O Estadão tem agora uma sessão para desmascarar “fake news”. Na manchete da página, a condenação aos “negacionistas do clima”, aqueles que não acreditam que as alterações climáticas são causadas pela ação humana.
Nem vou aqui discutir a natureza do aquecimento global. Afinal, se há “forte consenso científico”, quem sou eu para negá-lo. Meu ponto é outro, e vou usar o exemplo do negacionismo das vacinas para ilustra-lo.
Atribuir às vacinas um risco maior do que elas efetivamente têm é um risco para a saúde pública, pois a lógica da vacinação está na máxima cobertura populacional possível. Quem se vacina, age de acordo com o consenso científico e efetivamente contribui para o fim da pandemia. Quem não se vacina, contribui para que a doença fique mais tempo entre nós. Neste caso, há uma ligação direta entre “fake news” e eficácia da política pública.
Voltemos à questão do meio ambiente. Se fizéssemos um paralelo com a vacinação, todos os que seguem o “consenso científico” deveriam estar, neste momento, evitando tudo o que, direta ou indiretamente, emite gases de efeito estufa. A gritaria em torno dos preços dos combustíveis, cuja alta deveria estar sendo comemorada por todos os que defendem o clima, é prova suficiente de que não é bem assim.
Isso me faz lembrar um e-mail que recebi certa vez com a mensagem abaixo da assinatura do remetente: “antes de imprimir, pense no meio ambiente”. Achei graça daquilo. Então, podia imprimir, desde que se “pensasse” no meio ambiente antes. Como eu precisava daquela mensagem impressa, pensei bem forte no meio ambiente antes e tasquei um print. Acho que aquele pensamento deve ter feito brotar umas três árvores, de tão forte que foi.
A mensagem não era “evite imprimir”, mas sim, “pense no meio ambiente”. É um pouco como a Cop26 ou essa matéria sobre “fake news climáticas”. Ao contrário das vacinas, em que as pessoas que seguem o consenso científico agem de acordo vacinando-se, no caso do clima a coisa pouco passa de “pense no meio ambiente antes de dar partida no seu carro hoje de manhã”. O fato é que os “afirmacionistas do clima” contribuem da mesma forma para a sua degeneração que os “negacionistas”. Neste caso, “fake news” têm pouco poder de mudar as coisas. Com o perdão da expressão, o buraco é bem mais embaixo.
O TSE determinou que “disparo em massa de mensagens contendo desinformação e inverdades” constitui abuso de poder econômico. De onde se conclui que 1) disparo de mensagens contendo informação e verdades, ou 2) a disseminação de desinformação e inverdades por outros meios que não o disparo de mensagens em massa, estão liberados.
Essa diretriz do TSE vem em reposta à “denúncia” feita pela Folha na reta final da campanha de 2018, de que empresários estariam por trás do disparo de mensagens de WhatsApp em favor do então candidato Bolsonaro. A decisão do TSE é um monumento ao contorcionismo, ao afirmar que “isso aí” que vocês fizeram não pode, mas não dá pra afirmar que “isso aí” tenha tido, de fato, influência nas eleições. Tanto foi assim, que os partidos agora estão atrás do TSE para entender o que pode e o que não pode fazer.
É natural que os partidos estejam perdidos. Abuso de poder econômico sempre foi o coronel comprar votos com lanches, transporte de eleitores ou ameaça de punição. Propaganda nunca foi abuso de poder. O TSE fez uma nova tese, em que certos tipos de propaganda configuram abuso de poder econômico.
Por que mesmo disparo de mensagens no WhatsApp configuraria abuso? Eu canso de receber mensagens de corretores de imóveis via WhatsApp. Recebo também mensagens de telemarketing e malas-diretas em casa. Por fim, ao abrir o jornal ou ligar o rádio e a TV, ouço e vejo anúncios que foram “disparados em massa”. Afinal, propaganda é, por definição, comunicação em massa. Por que um poderia e o outro não? É o que os partidos querem saber.
