Verifique as premissas. Sempre.

Matéria do Globo de ontem repercute nota de um grupo de pesquisadores que estimaram o número de casos de Covid-19 no Brasil, que seria de 313 mil no dia 11/04, contra um número notificado de 21 mil no mesmo dia. Ou seja, uma subnotificação de mais de 90%.

Fui pesquisar a metodologia (a reportagem está bem confusa a respeito) no próprio site. A coisa é relativamente simples: considera-se a taxa de mortalidade da Coreia como sendo a “verdadeira” para a doença e, considerando o número de mortes no Brasil, se faz uma conta inversa: quantos casos deveria haver para justificar aquele número de mortes com a taxa de mortalidade da Coreia? Apenas para informação, essa taxa é de 1,65% na Coreia, contra 5,4% no Brasil. A conta foi ajustada pela diferença de pirâmide etária entre os dois países, chegando a uma taxa para o Brasil de 1,08%. Mas o pulo do gato é outro.

Para estimar o número de casos HOJE, é preciso saber quantos vão morrer daqui a N dias. Porque as mortes de hoje representam casos do passado. Os casos de hoje gerarão as mortes no futuro. A estimativa considera uma distância de 10 dias entre a contaminação e a morte. E aí é que mora o problema: como estimar o número de mortes daqui a 10 dias? Qualquer que seja a premissa adotada, será um chute bem dado. Seria mais honesto dizer que no dia 01/04 (10 dias antes da data-base 11/04), considerando o número de mortes em 11/04, o número de casos era de 112 mil, contra notificação de 7 mil casos. Continua sendo uma diferença abissal, indica uma subnotificação muito grande, mas é diferente dizer que havia 112 mil casos no dia 01/04 do que mais de 300 mil casos no dia 11/04. Não sabemos quantos casos há hoje, simplesmente porque não sabemos quantas mortes haverá daqui a 10 dias. Aliás, pode ser até maior, mas não sabemos.

Dizem que os números não mentem jamais. É verdade. O mentiroso pode ser a premissa adotada. Sempre procure conhecê-la.

Estatísticas da Covid-19

Trago hoje seis gráficos.

Três gráficos mostram a evolução do número de casos/capita (média móvel de 3 dias), considerando o início de cada série quando ocorre 1 caso/milhão de habitantes.

Três gráficos mostram a evolução do número de mortes/capita (média móvel de 3 dias), considerando o início de cada série quanto ocorre o caso #150.

Nos gráficos que mostram o Brasil contra Europa e EUA, tanto em número de casos quanto de mortes, a curva brasileira mostra-se bem mais suave, quase estável. Os números divulgados assustam (ultrapassamos mil mortes!), mas o fato é que o ritmo de crescimento tem sido bem contido.

Para aqueles que acham que as medidas de distanciamento social não têm nada a ver com esse resultado, trago também a comparação dos números da Suécia com os seus pares nórdicos. Os governantes suecos resolveram, voluntariamente, brindar a humanidade com um experimento que, de outra forma, teria sido impossível: manter uma população exposta à epidemia com medidas brandas de distanciamento social, confiando nos hábitos de higiene do povo. Com esse experimento, podemos constatar que o número de mortes/capita é bem mais elevado na Suécia do que nos seus pares nórdicos. A única diferença relevante entre esses países foram as medidas de contenção social. Obrigado, governantes suecos, por usarem a população do seu país como cobaia. A humanidade agradece!

Estatísticas da Covid-19

Trago 4 gráficos, dois que estão sendo atualizados diariamente e dois novos.

Os gráficos velhos mostram a curva brasileira bem atrás no número de casos em relação a Europa e EUA, mas pode haver problema de subnotificação. No caso do número de mortes, nossa curva também está atrás, mas segue de perto a tendência da Europa como um todo.

Os gráficos novos se referem a duas tragédias: Lombardia e Nova York (o Estado). Ambas as regiões têm sido consideradas os piores desastres de saúde pública nesta pandemia. Comparei os dados dessas duas regiões com o Estado de SP, a nossa pior região. Ficamos bem atrás, tanto em número de casos quanto em número de mortes, tudo ajustado pelo tamanho das respectivas populações. Ou seja, aparentemente estamos bem distantes (por enquanto, pelo menos) daquelas cenas dantescas que observamos nessas regiões.

De maneira geral, parece que caminhamos bem. Mas é preciso cuidado para não baixar a guarda sem um bom planejamento. Seguimos.

