Um exemplo teórico da aplicação da lei das Fake News

Digamos que a chamada lei das Fake News já estivesse em pleno vigor, e um jornal de grande circulação (o Globo, por exemplo), em tese, publicasse uma manchete teórica como a que abre este post. Como se daria o processo com base na nova lei?

Os censores, quer dizer, moderadores do Facebook teriam que ficar atentos, pois trata-se de uma notícia claramente fake: não há “líderes” religiosos nem “representantes” de denominações evangélicas e da Igreja Católica. Quando se lê a notícia, fica-se sabendo que se trata de pessoas que não são líderes nem representam coisa alguma, a não ser a si mesmos. Para terem uma ideia, o “líder católico” chama-se Frei Lorrane, da Ordem Franciscana dos Frades Menores. Representante da Igreja Católica?

Com a lei em vigor, o Facebook deveria imediatamente remover o meu post, para que tal mentira não se propagasse. Seria, de fato, um belo serviço em prol da verdade.

Detalhe: como a lei das Fake News atinge somente as “Big Techs”, a notícia fake original restaria intacta nas páginas do grande jornal.

PS.: a avaliação sobre a veracidade da notícia é de minha e exclusiva lavra. No caso, obviamente, não seria válida, precisaríamos que a Anatel (?!?) se pronunciasse a respeito.

Vício de origem insanável

Se eu não tivesse lido uma reportagem ontem sobre o assunto, não teria notado que o Google havia colocado um discreto link em sua página inicial de buscas para um texto em que coloca a sua visão sobre o PL das Fake News. O link é discreto mesmo, precisa se esforçar para vê-lo.

A não ser que o relator do projeto, Orlando Silva, tenha informações sobre pagamento de mesada para deputados por parte do Google, no estilo Mensalão, talvez seja um pouco exagerada a expressão “nunca vi tanta sujeira política” usada pelo deputado.

O tal link foi suficiente para o ministro da Justiça, Flávio Dino, acionar a Secretaria Nacional do Consumidor, enquanto o senador Randolfe Rodrigues pede que o CADE (?!?) multe a empresa. Se os dois próceres do governo petista estão fazendo isso contra o Google sem lei alguma, imagine quando tiverem a faca, o queijo e a lei na mão.

O PL das Fake News pode ter toda a boa intenção do mundo, mas nasce com um vício de origem insanável: é patrocinada pelo governo do PT, um dos lados pela disputa do pós-verdade. Qual a confiabilidade que se pode ter nas intenções de um governo que cria um site de propaganda de si mesmo e chama a isso de “combate às fake news”?

Os grandes jornais publicaram editoriais a favor da aprovação do PL das Fake News, defendendo o seu modelo de negócios. Qual é exatamente o problema de o Google fazer o mesmo em sua página? Os deputados estão abertos à pressão da sociedade, como em todo regime democrático. Cada um, assim como cada cidadão, formará a sua opinião depois de expostos aos diversos pontos de vista. O chororô de Orlando Silva faz parte do jogo. Já a truculência de Flávio Dino e Randolfe Rodrigues, ameaçando uma empresa privada com a máquina do Estado pelo simples fato de externar sua opinião, mostra bem o ânimo desse pessoal.

A agência de checagem governamental: bem-vindo à URSS

O governo federal acaba de lançar uma “plataforma de checagem de informações“, no melhor estilo “agência de checagem”, com direito a um filmete de apresentação de 1 minuto (coloquei o link nos comentários).

Antes de entrar na “plataforma” propriamente dita, vale comentar o filmete, pois o contraste com o conteúdo da “plataforma” é chocante.

Em um minuto, o filmete publicitário manda as seguintes mensagens:

1. Os brasileiros precisam se unir contra o ódio

2. Informações falsas podem destruir a democracia

3. Informações falsas podem destruir famílias

4. Informações falsas podem destruir reputações

5. Informações falsas podem destruir vidas

6. É hora de frear o ódio

7. É hora de parar de repassar informações falsas

8. Quem espalha fake news, espalha destruição

Tudo isso embalado em muito choro, sorrisos, abraços, enfim, um clima bem emotivo.

Aí, você vai até a “plataforma”. O que você encontra? Uma série de refutações de “notícias falsas” contra o próprio governo e, claro, contra Lula.