Para piorar a situação, o TSE entra no pantanoso campo do conteúdo. O disparo em massa não pode conter “desinformação e inverdades”. Quer dizer, de agora em diante, o TSE vai se tornar uma agência de “fact checking”, julgando se o que é dito sobre os candidatos é verdade ou mentira. Por exemplo, em 2014, teriam que julgar se a propaganda do PT, acusando a então candidata Marina Silva de querer tirar a comida da mesa do brasileiro ao defender a independência do BC, era uma desinformação. Boa sorte, magistrados!
Tudo isso reflete apenas o inconformismo pelo fato de Bolsonaro ter vencido as eleições de 2018 gastando uma fração do dinheiro usado pelos seus adversários no pleito. As “armas” eram as mesmas para todos, mas o que se viu foi que Bolsonaro, além das armas, tinha uma militância não paga que fez a diferença. O resto é teoria da conspiração.
A única mensagem inequívoca do julgamento do TSE, e que não tem nada a ver com “disparos em massa”, foi a cassação do deputado Fernando Fransischini por divulgação de vídeo denunciando uma suposta fraude da urna eletrônica. Fraude foi o vídeo em si, o que foi punido com a cassação. Essa foi a única parte do julgamento que prestou para alguma coisa.
O Estadão traz semanalmente a tradução da coluna de Fareed Zakaria, articulista do Washington Post. Sua tendência é mais à esquerda, mas seus textos costumam ser lúcidos.
Hoje, Zakaria comenta sobre a eventual obrigação do FB de barrar fake news. E explica, com um bom exemplo (abaixo) como é difícil fazer isso. Zakaria se pergunta se estaríamos confortáveis em delegar para Zuckerberg a tarefa de ser censor da democracia.
Durante as eleições do ano passado, abordei o tema das chamadas “agências de fact checking”, que tinham como missão separar o que é fato do que é fake. Usei dois exemplos para mostrar que essas agências falhavam ao ficar apenas no nível mais superficial da checagem.
O primeiro exemplo era uma foto antiga com uma moça muito parecida com Dilma Rousseff ao lado de um Fidel Castro jovem. Pela idade de Dilma, a presença da ex-presidente naquela foto era uma impossibilidade cronológica. Portanto, fake.
O segundo exemplo era uma foto de Sérgio Moro conversando animadamente com o ex-candidato Aécio Neves em um evento onde os dois se encontraram. Portanto, a foto era verdadeira.
Mas este é apenas o primeiro nível de checagem, o nível factual. O segundo nível, o da interpretação, é completamente diferente, como bem notou Zakaria em seu exemplo.
É pública e notória a aproximação da esquerda como um todo, e de Dilma em particular, com Fidel e o regime de Cuba. Uma foto de Dilma com Fidel é apenas um detalhe jocoso é irrelevante nessa história.
Por outro lado, uma foto de Moro com Aécio em um evento não prova absolutamente nada. Aliás, é justo o contrário: se de fato eles tivessem um relacionamento obscuro a esconder, teriam evitado fotos juntos em um evento. Foi meio constrangedor, mas não mais do que isso.
A primeira foto era falsa, mas o fato subjacente era verdadeiro. A segunda foto era verdadeira, mas o fato subjacente era falso. Como um censor ou um classificador lidaria com isso? Como disse Zakaria, esses critérios de checagem de fatos não são tão simples quanto parecem. Talvez seja o caso de deixar espaço para o bom senso das pessoas.
São mais de R$ 8 milhões/ano gastos em altíssimos salários para apadrinhados de políticos, em um órgão que produz virtualmente zero para a população de São Paulo.
Sim, estou furioso, e poderia parar por aqui.
Mas aí me ocorreu: o Estadão, onde a denúncia foi publicada hoje, é um jornal que publica “fake news”. Pelo menos, foi isso que aprendi no episódio da jornalista que queria “destruir” o governo Bolsonaro. Toda aquela história do Queiroz, por exemplo, foi tudo perseguição, pelo que pude ler aqui no FB.
