O capital empoçado dos bilionários

Manchetes como essa abundaram na imprensa depois do tombo das empresas de tecnologia. Os bilionários ficaram mais pobres. O tom é de mal disfarçada satisfação.

Tenho um amigo que me confidenciou nessa semana que acha muito errado essa concentração de riqueza nas mãos de poucos e tantos passando fome. Que esse dinheiro, ao invés de ficar empoçado, deveria ser colocado para trabalhar ou, no mínimo, para mitigar o sofrimento dos mais pobres.

Esse meu amigo é economista e trabalha no mercado financeiro, então não faz o estereótipo do estudante de sociologia maconheiro, que vive de ditar regras de como o mundo seria melhor se os outros fizessem a sua parte. Por isso, acho que o seu ponto de vista talvez seja compartilhado, de maneira menos ou mais envergonhada, por outras pessoas que, sinceramente, não entendem como bilhões se acumulam nas mãos de tão poucos e ninguém faz nada a respeito disso. Assim, resolvi escrever este post, como uma resposta estruturada ao meu amigo (nem sei se ele vai ler) e a todas essas pessoas.

Em primeiro lugar, a concentração de riqueza não é um fenômeno de hoje. Na verdade, esse problema já foi muito pior em um passado remoto, bem antes do capitalismo, quando reis e nobreza realmente concentravam a (pouca) renda produzida. O surgimento da classe média – largas fatias da população com renda média – é um fenômeno relativamente recente, contemporâneo ao surgimento do capitalismo. Portanto, estamos reclamando de barriga cheia. Aliás, como igualmente acontece em vários outros campos em que as conquistas civilizatórias são tomadas como direito divino, e não como o que são, conquistas que não seriam alcançadas sem a devida mobilização de capital físico e humano.

Aqui entra a segunda parte da resposta ao meu amigo: o capital dos bilionários não está “empoçado”, inerte, ocioso. Muito pelo contrário: este capital, assim como a poupança de cada um de nós, está investido. Grande parte da riqueza desses bilionários está investida em sua própria empresa. Ou seja, a sua riqueza é formada pelas ações de suas empresas. Essas empresas geram valor para a sociedade. Caso contrário, valeriam zero. O preço de uma ação é dado pelo valor agregado pela empresa percebido pelos investidores. Este valor é medido pelo lucro do empreendimento. As empresas estão no mercado disputando o capital dos poupadores. Os bilionários poderiam se desfazer de suas ações e investir em outros empreendimentos com mais futuro. No limite, poderiam comprar títulos do governo, que não têm risco. Aliás, esta é uma tentação grande para os investidores brasileiros, que têm à disposição títulos do governo que pagam uma das maiores taxas de juros do mundo. Por que arriscar?

Os bilionários tiveram a “sorte” de poder investir em suas próprias empresas logo no início, quando não valiam nada. Na medida em que a empresa foi crescendo, o capital investido foi se multiplicando. E a empresa só cresce se agrega valor para o seu cliente, a ponto de pagar os custos da operação e ainda gerar lucro. Caso contrário, vai habitar o populoso cemitério das empresas que não deram certo. Para cada Zuckerberg bilionário, há milhões de empresários que não foram para frente. Há um risco, e não é pequeno.

Mesmo o dinheiro que não está investido em suas próprias empresas não está ocioso. É investido em outras empresas ou em títulos do governo. Ou seja, servem para financiar as beneméritas ações que os governos fazem com o nosso dinheiro. Aliás, não deixa de ser curioso que os mesmos que demonizam os bilionários são normalmente aqueles que esperam que os governos mitiguem os sofrimentos dos mais pobres. Com que dinheiro? Ah sim, dos bilionários. Ou seja, esse dinheiro “empoçado” está servindo para financiar as ações dos governos.

