Depoimento histórico

Os mais antigos vão lembrar: nos anos 90, a Microsoft foi acusada de “práticas monopolistas” por entregar o seu navegador Explorer junto com o Windows. Na época, Yahoo e Netscape brigavam com o Explorer palmo a palmo por esse mercado. Hoje, mais de 20 anos depois, o Chrome, que nem sequer existia na época, domina esse mercado. Yahoo e Netscape são sombras do passado e o Explorer foi substituído pelo Edge na 342a tentativa da Microsoft de destronar o navegador do Google.

Curiosamente, a Microsoft não estava entre os depoentes do “depoimento histórico”, na chamada grandiloquente do jornal. E é curioso porque o seu sistema operacional Windows e seu pacote Office detém uma considerável fatia dos seus respectivos mercados. O que nos faz concluir que a preocupação dos nobres parlamentares não está em supostas práticas monopolistas, mas em algum outro lugar. Mas não é esse o objetivo deste post.

O ponto que quero fazer é que não há setor econômico mais aberto à competição do que o de tecnologia. Claro, isso não significa que qualquer Zé Mané pode competir com o Google desde a garagem da sua casa. São precisos milhões, ou até bilhões de dólares de investimentos até chegar lá. Meu ponto é que qualquer um com uma boa ideia e capacidade de convencimento tem à sua disposição bilhões de dólares para alavancar a sua ideia, em um mercado de capitais ávido por encontrar o próximo Facebook ou o próximo Google. Todos esses gigantes nasceram na garagem de casa ou no dormitório da universidade, e desafiaram outros gigantes da tecnologia.

Este mercado é absolutamente aberto porque está ao alcance dos dedos dos usuários. Ninguém, absolutamente ninguém, impede que você teste outros navegadores, outras redes sociais, outros serviços de entrega. Os atuais líderes de mercado precisam suar continuamente a camisa para manter a experiência do usuário em alto nível, pois sabem que um competidor pode rouba-lo a qualquer momento. Eles próprios fizeram isso.

Lembro como se fosse hoje. Era 1999, estava eu trabalhando no escritório, quando veio um colega e digitou no meu computador “Google.com”. Apareceu uma tela branca, com apenas uma linha no meio para digitar a busca (basicamente o que se tem ainda hoje). Um choque para quem, como eu, estava acostumado com a aparência carnavalesca da página do Yahoo. Aquilo me cativou imediatamente. Meu amigo falou: “preste atenção, esse é o futuro”. Profético.

O Google conquistou o mercado com um produto melhor. Assim como o Facebook desbancou o Orkut. E, daqui a 20 anos, outras empresas estarão no lugar dessas. No final do dia, é o consumidor que decide quem vive e quem morre, como em uma arena romana.

O tal do “depoimento histórico” nada mais foi do que o tributo que a genialidade precisa pagar para a mediocridade. Um dia de trabalho perdido na vida desses empresários, que poderia ter sido empregado para agregar valor aos consumidores. Ayn Rand na veia.

Popularidade nas redes

10 milhões no Facebook e 6 milhões no Twitter é bastante gente. Mas é natural: afinal, trata-se de um presidente da república, e não de um presidente qualquer, mas de um com alta popularidade e que construiu sua campanha eleitoral (e vem governando) através das redes sociais.

Mas esses números são colocados em contexto quando comparados aos de Dilma Rousseff, uma ex-presidente que saiu escorraçada do Palácio do Planalto, com popularidade no nível das Fossas Marianas, fora do poder há mais de 3 anos, que obteve um vexaminoso 4o lugar para a eleição do Senado em MG, e sem relevância alguma no cenário político atual.

Com esse curriulum, Dilma tem 3 milhões de seguidores no Facebook e 6 milhões de seguidores no Twitter.

Ou seja, se o presidente quer mostrar seus números nas redes sociais como uma demonstração de sua popularidade, precisará pensar em outro argumento.

Sinais da civilização humana

Acabo de receber lembrete de aniversário do Facebook de um amigo que já faleceu.

Quando a civilização humana tiver chegado ao seu inevitável fim e a Terra for visitada por alienígenas em busca de civilizações passadas, os lembretes de aniversário do Facebook serão o único testemunho de nossa existência.

Apoio à democracia cresce no Brasil

Oh! Surpresa das surpresas! Cresceu o apoio do brasileiro ao sistema democrático depois da eleição de Bolsonaro!

