página da tal universidade, encontram-se muitos campos de pesquisa em conservação ambiental, mas nada em epidemiologia.
Na verdade, no LinkedIn do PhD, e depois no próprio vídeo, a única experiência em epidemiologia que aparece é um período como pesquisador visitante na Universidade Técnica de Munique, no departamento de estatísticas médicas e epidemiologia. Mas isto foi entre 2008 e 2012. Depois disso, parece que derivou para outros campos.
Sua tese de doutoramento na Noruega (2013) foi a respeito da associação de doenças pulmonares com atividades físicas. Suas áreas de interesse são Inteligência Artificial e Sensores. Seu perfil no LinkedIn diz que ele trabalha na 3M da Inglaterra com reconhecimento de fala por algoritmos.
Mas, não costumo descartar argumentos descartando a pessoa que os expõe. Vamos analisar as ideias apresentados no vídeo.
Primeiro, o PhD português diz que o número de mortes na Europa está em níveis absolutamente normais. Mostra, para isso, o site euromomo.eu, que faz o tracking de mortes no continente. Não é on line como ele diz, tem uma certa defasagem, mas serve como estatística. O que ele mostra é o número TOTAL de mortes. Mas, visitando o site, vemos que a métrica que importa é o z-score, que é a distância para a média (esse gráfico ele não mostra). E o z-score está o dobro para esta época do ano. Ele até diz que se trata de uma gripe tardia, o que fez o pico atrasar um pouco, fazendo o número de casos ficar muito maior para a época do ano. Há dois problemas com esse argumento: 1) o que importa é o z-score, este indicador é o que mostra que há algo estranho, fora do padrão e, principalmente 2) o PhD compara períodos sem qualquer isolamento social com um período (o atual) com estritas regras de isolamento. E, mesmo assim, o número absoluto de mortes está semelhante. Ora, se com isolamento social, o número absoluto de mortes está no mesmo nível de períodos normais sem isolamento, então obviamente tem alguma coisa muito errada acontecendo.
Depois, o PhD mostra a curva de evolução de casos ativos na China, mostrando que se trata de uma curva normal. Ou seja, as medidas de isolamento não mudaram o formato da curva, que sempre é normal em casos de epidemia. Ora, há aqui uma falácia: a curva é de casos ATIVOS, ou seja, depois de infectados. Claro, as medidas de isolamento não vão mudar o curso da doença DEPOIS DA INFECÇÃO. O que o isolamento faz é DIMINUIR O NÚMERO DE INFECTADOS. Ou seja, a curva de infectados sempre será normal. O que muda é o TAMANHO DA CURVA. Se com o isolamento o pico da curva é de X infectados, sem isolamento será um certo múltiplo de X. Mas será sempre uma curva normal. O formato da curva não diz nada sobre a eficácia do isolamento. Este ponto é muito importante, porque o PhD vai se apegar a ele para deslegitimar o discurso de que o isolamento achatou a curva. Ele pede “mostre-me a curva, então”. E a curva é uma curva normal. Todas as curvas são normais, sempre. Não prova nada, nem de um lado, nem de outro. A única “prova” seria o contrafactual no mesmo país, com isolamento e sem isolamento, o que obviamente é impossível.
Depois, o PhD diz que “a OMS entregou ao governo chinês a informação de que o índice de letalidade é de 13%”, assim, sem mais. E diz que o governo chinês sobre reagiu a este número. Ora, o PhD quer me fazer crer que os médicos chineses não sabem metodologia estatística, que compraram a valor de face essa informação (se foi essa informação mesmo que foi relatada ao governo chinês, o PhD não cita a fonte da informação) e as repassaram às autoridades chinesas assim, sem mais. Ou seja, somente André Dias sabe metodologia estatística, ninguém na China (país em primeiro lugar no PISA de matemática, diga-se de passagem) sabe. É sério isso?
Ele afirma que não há que ter pânico, porque a letalidade do vírus está decrescendo a cada nova revisão das estatísticas. Primeiro que isso não é verdade. Em todos os países do mundo, o índice de letalidade cresce e se estabiliza em um determinado patamar (veja o gráfico abaixo). Segundo, porque, mesmo que fosse verdade, o que importa é a capacidade hospitalar, não o índice de letalidade. Se a letalidade for baixa mas a capacidade de contaminação for muito alta, o sistema hospitalar pode não dar conta, aumentando a letalidade. Explico isso no meu post anterior.