Mas o que este meu amigo gostaria mesmo é de um imposto que fizesse um corte na fortuna desses bilionários, carreando esse dinheiro para os cofres do governo. Ou seja, ao invés de tomar emprestado via títulos públicos, esse dinheiro “a mais” seria confiscado via impostos. Claro que a linha de corte para a taxação dos mais ricos teria que ser mais alta do que a fortuna desse meu amigo, que certamente está entre os 1% mais ricos do Brasil. Afinal, ricos são sempre os outros. Mas digamos que essa questão da linha de corte fosse resolvida. O ponto é: qual seria a mágica para manter o espírito empreendedor, dado que o grande prêmio seria tomado pelo governo, e todos estariam destinados a serem classe média? Regimes socialistas tentaram fazer isso, com os resultados conhecidos.

Para terminar, vou além: a concentração de capitais é benéfica para a sociedade. Somente a concentração de capitais permite que exista poupança. E somente com poupança é possível ter investimentos. Se todos tivessem somente o necessário para sobreviver, não haveria poupança, não haveria investimentos, não haveria novas empresas (que supõe colocar o capital em risco e, eventualmente, perdê-lo) e, no final, não haveria progresso.

O governo pode tentar substituir a poupança privada, investindo o dinheiro dos impostos. No entanto, conhecemos a eficiência desses investimentos. Portanto, é preciso ter sobra de capital privado para arriscar em novos empreendimentos. Não existe capital “empoçado”, ocioso, a não ser na cabeça de quem não conhece a dinâmica do capitalismo.

Queremos imitar Xi Jiping?

Thomas Friedman, colunista do NYT, está preocupado com a China. Xi Jiping estaria indo longe demais em sua intervenção contra os capitalistas de empresas de tecnologia. Por exemplo: Jack Ma, o fundador do Alibaba, o maior site de e-commerce do mundo, estaria desaparecido. Realmente, uma coisa muito extrema.

Mas o que me chama a atenção é a justificativa para as ações do premiê chinês: Xi Jiping não quer para o seu país “a exacerbação de tensões sociais, o aumento da desigualdade e o estabelecimento de monopólios que dominem governos”, tudo isso fruto da ação das empresas de tecnologia. Em seu momento Eugênio Bucci, Friedman concorda que Xi Jiping está fazendo, em geral, a coisa certa. Só exagerou um pouco ao fazer Jack Ma “desaparecer”. Uau!

Xi Jiping está intervindo nas empresas de tecnologia porque é chefe de um estado autoritário e vê nessas empresas uma ameaça ao seu poder. Pelo visto, Friedman concorda com Lula, que afirmou, em uma antológica entrevista a um jornal chinês, que a China só chegou onde chegou porque tem um Estado forte. E põe forte nisso! Jack Ma que o diga.

Friedman e todos os seus colegas estão preocupados com a ameaça que os monopólios de tecnologia representam para a democracia. A intervenção de um governo autoritário para “resolver o problema” deveria ser suficiente para mostrar o quão delicado é este assunto de intervir na livre iniciativa e na liberdade de expressão. Não por outro motivo, os governos ocidentais estão patinando no controle dos tais “monopólios de tecnologia”. Afinal, fazer Zuckerberg “desaparecer” não é tão fácil, mas talvez seja a única solução, como demonstrado por Xi Jiping.

Todos sonham com um mundo bom, belo, justo e democrático, onde não haja “tensões sociais, desigualdade e pressão nos governos por parte de monopólios de tecnologia”. Xi Jiping resolveu esse problema. Queremos imitá-lo?

Quem deveria policiar a internet?

Eu juro que não li este artigo da Economist antes de escrever o meu último, a respeito do Facebook. Chegamos à mesma conclusão: os políticos não põem o pé no pantanoso terreno da censura na Internet e “simulam estarrecimento” (nas palavras da Economist) e “patrocinam sessões bombásticas no Congresso” (nas palavras do meu artigo) a respeito da falta de ação das redes sociais.