Alguns exemplos:

“É falso que governo Lula mandou desligar bombas do São Francisco”

“É falso que ministério da Fazendo vai taxar setor de games”

“É falso que Lula levou mais de 400 presentes da Presidência”

E por aí vai. Tem espaço, inclusive, para “esclarecimentos” do governo. Por exemplo:

“Governo Federal esclarece sobre live com primeira-dama em canal no youtube”

“Esclarecimentos sobre os dados de desmatamento na Amazônia Legal jan/fev 2023”

Vários desses desmentidos são reproduções de levantamentos já anteriormente feitos por agências de checagem. Fica a questão: o governo irá reproduzir todos os desmentidos, ou somente aqueles que lhe interessam?

Alguns “esclarecimentos” são mero pretexto para exercer a hagiografia do presidente. Por exemplo:

“Presidente não disse que pobre deve esperar ajuda do governo.

A frase tirada de contexto, em vídeos editados postados em redes sociais, transmite uma ideia que não condiz nem com o legado e nem com a missão do presidente Luíz Inácio Lula da Silva”.

E, finalmente, como não poderia deixar de ser, não falta espaço também para fake news. Por exemplo, quando a “plataforma” refuta a notícia de que Ludmila teria recebido R$ 5 milhões da Lei Rouanet. Na verdade, foi a Lei do Audiovisual, mas a frase que finaliza o esclarecimento é fake: “Vale lembrar que nem a Lei do Audiovisual e nem a Lei Rouanet têm recursos transferidos diretamente do Tesouro previstos no Orçamento. Ou seja: o governo não tira dinheiro de outras áreas para financiar a cultura do país”. A verdade é que tira sim: isso se chama “gasto tributário”, em que o governo abre mão de impostos para fomentar alguma política pública. E “gastos tributários” estão previstos no orçamento. Se não fosse gasto, estaria criada a fonte da eterna juventude, em que se pode ter todos os bens do mundo sem gasto nenhum.

Em resumo: para quem acreditou no filmete, e esperava, finalmente, um Brasil livre das fake news, onde o leite e o mel correriam livremente, recebeu uma página em que o governo se defende. É o governo determinando como as notícias sobre si próprio devem ser corretamente interpretadas. Se isso não é autoritário, então perdi o sentido das palavras.

A delicada questão da moderação de conteúdo nas redes

Entrevista com o relator do projeto das “fake news”, Orlando Silva. Não li o projeto, mas o deputado passa a impressão de que o seu núcleo consiste na responsabilização das redes sociais.

Há dois anos, escrevi um longo artigo intitulado “Redes Sociais e a busca do censor ideal”. Na época, estava ainda quente o debate sobre as eleições americanas e a invasão do Capitólio. O canal de Alan dos Santos havia sido derrubado pelo YouTube por difundir notícias de fraudes nas eleições, e a discussão era sobre o direito (ou o dever) de o YouTube fazer isso.

Naquele artigo, trago dois depoimentos, ambos coincidentes: o primeiro de Mark Zuckerberg e o segundo de Angela Merkel. Ambos concordam que os critérios de seleção de conteúdo deveriam ser do poder público e não de entidades privadas, que não teriam legitimidade para fazê-lo, principalmente quando se trata da arena política.

Não há aqui “absolutização” da liberdade de expressão. Crimes não são, obviamente, cobertos por esse direito. A questão é determinar quem será o árbitro para definir o que é ou não é crime. Na esfera jurídica, o juiz é esse árbitro que define se houve ou não crime. O que o projeto das fake news quer estabelecer, até onde pude depreender da entrevista do seu relator, é que as plataformas sejam transformadas em juízes de conteúdo, sob pena de elas mesmas serem consideradas criminosas.

Na verdade, as plataformas já fazem isso. Segundo seus termos de uso, não é permitida a postagem de conteúdos envolvendo pedofilia ou racismo, por exemplo. E há uma filtragem ativa, como demonstra a suspensão de Alan dos Santos dois anos atrás. O problema é que pedofilia é relativamente fácil de identificar. Já quando nos movemos para a arena política, a coisa fica mais nebulosa.

Orlando Silva afirma, por exemplo, que a convocação para o 8 de janeiro foi nitidamente uma incitação ao golpe de estado. Bem, essa é uma opinião do excelentíssimo deputado. Vendo as convocações, não me pareceu nada diferente das anteriores. O fato de ter descambado em violência não faz da convocação em si um ato golpista. Nessa linha, fico imaginando que as convocações para as manifestações contra Dilma também seriam taxadas de golpistas, dado que o impeachment, segundo o PT e seus aliados, foi um golpe. Quem vai definir o que é ou não é crime político? É correto exigir que as plataformas se envolvam nesse terreno pantanoso?

O problema da censura (esse é o nome) política é que não existe árbitro isento. Por isso, alguma dose de arbitrariedade sempre irá existir. A questão é qual o nível de arbitrariedade tolerável (se é que há algum nível tolerável) para que se protejam as instituições democráticas. Não se trata de uma discussão trivial, e as plataformas são o menor dos problemas.