O PhD fala que Boris Johnson tomou a decisão de fechar o Reino Unido por medo, por pressão dos eleitores, e contra o conselho dos epidemiologistas. Ora, foi justamente o contrário! Ele revogou sua decisão de não fechar quando recebeu estudo assustador do Imperial College, essa sim, uma das mais prestigiosas universidades do planeta quando o assunto é epidemiologia. De onde o PhD tirou que “os epidemiologistas aconselharam a não fechar”?
Ele ataca a fama do Imperial College. Bem, o Imperial College aparece em 13º lugar no ranking de universidades de saúde pública, enquanto a Universidade de Munique aparece na faixa de 100-150. A própria USP aparece entre 76-100 no mesmo ranking! Ou seja, a USP ranqueia melhor que a universidade onde o PhD adquiriu sua experiência. Ele cita um suposto “erro” do Imperial College na epidemia da vaca louca, em 2001. Não cita a fonte de sua informação, a não ser uma manchete de um artigo de um blogueiro. Talvez ele esteja incorrendo aqui no mesmo erro básico que está acontecendo agora: como houve sacrifício massivo de bovinos e ovelhas no Reino Unido, a epidemia teve pouco efeito final. Claro, o próprio sacrifício foi o responsável pelo efeito limitado da doença. Dizer que a doença “não foi tudo isso” para demonizar o Imperial College é ignorar o efeito do que foi feito para detê-la. Parece óbvio.
Depois, faz uma leitura política da ação de Boris Johnson, à luz de uma carta aberta de 295 cientistas urgindo o primeiro-ministro inglês à ação. Diz o PhD em política, quer dizer, em epidemiologia, quer dizer, em inteligência artificial, que Johnson agiu para preservar seu mandato. Seria a primeira vez na história que vemos um mandatário destruir a economia para preservar seu mandato. Pena que Bolsonaro ainda não sacou essa estratégia sensacional.
Quanto à fala do Bill Gates, o PhD espertamente coloca somente a frase que interessa à sua tese: “O modelo do Imperial não é o que se verificou na China (…) felizmente parece que os parâmetros usados são demasiadamente negativos”. Bill Gates fala mais coisas. Por exemplo: “Uma grande coisa é aderir à abordagem “shut down” em sua comunidade, de modo que as taxas de infecção caiam dramaticamente e nos permitam voltar ao normal o quanto antes”. Com relação ao modelo do Imperial, além do que foi dito acima, ele diz também: “Eles (a China) fizeram o seu “shut down” e foram capazes de reduzir o número de casos. Eles estão testando amplamente de modo que eles são capazes de ver ressurgimentos da doença imediatamente e até agora não têm sido muitos. Eles evitaram um alastramento maior”. Bem, obviamente, o modelo do Imperial previu números gigantescos sem as medidas tomadas. E o contexto da resposta de Gates pode ser melhor entendido se virmos a resposta a uma questão anterior: “Precisamos ficar calmos, mesmo que esta seja uma situação sem precedentes”. Ou seja, a ideia de Gates é acalmar as pessoas, dizendo que, se fizermos o que tem que ser feito (distanciamento social), as previsões catastróficas não se confirmarão. Por fim, sobre este assunto, a China acabou de rever o número de óbitos para cima. Quantas mais revisões haverá? Quão confiáveis são os números da China para validar ou não qualquer modelo?
Depois, sobre os serviços funerários que “congelam”. Realmente não entendi. Por que os serviços funerários em Bergamo e na Espanha estariam mais lentos? Não dá pra entender o raciocínio do PhD. Interessante que, ao contrário do que ele faz logo no início, desta vez ele não mostra nenhum gráfico de mortes na Itália ou na Espanha para suportar a sua tese. Ele só fala. Então eu mostro pra vocês, tirado do mesmo site euromomo.eu. Na Itália, temos um z-score de cerca de 15, enquanto na Espanha o z-score alcança cerca de 20. Isso significa que o número de mortes alcançou, respectivamente, 15 e 20 desvios-padrão acima da média. Uma enormidade. Dizer que não houve mais mortes é simplesmente uma mentira.