O fato é que fazer censura (e é disso que se trata, por mais feia que seja a palavra) vai contra a própria essência da democracia. É óbvio que há conteúdos que não deveriam estar circulando por aí. A quadratura do círculo é justamente quem define, e com quais critérios, o que não deveria estar circulando por aí. No entanto, uma coisa é certa: se alguém deveria realizar essa tarefa, não deveriam ser empresas privadas, com critérios pouco transparentes. Só estão agindo, segundo a Economist, por omissão do poder público.

E se é o poder público que deveria censurar as redes, fica a questão: um poder público que censura conteúdos poderia ainda ser considerado democrático? Antes de responder, outra questão: pode uma democracia censurar conteúdos em nome da preservação do regime democrático?

Facebook, a empresa que todos amam odiar

Temos acompanhado nos últimos dias mais uma onda de críticas ao Facebook e a seu fundador e CEO, Mark Zuckerberg. Desta vez, o pivô da indignação foi o testemunho de uma ex-funcionária da empresa, Frances Haugen, diante do Senado americano. Segundo a delatora (assim a tem chamado a imprensa em geral), o Facebook teria escondido resultados de pesquisas internas que teriam apontado a “toxicidade” de seus algoritmos, ao promover “discursos de ódio, intolerância e desinformação”. Tudo isso em nome do lucro acima de tudo. Além disso, outra pesquisa interna teria evidenciado o efeito deletério em adolescentes, especialmente meninas, de outro produto da empresa, o Instagram. E, como sempre, a alta direção não teria feito nada para mitigar os danos, sempre de olho no lucro.

O Facebook já foi acusado de muitas coisas. A primeira onda de críticas se referiu ao uso de dados dos usuários e à quebra de sua privacidade. Em seguida, o foco foi deslocado para outros dois problemas, expostos no depoimento de Frances Haugen: a falta de moderação do conteúdo e os algoritmos que visam aumentar o engajamento. Esta trinca (uso de dados dos usuários, algoritmos de engajamento e conteúdos impróprios) penso que resume todas as críticas à empresa. Vejamos cada uma delas.

Sou um usuário do Facebook e não pago nada por isso. Assim como os telespectadores de canais da TV aberta, os usuários do aplicativo “pagam” pelo seu uso através da exposição à propaganda. A diferença do Facebook para a TV aberta é a eficiência no direcionamento da propaganda: a empresa de Zuckerberg consegue, a partir dos dados de seus usuários, dirigir os anúncios de maneira mais focada. A TV aberta também segmenta os seus diversos públicos, como bem sabe qualquer agência de publicidade. Mas o acesso aos dados dos seus usuários é mais limitado. A diferença não é conceitual, mas de intensidade. De qualquer forma, alguns simplesmente não se conformam com o fato de que as pessoas estejam dispostas voluntariamente a expor seus dados pessoais em troca do uso da plataforma. Caso contrário, o Facebook e seus irmãos menores não teriam mais de 3 bilhões de usuários. A empresa poderia lançar uma versão “premium”, em que o usuário pagasse para não ter propaganda em sua tela. Desconfio de que poucos estariam dispostos a pagar por isso.

Os algoritmos de engajamento talvez sejam a acusação mais tenebrosa feita contra o Facebook e todas as outras empresas de tecnologia que vivem de tráfego em seus aplicativos. “Algoritmos” remetem ao conceito de manipulação, algo por trás das cortinas que nos leva a fazer coisas que não faríamos se não fôssemos levados a tal. Seríamos, assim, meras marionetes dos algoritmos. O que dizer? Em primeiro lugar, toda empresa, do mundo virtual ou real, procura engajar seus clientes. As vitrines das lojas nos convidam a entrar, distribuidores de panfletos convidam para lançamentos imobiliários, supermercados fazem promoções. Engajar, portanto, não é um crime em si. A diferença do Facebook e seus congêneres seria a “falta de transparência”. Ninguém sabe realmente como funcionam os tais algoritmos, o que aparece ou deixa de aparecer na linha do tempo do aplicativo. A pergunta é: o que mudaria se os algoritmos fossem públicos? Haveria uma “agência reguladora” de algoritmos? Quais seriam os critérios de um bom algoritmo? Não parece ser um problema fácil de resolver, se é que existe um problema aqui.