Um conceito peculiar de democracia

Pedro Doria continua muito preocupado com a nossa democracia. Segundo o articulista, estamos ameaçados pelas fake news, que distorcem a vontade do eleitor. E as empresas de tecnologia não estariam fazendo nada a respeito, pois “não teriam qualquer compromisso com os valores democráticos”.

É curioso. Em redes bolsonaristas, a reclamação é a inversa: o Facebook estaria a serviço dos globalistas, perseguindo as “páginas de direita”.

Não é possível que as duas coisas estejam acontecendo ao mesmo tempo. Ocorre que cada um enxerga a realidade de seu particular ponto de vista, e é capaz de jurar que aquela é a verdadeira realidade. Mas, no caso, gostaria de estabelecer uma diferença fundamental entre os dois pontos de vista, independentemente de quem esteja certo sobre o que o Facebook esteja realmente fazendo. A diferença está naquilo em que cada parte DESEJARIA que o Facebook estivesse fazendo.

Pedro Doria representa uma linha que defende que o Facebook e outras redes sociais precisariam trabalhar como censores. Há algum tempo, escrevi um artigo refletindo sobre como esse problema é delicado (Redes sociais e a busca do censor ideal). Os bolsonaristas, por outro lado, querem campo livre para propagar suas “fake news”, o que, por suposto, significa campo livre para o adversário também propagar suas próprias “fake news”.

O TSE já se colocou como árbitro dessa questão espinhosa, que vem sendo objeto de análise desta página há algum tempo. Para Pedro Doria, isso não é o suficiente. As redes também precisariam atuar. Em meu artigo, reproduzo uma fala de Angela Merckel, que chama a atenção para o perigo de termos empresas privadas arbitrando o conteúdo de discursos privados. Alinho-me à ex-chanceler alemã neste ponto: o que menos precisamos é o Zucka com o poder de dizer o que podemos ou não dizer. Não para Pedro Doria. Em sua democracia, é super-natural que tenhamos um censor privado.

“Censura” é daquelas palavras proibidas, que um verdadeiro democrata não deveria nunca pronunciar, a não ser acompanhada da expressão “nunca mais”. Pedro Doria é esperto, e não usa a palavra maldita em seus textos. Mas o que propõe tem rabo de censura, focinho de censura e cheiro de censura. O seu conceito de democracia é peculiar.

O brasileiro fake

As agências de checagem já checaram: o autor do atentado nasceu no Brasil. Portanto, segundo as leis nacionais, é brasileiro.

Mas a Gutercheck também fez a sua checagem, buscando o sentido político das informações, e não a sua checagem literal e burra. Segundo a Gutercheck, o uso da palavra “brasileiro” para descrever o rapaz é inadequado e está prenhe de segundas intenções.

Imagine, por um momento, que o rapaz fosse negro. A manchete jamais seria “negro tenta matar a vice-presidente da Argentina”, apesar de a informação estar correta, segundo as agências de fact checking. O uso da palavra “negro”, ao chamar a atenção para uma característica secundária do criminoso, teria, obviamente, uma conotação política negativa.

Voltemos ao uso da palavra “brasileiro” para designar um cidadão que tem zero laços com o Brasil, a não ser a sua certidão de nascimento. É óbvia a conotação política do uso de uma característica secundária do criminoso: uma suposta violência política brasileira já estaria se espraiando por outros países da América Latina, em uma espécie de Internacional Fascista. ”Achar munição” na casa do brasileiro orna com o perfil. Só falta encontrarem posters de Hitler no quarto do rapaz.

Lembro das manifestações “pacíficas” lideradas pela esquerda, mas que acabavam em quebra-quebra. Os black-blocs, responsáveis pela violência, não tinham relação com os manifestantes. As reportagens os chamavam de “black blocs”, não de manifestantes. Hoje, pelo contrário, todos os brasileiros que não gostam da esquerda e, eventualmente, têm munição em casa, são potenciais assassinos, capazes da mais extrema violência política. Essa é a narrativa.

O “pacificador”

Jabuti não sobe em árvore, se ele está lá é porque alguém colocou.

Esse ditado é útil quando precisamos explicar algo que parece estranho. No caso, uma reportagem sobre o papel “pacificador” do ministro Ricardo Lewandowski no TSE. São dessas reportagens que um leitor experimentado de jornal se pergunta: quem colocou esse jabuti na árvore do Estadão?