Testes vs Casos

O site Worldmeter (minha fonte de dados) disponibilizou o número de testes por país. Com esses dados, fiz um gráfico mostrando a relação entre o número de testes e o número de casos confirmados (tudo em relação à população de cada país). Plotei todos os países com mais de 1.000 casos.

A reta é a média, que dá mais ou menos 10%. Ou seja, de cada 10 testes, 1 dá positivo. Isso, na média desses países.

Mas há diferenças grandes! Na Espanha, por exemplo, a razão é de 35%, ou seja, de cada 10 testes, 3,5 deram positivo até o momento. Por outro lado, na Noruega, a razão é de apenas 5%. Na Austrália e na Coréia é de 2%, enquanto na Itália é de 19% e nos EUA de 20%.Uma explicação possível é que os números são mais altos nos países que demoraram mais a tomar medidas de contenção. Isso deve acontecer simplesmente porque tem mais pessoas contaminadas na população. Outra explicação seria que os países com maiores percentuais são aqueles que estão testando somente os doentes, enquanto aqueles com percentuais baixos estão testando todo mundo. Talvez, inclusive, uma coisa esteja relacionada com a outra.

O Brasil é aquele pontinho vermelho no canto inferior esquerdo. Temos poucos testes e poucos casos ainda. A relação é de 17%, quase igual à Itália. Ou seja, ou demoramos para fazer medidas de contenção, ou estamos testando somente os doentes. De qualquer forma, ainda é um número muito pequeno para tirar conclusões.

Estatísticas da Covid-19

Gráficos atualizados até ontem.

Mudei um pouco o critério para o gráfico do número de novos casos: ao invés de iniciar com o caso #50, iniciei quando o número de casos ultrapassou 1 para cada milhão de habitantes em cada país/região. Neste gráfico, o Brasil continua bem atrás de Europa e EUA, mas aqui pode haver problemas de medida, uma vez que estamos testando bem menos.

No gráfico de mortes, adotei dois critérios para iniciar as séries: o critério da primeira morte, que já vinha usando, e o critério do caso #150, sugerido pelo amigo Victor H M Loyola. O racional desse critério é que já teríamos, no caso #150, contaminação comunitária, o que já indicaria epidemia. A primeira morte seria um marco mais aleatório. Faz sentido.

No primeiro gráfico, usando o critério da primeira morte, o Brasil aparece seguindo a Europa em seu início. Já no segundo critério (caso #150), o Brasil aparece bem atrás, com uma curva mais suave. Tomara que este critério seja o melhor mesmo, Victor!

Estatísticas da Covid-19

Hoje trago 4 gráficos, dois com o número de novos casos e dois com o número de mortes. Todos os gráficos trazem a média móvel dos últimos 3 dias, sempre em relação à população dos países/regiões.

A boa notícia é que parece que o número de novos casos parece estar se estabilizando de maneira geral na Europa, em todos os países. O patamar ainda é alto, mas não está mais crescendo. Nos EUA, o número de novos casos parece estar se desacelerando, ainda que esteja ainda crescendo.

No Brasil, temos duas leituras distintas. Quando olhamos o número de novos casos, não está crescendo, ficando abaixo de Europa e EUA na mesma época. Mas, como vimos em post anterior, é provável que estejamos com um problema de subnotificação. Se este problema é pior ou melhor que enfrentaram EUA e Europa no início do surto, não sei.

O gráfico de mortes, por outro lado, mostra o Brasil à frente de EUA e Europa na mesma época. Talvez esse gráfico seja mais fidedigno, pois parece que os testes estão sendo priorizados para pacientes falecidos ou em estado grave.

Enfim, boas notícias na Europa e ainda muita indefinição aqui no Brasil. Vamos acompanhando.

Estatísticas da Covid-19

Vários gráficos atualizados até ontem.

Três se referem ao número de novos casos (média móvel de 3 dias desde que o ultrapassou 50 casos/dia), três se referem ao número de mortes (média móvel de 3 dias desde a 1a morte em cada país) e um novo, com a evolução da razão mortes/casos registrados.

Vamos lá. A Itália, que estava em uma descendente, voltou a crescer. Ainda não dá pra dizer que retomou o processo de alta, pode estar variando no mesmo patamar. Pode ser também que estejam diminuindo os casos em uma região e crescendo em outra, o que impediria o número de subir.