Este problema “do que fazer” nos leva à terceira crítica: a moderação de conteúdos. Em 30/03/2019, Mark Zuckerberg publicou artigo no Washington Post afirmando que “eu não pediria que as empresas fizessem esse julgamento (sobre conteúdos impróprios) sozinhas. Acredito que precisamos de um papel mais ativo dos governos e reguladores (neste campo)”. Zuckerberg, espertamente, jogou o abacaxi de censurar conteúdos no colo dos reguladores. Obviamente, depois de mais de dois anos, nada aconteceu. Os políticos continuam patrocinando sessões bombásticas no Congresso, mas o problema tóxico de eliminar conteúdos impróprios continua sendo do Facebook, uma empresa privada, não custa lembrar. É óbvio que postagens que contenham crimes tipificados, como estelionato e incitação à violência física, são inaceitáveis. O problema começa quando se desce para definições do que seja “discurso de ódio” e “intolerância”, ou, pior ainda, o que seriam posições políticas aceitáveis. O curioso é que há muitos que reclamam do excesso, e não da falta, de intervenção do Facebook nos conteúdos postados, desconfiando até que Zuckerberg teria uma agenda oculta. Censura é sempre um assunto muito delicado.

O frisson que mais uma vez tomou conta do debate público passa ao largo da vida real. Nesta, as ações do Facebook estão próximas de sua máxima histórica, indicando que, para os investidores, esses debates não devem influenciar o futuro da empresa. A julgar pela reação dos usuários à instabilidade que tirou do ar a trinca de aplicativos de Mark Zuckerberg por algumas horas na semana passada, os investidores provavelmente estão corretos.

O fruto proibido

Era uma vez um mundo sem divisões e ódios. As pessoas viviam em harmonia e guerras eram apenas tema de obras de ficção. A paz era a norma e os almoços de família transcorriam em perfeita fraternidade.

Desgraçadamente, em 2004 esse quadro idílico começou a mudar. O surgimento do Facebook e, depois, do Instagram e do WhatsApp, introduziu a semente do ódio entre os seres humanos. Tal qual o fruto proibido comido por Adão e Eva, os aplicativos de Zuckerberg introduziram o mal no mundo. E o pior, a serpente Zucka é movida pelo pior dos pecados: a busca pelo lucro acima de tudo.

A solução? O Deus-Estado deve intervir, para que a paz e a harmonia voltem a reinar entre nós. É preciso esmagar a cabeça da serpente, é esse o clamor dos povos, que não suportam mais tanto ódio e divisão.

Assim é se assim lhe parece.

Escravos da tecnologia

No meu colegial, optei por um curso técnico de informática. Processamento de dados, chamava-se na época. Não cheguei a terminar o curso, mas aprendi o suficiente para arranjar meu primeiro emprego: professor de Basic, uma linguagem de programação, em uma das muitas escolinhas de informática que começavam a pulular pelo país. O ano era 1983, e donas de casa, estudantes e profissionais das mais diversas formações vinham aprender o que fazer com aquela geringonça, que não passava de uma máquina de escrever mais sofisticada. Eu achava aquele aparelho meio inútil, considerando o preço, nada atrativo em função da nossa brilhante Lei da Informática.

Comprei meu primeiro computador pessoal somente em 1997. O que me fez mudar de ideia? A internet. Foi com o advento da internet que comecei a ver valor agregado suficiente para compensar o investimento.