A matéria é fofoca de bastidor de poder, e interessa a quem quer passar a imagem de Lewandowski como um ministro imparcial, que segurará a onda do espalha-brasas Alexandre de Moraes. Como evidência de sua isenção, a reportagem cita o fato de que Lewandowski não teria ido presencialmente à leitura do manifesto pela democracia no Largo de São Francisco, para não parecer partidário. E, pasmem, seu exemplo teria sido “seguido” pelos outros ministros. Como se Lewandowski tivesse essa ascendência toda sobre o colegiado.

(Um parênteses antes de continuar. Ironicamente, a reportagem atesta o caráter partidário do tal manifesto, ao destacar a “isenção” do magistrado. Se fosse somente pela democracia, qual seria o problema da presença do ministro? Fecha parênteses)

Coincidentemente, na página anterior, temos a decisão do TSE de mandar suspender as peças publicitárias da campanha de Bolsonaro, citando reportagem da revista Veja com o depoimento de Marcos Valério ligando o PT ao PCC.

A peça entrou na categoria de “fake news”, quando apenas repercute uma matéria da chamada grande imprensa. Efetivamente Marcos Valério disse o que disse, e cabe à campanha de Lula desmenti-lo, não ao TSE. Nessa mesma linha, por exemplo, a campanha de Lula deveria ser proibida de usar a matéria do UOL sobre a compra de imóveis com dinheiro vivo por parte da família Bolsonaro. A rigor, as campanhas deveriam estar proibidas de usar qualquer reportagem que possa denegrir a imagem de algum candidato.

A relatora do caso havia decidido liminarmente pela manutenção da propaganda. Adivinha o ministro que abriu divergência? Sim, o mesmo que lutou com incansável denodo contra Joaquim Barbosa no caso do mensalão, o mesmo que rasgou a Constituição para manter os direitos políticos da presidente cassada Dilma Rousseff, o mesmo que votou contra a prisão em 2a instância para evitar a prisão de Lula, o mesmo que votou pela suspeição de Moro e devolveu os direitos políticos a Lula. Esse é o “pacificador” da cena política nacional, segundo uma matéria que surgiu do nada.

Não há saída fora das instituições. Portanto, o Brasil precisa funcionar com essa Suprema Corte que aí está. Mas, pelo menos, os ministros poderiam nos poupar de ler reportagens plantadas como essa.

Ponto para o TSE

Creio que já deixei claro aqui meu desconforto com o papel que o TSE se autoconcedeu de “juiz da verdade” nessas eleições. Por isso, sinto-me à vontade para elogiar o TSE quando acredito que o tribunal acertou.

Refiro-me a três decisões do tribunal, duas impondo a retirada de conteúdos e uma negando a demanda. Acredito que os juízes do TSE acertaram nos três casos.

No primeiro, um áudio atribuído a Aldo Rebelo culpa o PT pela alta dos combustíveis. O problema, no caso, é que o áudio não é de Aldo Rebelo. O juiz não julgou o conteúdo em si, mas a autenticidade do áudio. Colocado na boca de um aliado de Lula, o discurso torna-se muito mais crível. Portanto, a forma importa. E a forma é falsa. Fosse Bolsonaro ou Guedes dizendo a mesma coisa, teríamos um discurso político, e o TSE não teria nada a ver com isso. Portanto, o TSE acertou neste caso.

No segundo, um vídeo de humor mostrando um advogado do PT dizendo que as pesquisas são manipuladas é apresentado como uma denúncia séria. Obviamente, trata-se de uma manipulação grosseira. O TSE, novamente, não julgou o conteúdo, mas a forma. Não existe um advogado do PT denunciando a manipulação de pesquisas. Uma coisa é alguém com nome e sobrenome fazer a denúncia, tendo o ônus de sustenta-la perante a justiça, dado que os institutos podem processar o denunciante. Outra bem diferente é um programa de humor ser apresentado como “prova” da manipulação. O TSE acertou nesse segundo caso.

O terceiro é um post de Carlos Bolsonaro, em que o filho do presidente comenta uma entrevista de Lula ao jornal El País, onde o presidente afirma que ”não vai enganar o povo mais uma vez”. Carlos, obviamente, deita e rola em cima da frase. O juiz considerou que o video de Carlos Bolsonaro pertence à esfera da luta política, dado que o ex-presidente efetivamente falou o que falou. A acusação é de “descontextualização”, como se fosse obrigação do político contextualizar a fala de um adversário. Cada um fala o que quer e depois aguenta as consequências. O juiz entendeu que não se tratava de falsidade, mas de “tom crítico ou satírico”. Mais uma vez, ponto para o TSE.

Se continuar seguindo nessa linha, o TSE terá um papel importante nessas eleições.

