Narrativas

Bolsonaro culpa o ex-ministro Sérgio Moro pelo desfecho da investigação sobre a tentativa de assassinato a faca durante a campanha.

Bem, há 4 meses temos outro ministro da justiça e chefe da PF. Por que o inquérito não foi reaberto? Ou seria essa mais uma afirmação sob medida para os que não podem viver sem uma teoria da conspiração? Daqui a uma semana completar-se-ão 6 meses desde que Bolsonaro prometeu “para amanhã” mostrar provas de fraudes nas urnas eletrônicas. Ficou o dito pelo não dito.

Talk is cheap, como dizem os americanos. Bolsonaro joga no ar afirmações ilógicas mas que apelam para os que têm resposta para tudo, pois tudo é sempre explicado a partir de uma grande conspiração contra o paladino da justiça.

Fica difícil entender como Bolsonaro ganhou eleições fraudadas, ou que interesse teria Moro em abafar investigações. Mas esses são detalhes menores. O que importa, no final, é manter a narrativa do herói contra tudo e contra todos, para consumo de sua grei.

Assim é se assim lhe parece.

Coincidências

No dia 20/03/85, o então presidente Tancredo Neves foi submetido a uma 2a cirurgia de emergência, para retirar “aderências” do intestino delgado.

Coincidentemente, no último dia 12, Bolsonaro também passou por uma 2a cirurgia de emergência, para retirar “aderências” do intestino delgado.

Espero, com toda sinceridade do mundo, que as coincidências parem por aí.

Tancredo e Bolsonaro

Fui assistir hoje “Tancredo: o paciente”. O filme retrata os últimos dias de Tancredo Neves no hospital, desde a sua internação até a sua morte, em 21/04/1985. O filme é muito bom, tem ótimo ritmo e excelentes interpretações. Vale muito a pena, principalmente para nós que vivemos aqueles tempos.

Grande parte da trama se dá em torno da tentativa de esconder do país o verdadeiro estado do presidente eleito. Não sei porque, lembrei-me de Bolsonaro.

Só um maluco. Por enquanto.

O que define um “atentado político”?

O que define um “preso político?”

A utilização da palavra “político” como adjetivo pode ter significados em dois níveis: o autor da ação e a motivação da ação. Claro, existe um terceiro nível, obrigatório, que é o fato daquele que sofre a ação ser uma figura do mundo político. Mas isso está dado nos casos em foco.

Vejamos a questão do autor da ação. Para que um crime seja considerado político, para que uma prisão seja considerada política, é necessário que o seu autor seja um adversário político. Assim, quando o regime militar prendia ou matava os seus inimigos políticos, isso podia ser classificado como prisões ou atentados políticos. Ou quando o regime cubano prende ou mata os seus adversários, isso pode ser considerado prisões ou assassinatos políticos.

No caso da prisão de Lula, não há adversário político envolvido. O judiciário, em suas várias instâncias, agiu com independência. Pode até ter errado (uma sequência de erros em série), mas não agiu como uma organização política.

No caso do atentado de ontem, aparentemente (“até o momento”, como diz o Noblat), não se trata de um ataque encomendado por nenhum partido político. O sujeito aparentemente agiu sozinho, de acordo com sua própria consciência. Portanto, neste significado, de fato, não foi um atentado político.

Vejamos, agora, a motivação.

Para que uma prisão ou um assassinato tenha a conotação de prisão ou assassinato político, é necessário que a motivação seja política. Assim, se um vizinho mata um político porque este estava saindo com sua mulher, a motivação não é política. Portanto, o assassinato não pode ser classificado como político. Por óbvio, se o primeiro significado for verdadeiro (o agente é político) é ocioso buscar a motivação, que será sempre política. O problema ocorre quando o agente não é um adversário político institucional.

No caso da prisão de Lula, a grande batalha do presidiário de Curitiba e seus asseclas do PT é tentar provar motivações políticas por trás das sentenças de Moro e dos desembargadores do TRF4. Parece óbvio que não as há. Portanto, sem motivação política, não há prisão política neste caso. Trata-se, simplesmente, de um político preso.

O caso do atentado é diferente. O autor foi filiado ao PSOL e tem, em sua página no Facebook, suficientes provas de sua simpatia pela pauta da esquerda e ódio a Bolsonaro. Portanto, por mais que seja um maluco (e pra fazer o que ele fez, só tendo um parafuso a menos), a sua motivação foi claramente política.

Assim, chegamos ao busílis da questão: para classificar um atentado como político basta a motivação, ou é necessário que o seu agente seja também um adversário politico? As duas condições são necessárias, ou apenas a segunda condição (a motivação) é suficiente?Noblat, no tuíte acima, acha implicitamente que as duas condições são necessárias. Os apoiadores de Bolsonaro acham que apenas a motivação seria suficiente para caracterizar o atentado como “político”.

Parece-me que o paralelo entre a prisão de Lula e o atentado a Bolsonaro não é adequado. Lula está na prisão porque roubou. Bolsonaro sofreu um atentado porque é de um partido adversário. Só essa diferença já basta para distinguir os dois casos. A motivação é completamente diferente nos dois casos.

No entanto, é preciso colocar a coisa na sua devida dimensão. Não se trata, “até o momento”, de uma guerra de facções, o que, no limite, poderia levar a uma Guerra Civil. Não se pode confundir a simples motivação política com a organização sistemática para eliminar fisicamente o adversário político. Nenhum partido está sequer perto desse nível, enquanto organização política.

Claro, estamos em plena campanha eleitoral. Seria ingenuidade pedir aos envolvidos a não politização de um ato com motivação claramente política. Assim como Noblat, outros jornalistas já estão condenando Bolsonaro por querer tirar dividendos políticos do episódio. Sério? Ele perdeu parte do intestino e não pode ganhar nada com isso? Se Lula, que está na prisão por motivos não políticos, foi louvado por esses mesmos jornalistas por saber fazer do “limão uma limonada”, porque Bolsonaro não pode fazer o mesmo, com motivos muito mais concretos?

Isso é uma coisa. Outra coisa é achar que Bolsonaro foi vítima de uma grande conspiração orquestrada por seus adversários, pelo grande capital globalista e pela mídia para evitar que faça a limpeza na política brasileira. Menos. Foi apenas um maluco solto por aí. Com motivação política, é verdade, mas um maluco. Só isso. Por enquanto.

Um dia triste para o Brasil

Não é hora de análises.

É hora de luto.

Um ser humano foi esfaqueado por causa de suas ideias.

O livre-pensamento, base da civilização ocidental e da democracia, foi vítima da forma mais primitiva de resolução de conflitos.

Um dia triste para o Brasil.