Então, esse caso da Assembleia certamente tem muito de exagero ou má fé do jornal, certeza.
Ou não, dado que se trata da “velha politica”, que só faz coisa ruim.
Um bom caso para entender como as fake news se espalham é a história de “bolsonaristas estão vaiando quando Freddie Mercury beija outro homem nas sessões de Bohemian Rhapsody.” Você já deve ter ouvido (ou compartilhado/comentado) o caso a essa altura.
Procurei bastante ontem, e o primeiro tuíte sobre o assunto já fala da história em segunda mão, a pessoa em questão não havia presenciado nada, mas “lido”. Foi publicada na hora do almoço do sábado. Teve 25 mil RTs (http://bit.ly/2AOkplc). Nas 10 mil interações do tuíte, a tônica é “na minha sessão não aconteceu isso, por sorte. O povo até chorou/aplaudiu. Mas que coisa horrível!”
O tuíte foi a única fonte da “reportagem” de duas “matérias” no dia seguinte. Logo de manhã cedo, estava no Diário do Centro do Mundo (http://bit.ly/2PKaMfH). A postagem na seção “Essencial” tinha o título “Bolsominions vaiam cenas gays do filme sobre Freddie Mercury, Bohemian Rhapsody”. Ela só tinha uma frase e uma imagem do tuíte. Não precisou mais para ter 21 mil curtidas no Facebook.
No Cinepop: “Brasileiros estão vaiando as cenas gays de ‘Bohemian Rhapsody’”. Teve 140 mil interações no Facebook. Para dar um verniz de jornalismo sobre um texto que só tem um tuíte de fonte, a coisa é colocada assim: “parece que uma parte dos espectadores brasileiros não gostaram das cenas homoafetivas exibidas no longa. E o descontentamento invadiu a Internet.”
Começaram a surgir dúvidas sobre o fato. Aí o Hypeness ontem usou um título comum a agências de “fact-checking”: “Sim, os brasileiros estão vaiando cenas gays da biografia do Queen no cinema.” 174 mil pessoas curtiram isso no Facebook. Dessa vez, o texto não traz sequer um link ou captura de imagem de um tuíte. A coisa é verdade porque é verdade, oras.
E aí chego ao cerne da questão. O texto do Hypeness passa a maior parte do tempo falando não sobre o “fato” do título, mas sobre a vida de Freddie, com coisas como “Talvez estas pessoas não saibam, mas apesar de raramente falar sobre a vida pessoal, o africano nascido em Zanzibar nunca fez questão de esconder a orientação sexual.” (na verdade ele se definia como bi).
O objetivo dessas postagens e compartilhamentos então não é denunciar um absurdo, mas demarcar a superioridade moral, o conhecimento sobre a ignorância e preconceito. Nas redes sociais, notícias são acessórios para o que os americanos chamam de “virtue signaling”. Então, quando a “notícia” é só uma muleta, ela ser verdadeira ou falsa é menos importante. Por isso que acho que fake news são mais consequência que causa. A crença em desinformação é o sintoma de uma sociedade fraturada, em que um lado acredita que o outro é capaz de coisas grotescas — seja encenar um atentado ou distribuir mamadeiras eróticas.
Veja, é perfeitamente possível que em alguma sessão pessoas tenham vaiado cenas do filme. E elas podem ser eleitoras do Bolsonaro, claro. Mas o comentário mais comum nessas notícias, mesmo de gente que acreditou nelas, foi de como nas sessões em que elas viram havia só choro de emoção — e até aplausos. Por que a exceção não confirmada é “notícia”, então? O fato de tantas pessoas escolherem um evento isolado sem qualquer comprovação para generalizar o comportamento do “inimigo” diz mais sobre essas pessoas do que elas imaginam. E a quantidade de jornalista que escreve artigo denunciando fake news e no minuto seguinte compartilha isso, olha…
Ontem participei de um happy hour especial, em que reencontrei velhos amigos para comemorar 30 anos de formatura na Poli. Alguns eu não via há 30 anos, desde que nos formamos!