Checando as agências de checagem

Amigos, estou inaugurando hoje a Gutercheck, a agência de verificação das agências de verificação. Aqui você terá a leitura correta da mensagem dos candidatos, substituindo as interpretações robóticas e literais das agências por uma interpretação política. Porque acredito que a política não pode ser substituída por algoritmos.

Começamos hoje com o Estadão Verifica, que checou as informações citadas por Tarcísio de Freitas em sua sabatina no jornal.

Tarcísio: “o Brasil é o único país do mundo que cresce com deflação”

Estadão Verifica: “apesar de ter deflação em um mês, no ano temos inflação”

Gutercheck: o candidato estressou a inflação de curto prazo em seu discurso. Qualquer brasileiro sabe que temos inflação, não deflação, para isso não precisamos de agência de checagem. Ou a agência queria que o candidato do governo afirmasse que temos uma inflação de 12 meses muito alta? Para isso já temos seus adversários.

Tarcísio: “temos o melhor resultado do emprego em mais de 10 anos”

Estadão Verifica: ”em dezembro de 2014 tivemos desemprego de 4,3%, bem menor que os 9% projetados pelo candidato”

Gutercheck: em primeiro lugar, de acordo com a PNAD do IBGE, o desemprego foi de 6,6% em dezembro de 14, então nem acertar o número eles acertam. Ainda assim, menor que os 9% do candidato. Mas o ponto principal é que o candidato quis estressar que fazia muito tempo que não tínhamos um desemprego tão baixo, o que é verdade. A última vez que tivemos desemprego de um dígito foi em dezembro de 2015, ou seja há vários anos. O discurso do candidato quis enfatizar esse tempo, e usou “mais de 10 anos” como uma forma de fazê-lo. Lembremos que ele não é um professor dando aula, ele é um político procurando passar uma mensagem.

Tarcísio: “o governo Bolsonaro gerou 4,7 milhões de empregos de 2020 para cá”

Estadão Verifica: “o número correto é 3,9 milhões de empregos”

Gutercheck: na ponta do lápis, nem um nem outro estão corretos. Pra começar, “desde 2020” é uma expressão ambígua. Se considerarmos os anos de 2021 e 2022 (até junho) são 4,2 milhões de vagas. Se considerarmos o ano de 2020 na conta, são 4,4 milhões. Se considerarmos desde julho de 2020, quando a economia começou a se recuperar do pior da pandemia (que acho que é a mensagem que o candidato queria passar), são 5,6 milhões de empregos. Mas todas essas contas são bobagem. A mensagem política é que o governo Bolsonaro criou “milhões” de empregos desde a pandemia. Se foram 3,9, 4,7 ou 5,6 milhões, é irrelevante para o discurso político. A exatidão do número só importa para gente que tem na picuinha a sua razão de viver.

É isso por hoje. Até a próxima edição.

O Ministério da Verdade

Fake News. Esse assunto tem me incomodado de maneira especial.

Venho acompanhando esse affair do vídeo em que a ministra Damares Alves afirma que o governo Lula produziu uma cartilha que ensinava os jovens a usar crack. O PT entrou na justiça eleitoral pedindo a remoção do vídeo.

Eu não vi a cartilha, mas pelo que a imprensa informou, parece que a abordagem é a de “redução de danos”. Conhecemos essa abordagem: o melhor é você não usar drogas, mas se resolver usar, utilize seringas descartáveis, não compartilhe o cachimbo e coisas do tipo. Damares afirma que são orientações para o uso de drogas. O PT se defende dizendo que se trata de saúde pública.

A Procuradoria Geral Eleitoral diz o óbvio: não se trata de fake news. A cartilha existiu. A cartilha ensina como usar crack. Se isso é apologia ao uso ou redução de danos, cabe a cada um julgar. Damares inseriu a cartilha em seu discurso político, afirmando que é um absurdo tentar “reduzir danos” neste caso. Absolutamente legítimo. Trata-se de um posicionamento político, com o qual podemos concordar ou não. Mas ela não inventou nada, está lá, à disposição da interpretação de todos.

O TSE se meteu em uma armadilha que não tem saída honrosa. Será inundado de pedidos de anulação de propaganda alegando-se “fake news”, quando não passam de discurso político, em que adversários procuram aumentar seus próprios atributos e os defeitos de seus adversários, interpretando fatos concretos à luz de suas próprias percepções. O problema de querer substituir a inteligência dos eleitores por um suposto critério objetivo é acabarmos dependentes de uma verdade estatal. O TSE se transformou no Ministério da Verdade, e isto não é nada bom.