Quem lê as “análises” dos “especialistas” chegará à conclusão de que estamos à beira da implantação de um regime totalitário. Mas, vejam só: com Bolsonaro, cresceu o apoio popular à democracia. Como se explica? Simples.

As pessoas, de maneira geral, querem resolver os seus problemas. O regime politico que tornará isso possível pouco importa. Na medida em que as condições de vida pioraram e um esquema gigantesco de corrupção veio à tona, o sentimento geral foi de impotência, diante de uma máquina que tinha como único objetivo alimentar-se a si mesma. Neste contexto, a eleição de Bolsonaro foi vista por uma parcela da população como uma solução possível (um outsider) proporcionada pelo sistema democrático. Assim, a democracia demonstrou que pode encontrar solução para os problemas do povo, sem precisar lançar mão de alternativas autoritárias. Portanto, ganhou apoio.

Bolsonaro tem, portanto, uma grande responsabilidade: continuar demonstrando que a democracia é o pior sistema de governo, com exceção de todos os outros, como disse Churchill. Estará à altura do desafio? Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Nota curiosa: a mesma pesquisa mede a credibilidade das instituições. O Facebook aparece como a segunda instituição menos confiável, só perdendo para os partidos políticos. Nada menos que 81% dos pesquisados dizem não confiar na rede social. Esse número é de 56% quando se trata dos meios de comunicação como um todo. Ou seja, por mais que se queira dizer que o futuro está nas redes sociais, a credibilidade da imprensa editorial ainda não encontrou substituta. As pessoas sabem que o papel (no caso, o computador) aceita tudo, e que comparar rede social com jornal é o mesmo que comparar Wikipédia com a Enciclopédia Britânica. Por isso, a responsabilidade da grande imprensa na sustentação da democracia também é imensa.

O Facebook usa os seus dados. Assim como toda a indústria de publicidade.

Editorial do Estadão diz, horrorizado, que o Facebook usa os dados do usuário “mesmo contra a sua vontade” para, vejam só, “ganhar dinheiro”.

Não lembro de ter tido a opção de assinar o Estadão “sem anúncios”. Eles vêm junto com a assinatura do jornal quer eu queira, quer não. Recebo um monte de anúncios “contra a minha vontade”.

Da mesma forma, o Facebook não dá a seu usuário a opção de não utilizar seus dados pessoais para receber seus anúncios. Ocorre que os smartphones vêm com um mecanismo para bloquear o GPS de certos aplicativos para os quais o usuário não deseja franquear a sua localização. O que Zuckerberg afirmou é que o Facebook tem condições de saber a localização do usuário por outros meios. O importante aqui é notar que, em momento algum, o Facebook permite que o usuário escolha não compartilhar os seus dados. Seria um suicídio empresarial, assim como um jornal que desse a opção de um jornal “sem anúncios” para o seu assinante.

– Ah, mas é diferente. O jornal não usa os dados pessoais dos seus leitores, os anúncios vão simplesmente encartados no jornal para quem o compra.

O jornal usa os meus dados pessoais sim. Ao vender espaço publicitário, o jornal descreve o seu leitor: classe A-B, nível universitário, morador preponderantemente dos bairros X, Y, Z. O Facebook faz exatamente a mesma coisa, segmenta os seus usuários com base em seus dados, só que com muito mais eficácia.

O Facebook é um aplicativo “gratuito”. E, a essa altura do campeonato, devem ser muito poucos os que acreditam que a gigante das redes sociais seja uma entidade filantrópica, em que seus funcionários vivem de água e luz. Todo mundo sabe que seus dados são o preço para usar “gratuitamente” a ferramenta, assim como sabem que a publicidade do jornal é o que paga o salário dos jornalistas.

Para aqueles que se sentem incomodados em compartilhar os seus dados, a solução é simples: deixe de usar o Facebook e qualquer outra rede social, da mesma forma que um assinante incomodado com os anúncios pode deixar de recebê-los ao deixar de ler o jornal. É sempre melhor o usuário decidir o que fazer do que o governo decidir por ele.

Escravo por livre e espontânea vontade

Eugênio Bucci, que faz parte daquele universo mágico chamado “petismo ilustrado”, nos brinda hoje com um artigo desancando os “conglomerados digitais”, que estariam nos “escravizando” para extrair e comercializar nossos dados. E não estaríamos recebendo um tostão furado por isso!

O professor Eugênio faz uma confusão danada.