Hoje estamos mergulhados na internet. Nós não notamos a presença do ar, a não ser quando nos falta. A falha nos aplicativos de Mark Zuckerberg nos fez notar o quanto dependemos da internet. Mas já chegaremos lá.

Como dizia, estamos mergulhados na internet. Mas nem sempre foi assim. No banco onde eu trabalhava, uma grande multinacional inglesa, lembro quando a internet chegou. Ela ficava isolada em um computador solitário, onde as pessoas podiam fazer suas consultas. Os computadores pessoais dos funcionários não estavam ligados na rede mundial. Como toda tecnologia nova, havia muito receio de “contaminação”. Os ciberataques atuais demonstram que esses receios não eram infundados. Mas a esperança venceu o medo e, depois de algum tempo, todos puderam ter acesso à internet em suas próprias máquinas. Isso faz pouco mais de 20 anos. Imagine agora um mundo sem internet. Ontem, o Facebook e seus irmãos menores saíram do ar. Foi um caos. Imagine agora que, por algum misterioso motivo, toda a internet caísse para não mais retornar. O efeito provável seria uma desaceleração da atividade econômica global que deixaria o que aconteceu durante a pandemia no chinelo.

Somos hoje absolutamente dependentes da internet. Mas, por mais incrível que possa parecer, um dia vivemos sem ela. Há 30 anos, poderíamos estar escrevendo como seria o mundo sem os grandes computadores, que haviam revolucionado processos administrativos e de produção. E, no entanto, 70 anos atrás, não havia computadores. Assim como há 120 anos não havia automóveis e há 250 anos não havia máquinas a vapor. Cada uma dessas conquistas tecnológicas elevou o patamar de conforto da humanidade, ao melhorar a eficiência dos processos produtivos e comerciais. Um pobre de hoje vive com mais conforto que um rico de 200 anos atrás.

Daqui a 20 ou 30 anos, alguém estará escrevendo sobre como seria o mundo sem [preencha aqui]. Alguma nova tecnologia dominante está, neste momento, sendo gestada, e não conseguimos imaginar o que nos estará “escravizando” daqui a 20 ou 30 anos. Uso a palavra “escravizando” porque, a se julgar pelas matérias sobre a queda de Facebook e cia, a dependência desses aplicativos é tão grande que nos tornamos seus escravos.

Se pensarmos bem, somos escravos de todas as tecnologias que criamos. Não conseguimos imaginar nossas vidas sem elas. É de sua natureza que seja assim. Acostumamo-nos com o novo nível de conforto, e seria muito doloroso dar um passo atrás. A constatação de que dependemos dos aplicativos do Zuckerberg é o mesmo que constatar que dependemos do elevador em um prédio de 20 andares. É só dependência tecnológica, nada de novo desde a Revolução Industrial.

O preço do seu olhar

Se você está lendo este post, é porque você conta com uma plataforma chamada Facebook. Você é um dos responsáveis pelo fato de a empresa fundada por Mark Zuckerberg ter atingido, ontem, o valor de mercado de R$ 1 trilhão de dólares. Todas as empresas listadas na bolsa brasileira, incluindo Petrobras, valiam ontem, somadas, cerca de 1,15 trilhões de dólares.

Ontem, um juiz nos EUA indeferiu um processo anti-truste contra o Facebook. Sua justificativa: as aquisições do Instagram e do WhatsApp ocorreram há 9 e 7 anos atrás, respectivamente. Por que somente agora os promotores resolveram apresentar queixa? Os negócios, à época, passaram pelo escrutínio das autoridades concorrenciais, que deram o seu aval.

Das Big Techs, o Facebook talvez seja a empresa mais polêmica, pois o coração de sua operação é conteúdo. Por isso, precisa lidar com coisas como algoritmos e censura. Além disso, depois da morte de Steve Jobs e da aposentadoria de Bill Gates e de Jeff Bezos, Mike Zuckerberg está praticamente sozinho no posto de fundador controvertido de empresa de tecnologia, tendo como único concorrente Elon Musk.