Em seguida, o exemplo da Áustria para reforçar o tal argumento da “curva normal”. Desta vez, no entanto, ele pega o gráfico de NOVOS CASOS, ao invés de CASOS ATIVOS, como foi no exemplo da China. Mas o problema é o mesmo: o isolamento não vai mudar o formato da curva, vai apenas achatá-la. Continuará sendo uma curva normal. Aliás, ele prediz que “a Áustria em 3 dias estará em ‘zero estatístico’, com 10 novos casos”. Bem, esse vídeo é de 16 de abril, não sei a data em que foi gravado. Ontem, 18 de abril, a Áustria registrou 76 casos. Mas não vou pegar no pé, isso é erro estatístico. O ponto dele é que diminuiu bem, o que é verdade. Nosso ponto de discórdia é o motivo para ter diminuído.
O próximo ponto é o efeito dos raios UV, trazidos pela primavera, para diminuir as mortes pelo covid-19. O ponto é que essa diminuição teria ocorrido de qualquer maneira, porque a chegada da primavera faria o serviço a partir da semana 19. Pena que os dados não correspondam à realidade. Se isso fosse verdade, deveríamos ver uma queda generalizada nos casos nas semanas 12/13, conforme ele mesmo diz. Semanas 12/13 correspondem à segunda quinzena de março. Isso aconteceu, de fato, na Itália, em que o pico de casos ocorreu na 3ª semana de março. Mas em outros países o pico aconteceu depois: por exemplo, nos EUA, o pico ocorreu agora na 2ª quinzena de abril, enquanto em outros países da Europa, como Bélgica e Reino Unido, ocorreu na 1ª quinzena de abril. De qualquer forma, mesmo admitindo a hipótese, esperar os raios UV para dar cabo do vírus poderia significar um colapso do sistema de saúde muito antes do raio redentor chegar. Se a hipótese for verdadeira, e efetivamente se observar uma queda no número de casos/mortos, Europa/EUA poderão sair antes da quarentena, o que é uma boa notícia. Pena que talvez os raios UV não sejam páreo para o Covid: o Equador está aí para demonstrar quem manda em quem.
Depois ele faz uma preleção sobre “imunização de rebanho”. Ele está certo, mas não sei de onde ele tirou que “ouvimos ad nauseam que 80% da população deve ter sido infectada para atingir imunidade de rebanho”. Eu não ouvi isso. Ouvi 50%-60%. Ele diz 30%, o que me parece pouco. Mas eu não sou epidemiologista, nem ele, como ele faz questão de afirmar. Portanto ambos estaremos chutando. Trata-se do velho truque de atribuir uma afirmação absurda ao adversário, que nunca foi dita, e refutá-la para “ganhar” a discussão.
Ele critica a OMS por usar menções em redes sociais para fazer o monitoramento de epidemias. Fico com o pé atrás com afirmações jogadas no ar, assim. Onde está a fonte? Como posso consultar a metodologia usada pela OMS para o monitoramento de epidemias? Poderia até fazer uma pesquisa, mas ajudaria muito se o PhD disponibilizasse a fonte de sua informação. Senão, fica parecendo essas verdades “que todo mundo sabe”. Além disso, a última conferência sobre o tema da qual ele participou foi em 2014. Não me parece que esteja muito atualizado.
Com relação às escolas, o documento da OMS que ele cita é este aqui. No próprio vídeo, se você souber inglês e prestar atenção no que está escrito, está claro ali: “mantenha suas crianças na escola, A MENOS QUE UMA AUTORIDADE PÚBLICA DE SAÚDE […] TENHA EMITIDO UMA ORDEM QUE TENHA AFETADO A ESCOLA DO SEU FILHO. Bem, no caso, os governos fecharam as escolas! A OMS não disse: mantenham as escolas abertas. A OMS disse: mantenham seus filhos na escola se estas estiverem abertas. Acho que dá para entender a diferença. Ele insiste o tempo inteiro que a OMS recomenda que as escolas fiquem abertas, o que não é verdade.