Primeiro, porque coloca no mesmo balaio empresas como Facebook e Google de um lado e Microsoft e Amazon do outro. Parece que o critério foi tão primitivo quanto “tudo o que funciona no computador e está entre as 10 empresas mais valiosas da bolsa”. Ora, Microsoft e Amazon não trabalham no ramo de “extrair dados” para “vendê-los”, ainda que efetivamente usem dados dos seus usuários para vender os seus produtos. Mas grandes empresas varejistas, desde bancos até lojas de materiais de construção, fazem a mesma coisa! Usam dados dos seus clientes para vender-lhes seus produtos! Ou você acha que seus dados no Bradesco, na C&A ou no MasterCard estão lá à toa, sem trabalhar para essas empresas?

Facebook e Google têm outra natureza: são empresas que vivem de vender os dados de seus usuários para fins de publicidade. Nesse sentido, são semelhantes aos jornais e revistas onde o professor Eugênio extrai o seu ganha pão. A imprensa nada mais é do que vender o olhar dos seus leitores, ouvintes e telespectadores para fins de publicidade. É o exato mesmo que fazem Google e Facebook. Mas, a exemplo de várias outras áreas, os “conglomerados digitais” conseguem fazê-lo de maneira muito mais eficiente. Será essa a bronca do professor Eugênio?

Parece-me que o grande problema do professor Eugênio não são realmente os dados. Seu artigo tem o tom de “olha aí, otário, o que estão fazendo com você!” para disfarçar sua verdadeira preocupação: o poder de espalhar “fake news” e, assim, envenenar a democracia elegendo governantes autoritários. Seria mais honesto dizer “perdemos o controle e deixamos que se elegesse o Trump e o Bolsonaro”.

Sobre “fake news”, lembrei de uma história. Tenho um colega de trabalho baiano, cuja família mora no interior da Bahia. Durante a campanha eleitoral de 2014, ele foi passar as férias com a família. Voltou dizendo que Aécio não tinha chance no Nordeste. Carros de som passavam na rua, dizendo que o Aécio ia acabar com o bolsa família. O que faz o desespero desse pessoal é que acabou o monopólio das “fake news”. Entrou um contendor no jogo disposto a usar as mesmas armas que o PT usou desde sempre, tendo como aliado uma tecnologia que atinge milhões de maneira muito mais eficiente. Não é à toa que o PT só ganhou nos grotões.

Olha professor Eugênio, não sou escravo. Escrevo no FB como uma espécie de higiene mental, compartilhando meus pensamentos com quem queira, livremente, escuta-los. Zuckerberg nos proporcionou uma ferramenta de influência, mesmo que seja em relação a meia dúzia de gatos pingados. A mágica está em que qualquer um escreve, e seu círculo de leitores será do tamanho da qualidade do que escreve e não da boa vontade de um editor.

Não estou aqui condenando a imprensa editorial, longe disso. O jornalismo profissional, com todos os seus defeitos, continua sendo essencial para a democracia. O que temos agora, no entanto, é a convivência com outra forma de se espalhar e debater ideias, mais descentralizada. Ambas devem conviver em um ambiente democrático.

Ao citar Elizabeth Warren em sua análise, o professor Eugênio deixa claro qual é o verdadeiro problema: o capitalismo, que cria “conglomerados” que dominam as vidas das pessoas e não deixam o Estado fazer esse controle. Há um ranço contra essas empresas que não fazem coisas concretas (tipo roupas e carros) e valem trilhões na bolsa. Warren quer terminar com isso. Afinal, onde já se viu ganhar dinheiro fazendo coisas que as pessoas querem comprar?

Libra, a nova moeda do Facebook

A moeda do Facebook, que receberá o nome de Libra, começará a circular a partir do ano que vem.

Em princípio, nada demais. Trata-se de uma unidade de conta que poderá ser usada para adquirir produtos no ambiente virtual. Funciona mais ou menos como o dinheiro das festas juninas: você vai no caixa, troca seus reais pelo “dinheiro de festa junina” e, com esse “dinheiro”, compra a comida e os jogos na festa. A “moeda” só vale dentro daquele ambiente.

O desafio começa a surgir no estabelecimento da taxa de câmbio. Na festa junina, não tem dúvida: cada unidade da “moeda de festa junina” vale R$1,00. Sempre, por definição. Por outro lado, quantos reais (ou dólares, ou euros) valerá uma libra?