Por mais que seja uma empresa no olho do furacão das disputas políticas globais e com um fundador controvertido, o Facebook atingiu o valor de mercado de U$ 1 trilhão. Por que? Destaquei um trecho de uma outra reportagem, sobre os influencers do mercado de finanças pessoais. O trecho é uma declaração de Gustavo Cerbasi, que afirma ser “obrigado” a investir em publicidade nas redes sociais, senão deixa de aparecer e não consegue crescer organicamente.

É isso. Você está lendo este post no Facebook, depois vai dar uma passeada no Instagram e trocar umas mensagens no WhatsApp. Sem perceber (ou percebendo), será alvo da publicidade paga por pessoas e empresas que “não podem deixar de aparecer nas timelines”. Pode-se questionar se isso vale 1 trilhão de dólares. Os investidores do Facebook acham que sim.

O Facebook não é o Twitter

O Facebook não é o Twitter.

No Twitter, você pode se esconder atrás de um pseudônimo e falar o que quiser sem se expor pessoalmente.

Já no Facebook, você tem nome e sobrenome, tem família, tem amigos e tem uma história. Suas opiniões são suas, não de um pseudônimo.

Acabei de bloquear um sujeito aqui. Comentou em um dos meus posts de maneira agressiva. Fui olhar o perfil: nome esquisito, não tem foto, não tem descrição do perfil.

Quem me acompanha sabe que não fujo do contraditório e aceito que opiniões contrárias à minha permaneçam na minha timeline. A não ser, claro, que sejam grosserias gratuitas.

Todos são bem-vindos aqui. Desde que tenham nome e sobrenome. Quer se esconder? Vai para o Twitter.

O clique é soberano

Há alguns dias, ficamos sabendo que o Departamento de Justiça dos EUA estaria preparando uma ação antitruste contra o Google, que seria forçado a vender o seu navegador Chrome. Lembrei-me de outra aplicação famosa da lei antitruste.

Em 1984, a então gigante e quase monopolista AT&T foi obrigada a se desmembrar em 7 companhias regionais, as chamadas “Baby Bells”, em homenagem ao fundador da AT&T, Alexander Graham Bell, o inventor do telefone.

Esta lembrança só reforça a minha percepção de que esta lei foi feita para uma economia que está, aos poucos, perdendo relevância. Dividir a AT&T fazia todo sentido: afinal, oferecer infraestrutura telefônica envolvia investimentos massivos em capital e localização geográfica, fazendo com que a barreira de entrada fosse não só gigantesca, mas, em alguns casos, impossível de ultrapassar. Basta lembrar que a AT&T também controlava a Western Electric, a maior fabricante de equipamentos de telefonia do país. Então, não havia por onde entrar, dado que a companhia era, ao mesmo tempo, a maior vendedora e a maior compradora de infraestrutura de telecomunicações. Vale lembrar que as 7 companhias são hoje 3. A lógica econômica acaba falando mais alto.

O que temos no caso do Google? Um software. Não há barreiras físicas. O mercado está aberto para qualquer empresa que queira encarar os investimentos necessários para fazer um bom motor de buscas ou um bom navegador. Quem manda é o clique do usuário.

O interessante é que o Google desenvolveu o Chrome do zero e conquistou o mercado do então dominante Explorer, da Microsoft. Quando o Chrome foi criado, em 2008, a Microsoft estava sob supervisão antitruste desde 1998 por parte do governo norte-americano, pois o Windows trazia como navegador-padrão o Explorer. Esta ação antitruste acusava a gigante do software de monopolizar a indústria de navegadores, prejudicando concorrentes menores, notadamente o Netscape. Como se o usuário não pudesse trocar o seu navegador com um clique, como atualmente o faz para mudar do Edge (o novo navegador da Microsoft) para o Chrome. Aliás, até hoje o Windows traz o navegador da Microsoft como default, mas é o Google que está sendo acusado de monopolista. A ação antitruste contra a Microsoft terminou em 2013, pois perdeu o sentido.