O PhD defende a manutenção das escolas abertas porque as crianças “não ficam doentes” e depois vão “aspirar” os vírus por aí. Bem, talvez ele não tenha filhos pequenos. Quero ver pai ou mãe de crianças que não ficam doentes… Mas ok, as crianças vão à escola, passam duas semanas sem visitar os avós, retiram-se os funcionários mais velhos da escola durante duas semanas e… voi lá!, tudo volta ao normal depois. Como se todas as crianças do mundo pegassem o vírus ao mesmo tempo, e se pudesse resumir tudo a “duas semanas de isolamento”. Realmente me escapa a genialidade do raciocínio.
Todas as escolas no mundo foram fechadas, inclusive na Suécia! Por quê? Simples. Sabe-se que o grau de letalidade é mais alto para os mais idosos, mas não se sabe o grau de “infecciosidade” por faixa etária. Ou seja, não sabemos se crianças ou jovens pegam mais ou menos o vírus. O número de infectados mais velhos, hoje, é maior, mas simplesmente porque se testa mais os mais velhos, que são os que chegam aos hospitais. Não sabemos quantos infectados há por aí que não estão testados. A Islândia vem conduzindo um experimento espetacular de testagem ampla da população. Vou analisar este experimento em um próximo post, e que pode ser uma boa notícia para as escolas.
Ele cita um pesquisador alemão (interessante que só há citação de pessoas que concordam com sua tese), que disse que vai haver mais mortes por suicídios do que pelo vírus. Bem, nem fui atrás de saber quem é esse tal “pesquisador alemão”. Como você monta um modelo para chegar a essa conclusão? Sem comentários.
Ele termina o vídeo com um raciocínio que coroa de maneira brilhante todo o monte de bobagens acumuladas até aqui. Parte da informação de que, na Alemanha, descobriu-se que 14% da população está infectada (ele mesmo diz que os testes não foram aleatórios, então não dá para fazer extrapolação nenhuma, mas vamos com esse número aí). Então, ele diz que o número de infectados já era imenso quando da decretação da quarentena, e que, portanto, a quarentena não serviu para nada. Ou pior, a quarentena aumentou o número de infectados, pois com 10%-15% de infectados, foram introduzidos um infectado em cada família, em cada casa, e ficaram trancados em casa. Oi? Em primeiro lugar, ou a decretação da quarentena “não serviu para nada” ou “aumentou em muito a contaminação”. As duas coisas ao mesmo tempo não dá. Em segundo lugar, se a quarentena aumentou em muito a contaminação, e 14% é supostamente o número de infectados HOJE, então o número de infectados ANTES da quarentena era muito menor. Portanto, não foram introduzidos um infectado em cada casa, em cada família. Ou seja, há uma contradição em termos aqui. Finalmente, em terceiro lugar, as pessoas deixariam de morar em suas casas se não houvesse quarentena? Provavelmente não. Então, os infectados iriam infectar suas famílias com quarentena ou não, certo? Não foi a quarentena que fez infectar as famílias, essas seriam infectadas anyway. O que a quarentena fez foi diminuir a contaminação FORA das casas, não dentro. Não parece ser um raciocínio muito sofisticado, acho que dá para entender.
Desculpem-me novamente pelo longo texto. Mas é que esse vídeo do PhD português está se espalhando como um vírus pela internet, e não podia ficar sem resposta.
Samy Dana e outros quatro autores publicaram um estudo de fôlego, em que simulam o número de mortes no Brasil pelo Covid-19.
A apresentação começa dizendo que as simulações feitas até o momento erraram em “várias ordens de grandeza” o número esperado de mortes. Bem, várias ordens de grandeza significa, pelo menos, em 100 vezes (duas ordens de grandeza). Fiquei curioso para conhecer os resultados.
Depois de descrever o modelo de maneira bem detalhada, a apresentação chega nos resultados: no Brasil, teríamos entre 23 mil e 93 mil mortes, com a mediana das expectativas em 38 mil mortes. Isso, mantendo as condições atuais de isolamento social, como os autores fazem questão de lembrar em todos os slides.