Em princípio, para não dar margem a arbitragens, cada libra deve valer o equivalente ao lastro que lhe deu origem. Ao contrário do Bitcoin, que não tem lastro, é um dinheiro criado “do nada” pelos mineradores, as Libras serão criadas em troca de dinheiro de verdade, moedas nacionais. Assim, digamos, por hipótese, que 100% das libras tenham sido criadas com o aporte de dólares. Ou seja, 100% das pessoas que foram no guichê do Facebook para comprar Libras, o fizeram com dólares. Neste caso, cada Libra vale US$1,00, com o FB funcionando como uma grande festa junina, em que os dólares são substituídos por Libras.

Mas, obviamente, o lastro não será formado somente por dólares. Haverá outras moedas, provavelmente em proporção à sua importância nas transações globais. Dólares e Euros deverão dominar, seguidos por ienes, libras esterlinas, francos suíços e iuans. A taxa de câmbio para Libras, portanto, deverá ser formada pela composição dessas moedas no lastro da Libra.

Mas isso só vai acontecer se houver ampla publicidade da cesta de moedas que forma o lastro da Libra. Caso contrário, estará aberta a possibilidade de arbitragens com alto potencial de lucro para quem possuir essa informação (o Facebook e o seu consórcio), comprando a cesta de moedas e vendendo Libras, ou vice-versa, a depender da distorção criada.

Por enquanto é isso. Como toda tecnologia, a Libra pode criar vida própria, assumindo papéis e facilitando processos que hoje não conseguimos visualizar, a ponto de substituir com vantagens as moedas nacionais. Quando a Internet foi criada, não passava de uma forma de comunicação interna dentro das universidades. Os seus criadores não imaginavam o seu potencial. Hoje, da mesma forma, a Libra não passa de “dinheiro de festa junina”. Mas o seu potencial ainda é desconhecido.

Quem vai pendurar o guizo no pescoço do gato da censura

Ninguém se torna um bilionário em poucos anos sendo um idiota. Zuckerberg definitivamente não é um idiota.

Com o Facebook no olho do furacão da guerra contra “conteúdos violentos” e “discursos de ódio”, Zucka manda a bola para o campo adversário e pede “regras claras” do que pode e do que não pode ser publicado. Pede “regulação de conteúdo”.

Zuckerberg sabe que está pedindo o impossível, em uma sociedade onde a “liberdade de expressão” é cláusula pétrea. Ardilosamente, joga no colo dos reguladores a tarefa de definir a fronteira entre politicamente correto e liberdade de expressão.

O desabamento das torres gêmeas em 11/09/2001 deu início a uma ofensiva sem precedentes do governo americano contra prerrogativas de privacidade do cidadão americano em nome da segurança nacional. Não demorou para que começasse um movimento de proteção dessas prerrogativas, colocando o governo em uma posição delicada entre segurança e privacidade. A fronteira ainda hoje é objeto de debate.

Os governos querem que o Facebook censure conteúdos impróprios. O que Zuckerberg está dizendo é que terá o maior prazer em fazê-lo, desde que não seja ele quem defina o que seja “conteúdo impróprio”. Bola no campo dos governos.

Não adianta chorar depois

Derrubaram uma série de páginas no Facebook.

Ainda bem que a Internet é livre. O que significa dizer que qualquer um pode montar uma página (o registro do domínio custa R$40/ano e um bom serviço de hospedagem custa uns R$500/ano) e sair por aí divulgando suas ideias.

Ninguém depende exclusivamente do Facebook para se fazer ouvir na rede.

Ocorre que o Zucka conseguiu montar uma plataforma que centralizou o tráfego de ideias. Parte relevante das discussões sociais, políticas, econômicas, passam hoje pelo FB. Montar uma página solitária e tentar ser ouvido na rede é uma tarefa hercúlea. No entanto, como certa vez li em um blog especializado em blogs, se você quiser criar sua própria audiência sem ficar nas mãos de plataformas alheias, não use atalhos: faça sua própria página. É mais difícil, mas você fica dono do seu destino.

Montar uma página no Facebook significa colocar seu destino nas mãos do Zuckerberg. Os critérios dele dominam, não os seus. Ele vai colher as consequências de suas próprias decisões, porque a plataforma é dele.

Há algum tempo, defendi aqui mesmo o direito do Zucka usar os dados dos seus clientes. Afinal, o serviço é “de graça”, mas custa muito para ser mantido, e é preciso ser pago de alguma maneira. Concluí que a melhor forma de proteger os seus dados é não usar o FB, ou talvez usar uma versão paga, onde os dados estariam realmente protegidos.