A Espanha é a nova Itália na Europa. Número de novos casos e mortes subindo forte. Ontem, pela primeira vez, a Espanha teve mais mortes do que a Itália.

EUA continua crescendo, mas a taxa de mortes é bem menor que na Europa. Talvez por estarem testando mais.

No Brasil, temos uma dicotomia: o número de novos casos parece estar se estabilizando, fugindo da curva de EUA/Europa. Por outro lado, o número de mortes é bem maior do que na mesma época do ciclo para estas duas regiões. Mas estamos muito no início ainda para tirar conclusões, vamos ver como se comporta nos próximos dias.

Por fim, a taxa de mortes/casos. O que vemos é que essa taxa sempre cresce com o tempo, pois as mortes ocorrem cerca de 2/3 semanas após a notificação do caso. Então, uma estabilização dessa razão pode indicar que a epidemia chegou ao seu pico. Vemos que os números de Itália e Espanha, por exemplo, ainda não estabilizaram. Nos EUA houve uma concentração de mortes logo no início em um asilo, mas depois estabilizou em patamar mais baixo. No Brasil, nosso índice ainda é baixo se comparado com a Europa, mas está crescendo. Obviamente, este índice não é o real, pois há muitos casos não notificados. Mas acho que vale a pena acompanhar, pois seria um indicador de estabilização da epidemia quando para de crescer.

Estatísticas da Covid-19

Seguem os gráficos atualizados até ontem.

A Itália parece mesmo ter atingido o seu pico, e agora está na descendente, tanto em número de casos quanto em número de mortes. Vamos acompanhar os próximos dias. Mas a Espanha aparentemente é a nova Itália, infelizmente.

O crescimento do número de mortes nos EUA está mais lento do que foi na Europa. Talvez porque estejam fazendo mais testes e tendo mais eficácia no combate. Só uma hipótese.

A curva de novos casos no Brasil passou para baixo dos EUA e Europa. Não comemoraria muito, por dois motivos: 1) nossa população é metade da população de EUA e Europa e, portanto, deveríamos ter menos casos mesmo e 2) devemos ter uma grande subnotificação, certamente maior que nos EUA por exemplo. Vamos passar a acompanhar mais de perto o número de mortes, pois trata-se de uma dado mais confiável, ainda que mais defasado em relação ao ciclo da epidemia. Observe que o Brasil hoje tem o mesmo número de mortes que a Europa (no caso, só a Itália, pois o país começou antes) na mesma época. Vamos continuar acompanhando.

Brasil vs. Austrália

Li hoje uma notinha no jornal, dizendo que o entorno do presidente está se baseando no baixo número de mortes na Austrália para fazer um paralelo com o Brasil, uma vez que os climas são semelhantes. Fui verificar. Os gráficos estão aí.

De fato, o número de mortes na Austrália é bem baixo (o gráfico mostra a média dos 3 dias anteriores). A má notícia é que a nossa curva está bem mais inclinada: já temos uma média de 9 mortes nos últimos 3 dias, curva esta mais compatível com a Itália na mesma época. No 8o dia após a primeira morte, a média da Itália era de 10 mortes/dia.

O número de casos/dia segue semelhante. Mas lembremos que a população da Austrália é cerca de 8,5 vezes menor que a brasileira. Ou seja, estão testando muito mais lá, o que faz crescer o número de casos registrados. E o que provavelmente explica o menor número de mortes também, pois o combate é bem mais eficaz. Além, claro, do sistema de saúde melhor.

Estatísticas da Covid-19

Gráficos atualizados até ontem. Itália continua estabilizando pelo 2o dia seguido, mas a explosão de novos casos na Espanha e França fizeram os números da Europa voltarem a subir.

Os números dos EUA explodem também, mas lá pode ser pelo fato da testagem estar sendo feita de forma extensiva. Sinal disso é o número de fatalidades, desproporcionalmente pequeno em relação ao total de casos (1,3%), como Coreia (1,2%) e Alemanha (0,4%).No Brasil, o número de novos casos seguem o padrão de Europa e EUA, sem muita novidade.

Adicionei mais dois gráficos, com a evolução do número de fatalidades, desde o dia em que ocorreu a primeira para cada país. No caso da Europa, desde o dia em que ocorreu o primeiro caso na Itália. Se o número de novos casos depende de quanto cada país está testando para a doença, no caso do número de fatalidades não há muita discussão sobre a robustez da estatística. E será útil para comparar a efetividade no combate à epidemia em cada região.