Muito bem. Fui revisitar o estudo do Imperial College, aquele que fez o Reino Unido sair correndo para fazer o isolamento, e que foi taxado de sensacionalista por meio mundo. Aliás, a simulação de Dana et al utiliza o modelo do Imperial College para modelar o número de pessoas infectadas no tempo.
Para o Brasil, o estudo do Imperial College estimou 44 mil mortes para o cenário de isolamento precoce e 206 mil mortes para o cenário de isolamento tardio. Bem, para começo de conversa, não se trata de um erro de “várias ordens de grandeza”. Parece-me que o Brasil adotou um isolamento mais precoce do que tardio, de modo que o número de 38 mil de Dana et al se compara mais com os 44 mil do Imperial College. Mas mesmo que fosse com os 206 mil, trata-se de um erro de menos de 10 vezes, e não de 100 vezes. Além disso, o estudo inglês é de 26/03 e, portanto, foi feito com dados menos precisos sobre o Brasil do que temos hoje.
Ocorre que o que causou furor no estudo do Imperial College foi o cenário SEM QUALQUER ISOLAMENTO SOCIAL, que previa, para o Brasil, mais de um milhão de mortes. Infelizmente, Dana et al não publicaram a sua previsão para a hipótese de não isolamento social, de modo que não podemos fazer comparações neste caso.
Em resumo: mais um estudo que corrobora a simulação feita pelo Imperial College, e a importância do isolamento social para controlar os efeitos da epidemia.
No post anterior, publiquei os gráficos com a evolução de casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Aqueles gráficos são do país inteiro. Há Estados muito melhores e Estados muito piores que a média.
O pior Estado é o Ceará. Com 10,6 casos/100 mil habitantes, é o que apresenta o maior índice no país (a média brasileira está em 4,0). E, como podemos ver no gráfico, não houve estabilização de casos até o momento.
Em São Paulo, o número de casos também fica acima da média (7,6), mas a curva já está caindo.
Já no Rio, o número de casos está um pouco acima da média (4,8), mas a tendência de elevação ainda não se reverteu.
Outros Estados onde a curva ainda não se reverteu são PA, RN, BA, GO, MG, ES e PR. Cabe destacar que para alguns Estados, principalmente no Norte/Nordeste, os dados são mais frágeis/defasados.
Saiu o último dado de incidência de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), da Fiocruz, referente à semana epidemiológica 15 (05 a 11/04) – gráfico TOTAL.
Podemos observar que a linha vermelha (estimativa) começou a cair. Antes dessa última atualização, a semana 14 apresentava estabilidade, mas agora apresenta queda também, que se acelerou na semana 15. Ou seja, temos duas semanas de queda. A linha preta representa os casos notificados, e que podem ser revisados ainda.
Coloquei outros dois gráficos, mostrando os casos notificados de INFLUENZA e COVID.
Prestem atenção nas escalas: o gráfico TOTAL tem seu pico na 13a semana, em 4,5 casos para cada 100 mil habitantes. O pico da INFLUENZA é na 12a semana, com 0,1 casos, enquanto o pico da COVID é na 13a semana, com 0,8 casos. Ou seja, temos 80% dos casos de SRAG que simplesmente não foram identificados até o momento. Como teste de influenza é muito mais acessível, podemos concluir que a chance de ser Covid é bem maior.
Observe também que houve um pico de influenza fora da sazonalidade, entre a 10a e a 13a semana (01/03 a 28/03). Meu filho teve influenza, por exemplo, na primeira semana de março. Foi ao hospital e fez o teste para influenza, que deu positivo.
Já o gráfico da Covid mostra um pico e depois uma queda acentuada. Mas lembremos que esse gráfico representa somente os casos notificados, que demoram a chegar ao sistema. Esse gráfico ainda vai ter o seu aspecto bem modificado.
Em resumo: as medidas de distanciamento social fizeram com que os problemas com SRAG fizessem o seu pico na 13a semana (22/03 a 28/03), e começassem a cair desde então. E um pico (4,5) abaixo do pico da H1N1 em 2009 (5,75). Estes dados são animadores, e podem estar indicando que estamos já próximos do pico. Mas trata-se de um pico ainda muito alto, e que pressiona o sistema de saúde. E lembremos que se trata de estimativas, que podem ser revisadas tanto para cima quanto para baixo.