Essa discussão toda chama-me a atenção para outro ponto que tem causado o furor dos defensores da concorrência com base nos parâmetros do século XX: a compra, pelo Facebook, do Instagram e do WhatsApp. Seria uma forma nada sutil de acabar com a concorrência em nichos nascentes. Interessante que o Google construiu o Chrome do zero, mas é acusado da mesma forma, o que me leva a concluir que dá na mesma comprar concorrentes ou desenvolver soluções do zero.

Alguns dirão que comprar concorrentes elimina uma concorrência futura indesejável. Quem disse? Quem pode afirmar que aquelas empresas nascentes seriam concorrentes de peso se o Facebook resolvesse desenvolver suas próprias soluções internas? Quem disse que as decisões empresariais de Instagram e WhatsApp lhes garantiriam o sucesso que têm hoje, e não a lata do lixo da história reservada a milhares de empresas que tentaram ser o “próximo Facebook”? Sinceramente, acho mais provável que Instagram e WhatsApp sejam o que são hoje justamente porque foram comprados pelo Facebook.

Enfim, tudo isso me parece uma discussão paleozoica, em um mundo onde o usuário tem total domínio e liberdade sobre o serviço que quer usar ou deixar de usar. Ações antitruste são inócuas em um mundo onde o clique é soberano.

O falso dilema das redes

Está bombando nas redes o documentário da Netflix “O dilema das redes”, onde ex-empregados de empresas de tecnologia (Google, Facebook e Twitter) atacam o modelo de negócios dessas empresas.

Em resumo, é o seguinte: essas empresas usam ferramentas de inteligência artificial para maximizar o efeito da publicidade. São empresas que vivem da publicidade e, portanto, ganham mais quanto mais cliques seus anúncios recebem.

O número de cliques é diretamente proporcional a dois fatores: tempo de exposição e segmentação precisa. Quanto mais longo for o tempo em que o indivíduo fica exposto ao software, e quanto mais certeira for a segmentação, maior a chance de um determinado anúncio ganhar um clique.

Qual a novidade? Por que o buzz a respeito do assunto?

A publicidade sempre existiu, desde que o capitalismo de consumo de massa se estabeleceu entre nós. As técnicas de publicidade evoluíram com o tempo, basta comparar anúncios de algumas décadas atrás com os atuais.

Também a segmentação evoluiu. Revistas e jornais são oferecidos para os anunciantes com a definição de seus público-alvo. Malas-diretas chegam (chegavam) nas casas das pessoas com determinado perfil. Lojas fazem promoções entre seus clientes de acordo com aquilo que compraram.

As redes sociais (vamos chamar assim, embora o Google e a Amazon não o sejam) levaram a segmentação ao estado da arte, ao usar Big Data para identificar os seus usuários. O que você escreve em um e-mail, as páginas que você visita, o que você comprou um dia, tudo alimenta algoritmos de inteligência artificial, procurando adivinhar a sua próxima necessidade. Isso é bom ou ruim?

Isso não é bom nem ruim. Isso é técnica de publicidade, como sempre foi. Claro, há os que acham a publicidade um instrumento do demônio, por incitar o consumismo. Se você é uma dessas pessoas, então o problema não são as redes sociais, o problema é a publicidade em si. Se você, por outro lado, entende que a publicidade é a alma do capitalismo, então deveria aceitar numa boa a sua evolução em direção a uma maior efetividade.

Mas há a questão da privacidade. Uma coisa é você assinar um jornal ou uma revista com anúncios. Outra bem diferente é um software de inteligência artificial “roubar” os seus dados e comercializá-los.