Da mesma forma: não quer ter sua página derrubada de acordo com critérios obscuros? Monte sua própria página e siga em frente. O Facebook oferece uma plataforma muito mais prática? Então saiba que seu destino está nas mãos do Zucka. Não adianta chorar depois.

Não existe nada grátis

Tinha um conhecido que foi dono de uma agência de publicidade em uma cidade média do interior paulista lá pelos idos da década de 90. Contava ele que, certo dia, foi à prefeitura da cidade para algum procedimento burocrático, onde conheceu um rapaz do departamento de obras da cidade. Papo vai, papo vem, descobriu que o rapaz tinha acesso ao banco de dados de todos os munícipes que entravam com pedido de autorização para fazer alguma obra. Logo percebeu a oportunidade e propôs o negócio: o rapaz lhe franqueava o acesso a esta lista em troca de uma “ajuda de custo”. Com a lista em mãos, este meu conhecido mandava mala-direta para as pessoas da lista com propaganda de materiais de construção. Não sei que fim teve este negócio, mas lembrei-me dessa história ao tomar conhecimento do “escândalo do Facebook”.

O paralelo parece perfeito: ingênuos usuários do serviço deixam seus dados sob a guarda da empresa, mas esta se aproveita de seu acesso privilegiado a estes dados para “monetiza-los” (como se diz no jargão das fintechs).

Mas a semelhança é apenas superficial. Os cidadãos, ao entregar seus dados a órgãos públicos, o fazem de maneira compulsória. Caso não o façam, podem sofrer os rigores da lei. E os órgãos públicos têm a óbvia obrigação de manter esses dados sob sigilo.

Coisa semelhante ocorre quando somos clientes de um banco, loja ou prestadora de serviço: apesar de não ser compulsória, esta relação é comercial: pagamos pelo serviço, e esperamos que nossos dados pessoais não sejam parte desse pagamento. Ou seja, esperamos que o preço do produto ou serviço adquirido seja o suficiente para quitar esse produto ou serviço. Portanto, ao vender os dados a terceiros, este banco, loja ou prestador de serviço estaria auferindo receita indevida, não prevista em contrato.

Aí está, em minha opinião, o cerne do imbróglio envolvendo o Facebook e, por extensão, todos os serviços “gratuitos” disponíveis na Internet.

Tenho vários amigos que usam, por exemplo, o GuiaBolso, um programa de controle de orçamento, por ser “gratuito”. Eu digo a eles: não existe nada “de graça”. NADA. De alguma maneira, o aplicativo precisa gerar lucro. Como certa vez li em algum lugar, “se você não está pagando pelo produto, então o produto é VOCÊ!”.

Todos esses serviços “gratuitos” na Internet (e o Facebook é o maior deles) vivem de vender (ou “monetizar”) os dados dos seus usuários.

O Facebook faturou US$40 bilhões em 2017. Isso significa US$20 para cada um de seus 2 bilhões de usuários. Pergunta: você estaria disposto a pagar uma anuidade de US$20 para usar o Facebook? Alguns talvez, a maioria, provavelmente, não. Imagine que o Facebook de fato disponibilizasse ferramentas para preservar TODOS os seus dados e que todos os usuários fizessem uso dessas ferramentas. No limite, o Facebook perderia o grande diferencial que tem sobre a mídia tradicional: a segmentação. Na verdade, ficaria ainda pior que a mídia tradicional. Nesta, pelo menos, sabemos mais ou menos o público-alvo. Imagine uma grande base de dados sem segmentação por renda, por gostos, até por países! Imagine você recebendo publicidade de empresas de Botswana, porque o banco de dados não sabe em que país você está!

Facebook, Google e todas as outras fintechs “gratuitas” só fazem sentido se puderem segmentar seus bancos de dados. E isso só é possível se os dados, tanto os pessoais quanto os de navegação – principalmente estes) não estiverem sob sigilo.

Zuckerberg está na linha de frente da confusão por ter a maior base de dados do mundo, mas não está sozinho nesta. O que está em jogo é o modelo de negócios das fintechs “gratuitas”. Os usuários precisam decidir: ou pagam pelo serviço ou desistem de sua privacidade. A terceira opção, gratuidade + privacidade, levará ao fechamento dessas fintechs. No caso do Facebook talvez não seja uma má ideia: minha produtividade aumentaria muito neste caso.