Aí que está o ponto. Acho que hoje nem o mais ingênuo dos usuários pensa que o seu uso das redes sociais não gera dados que serão usados para caçar cliques. As pessoas usam as redes sociais “sem pagar nada”. Mas, como já dizia Milton Friedman, não existe almoço de graça. Portanto, o uso dos dados pessoais é o preço cobrado para usar as redes sociais. Se a pessoa não está disposta a pagar este preço, não deveria usar. Ponto. Revoltar-se contra o modelo de negócios das redes sociais é inútil. Esperar por uma regulamentação governamental, também. No limite, se a regulamentação realmente coibir o uso de dados pessoais para segmentação da publicidade, o negócio das redes sociais acaba. E aqueles que não se importam de receber publicidade segmentada ficarão sem o serviço.

Pergunta: quanto você pagaria por uma assinatura mensal do Google ou do Facebook para não ter seus dados comercializados? Haveria assinantes suficientes para pagar a conta? Jornais e revistas cobram assinatura e nem por isso deixam de ter anúncios. Qual teria que ser o valor da assinatura para evitar a necessidade de anúncios?

O último ponto, e que reputo o mais importante, é o vício. Acho que este é o ponto nevrálgico da questão, mais ainda do que a privacidade dos dados. Mas este não é um problema apenas das redes sociais. Todos os veículos de comunicação trabalham arduamente para manter a audiência. Procuram usar técnicas para prender o usuário o maior tempo possível diante da tela ou do papel. Não é diferente com as redes sociais. Isso é inerente a qualquer mídia que trabalha com anunciantes.

A diferença, neste caso, está na acessibilidade. O problema é que as redes sociais estão disponíveis nos celulares. E o celular está perto de você 100% do seu tempo. Este é o real problema. Na verdade, se precisássemos sentar na frente do computador para navegar, a coisa não seria muito diferente da TV, ainda que existam pessoas viciadas em TV. Mas o fato de carregar o celular conosco o tempo inteiro faz com que o vício se torne muito mais fácil. É como deixar um copo de pinga 100% do tempo ao alcance de um alcoólatra.

Este é um problema sério e que merece a nossa atenção. Não tem muito o que se possa fazer aqui, a não ser apelar para o autocontrole. Alguns truques ajudam, como, por exemplo, desligar as notificações. De vez em quando também é útil adotar períodos sabáticos, em que nos afastamos completamente das redes. Na verdade, do celular. Refeições em família sem os respectivos celulares também ajudam muito. Tudo isso é tanto mais difícil quanto mais estivermos viciados. O que torna a coisa ainda mais importante.

Note que o problema não são as “redes sociais”. Assim como o álcool, as redes sociais são bem úteis quando usadas com moderação. A comparação com cocaína é algo completamente desproporcional e inadequado. Não há reações químicas no cérebro que nos tornam escravos físicos do “vício em redes sociais”. Acredite, não temos “síndrome de abstinência” quando deixamos de usar as redes sociais. A comparação com o álcool ou com o cigarro é um pouco mais próximo da realidade. É possível usar com moderação.

Por fim, considerações sobre “ameaças à democracia” e “discursos de ódio” supostamente facilitadas pelas redes sociais são apenas mais uma forma de discurso político. Vivemos, no século XX, muitas “ameaças à democracia” e “discursos de ódio” sem o auxílio das redes sociais. Trata-se de uma confusão, proposital ou não, entre meio e mensagem. Acabar com as redes sociais não acabará com as mensagens de ódio. Elas apenas mudarão de meio. Culpar as redes sociais por supostos ataques à democracia é um meio fácil de deslocar a culpa da própria incompetência em transmitir uma mensagem alternativa que ganhe mentes e corações. Afinal, as redes sociais estão aí para todos, basta usar.

PS.: não é à toa que a Netflix tenha produzido este documentário. Ela também está na briga pela sua audiência, não se esqueça. E cada minuto a menos no Facebook significará potencialmente um minuto a mais na Netflix. Não tem santo nessa história. Todos estão em busca do seu olhar.