Mas não é sobre velhas lembranças que quero falar. É sobre novas tecnologias.
Já havia participado de encontros anteriores com minha turma. Sempre meia dúzia de gatos pingados. Ontem, havia mais de 30 pessoas, fora outros tantos que não vieram, mas que estavam no grupo do WhatsApp formado para este encontro.
WhatsApp. Esta foi a tecnologia que permitiu o sucesso desse encontro.
Em determinado momento durante o encontro, alguém perguntou quem havia organizado. A resposta foi “ninguém”. As pessoas foram trocando ideias, em determinado momento bateu-se o martelo no lugar, alguém reservou e pronto! O encontro aconteceu.
De fato, aquele grupo havia sido iniciado por dois colegas, que inicialmente agregaram seus próprios contatos. A partir daí, o grupo cresceu com a adição de novos contatos a partir dos contatos iniciais, até atingir quase 80% da turma. Sem uma organização central.
Ao contrário do Facebook, em que o Zucka decide o que eu vejo ou não, no WhatsApp o usuário é pleno senhor de sua timeline. Ele escolhe de quais grupos quer participar e a formação dos grupos se dá de maneira orgânica. Grupos formados “de cima para baixo”, com uma organização central, simplesmente não funcionam.
O WhatsApp foi uma arma essencial nessas eleições. Bolsonaro conseguiu tamanho sucesso usando essa tecnologia, que pôde ultrapassar as evidentes limitações de sua campanha: quase zero de tempo de TV, de estrutura partidária, de fundo partidário. Bolsonaro tinha o que os outros candidatos dariam o dedinho da mão para ter: uma militância aguerrida, disposta a fazer propaganda de sua candidatura. Se alguém duvida da existência dessa militância, é porque não foi nas manifestações pró-impeachment em 2015/2016.
Mas não adianta ter militância se não houver os meios. Antigamente, essa militância teria que passar em comitês e pegar materiais de campanha (folhetos, santinhos) para distribuir. Seria claramente insuficiente. O WhatsApp permitiu fazer campanha sem sair de casa e de modo muito mais rico, com o auxílio de vídeos, impossíveis de serem distribuídos em semáforos.
Veja, o WhatsApp não dispensa a existência de comitês. Ainda é necessário que uma organização central produza os materiais que serão distribuídos. Mas a distribuição em si é feita através desses grupos formados organicamente, de pessoas dispostas a fazer campanha. Não estou aqui dizendo que não possa haver spams. Mas a eficácia dessas mensagens não desejadas é infinitamente menor do que aquela que vem de alguém conhecido em um grupo formado voluntariamente.
– Ah, mas o start do processo se dá através de uma fonte não confiável. Depois que essa mensagem é repassada pela primeira vez, passa a circular nos grupos de maneira confiável.
O que é uma fonte “confiável”? Ainda mais em uma campanha eleitoral? Parece-me óbvio que as pessoas sabem que aquele material que estão repassando não foi “criado” pela “minha tia”. Alguém deve ter criado inicialmente, todo mundo sabe disso. Além disso, parece-me também que ninguém é idiota o suficiente para acreditar em uma mensagem só porque foi a tia que mandou. “Nossa, aqui tá dizendo que a terra é plana. Como foi minha tia que mandou, deve ser verdade”. As pessoas acreditam no que querem acreditar. Mensagens que reforçam seus argumentos e preconceitos são dignas de credibilidade, mensagens que vão na direção contrária são descartadas, mesmo vindo do papa.
A grande revolução do WhatsApp foi permitir alavancar uma ideia de maneira rápida e descentralizada. Já li alguns artigos sobre a influência das redes sociais em debates e a coisa é sempre centralizada no Facebook e Twitter, onde a timeline e os trend topics podem ser fortemente influenciados por robôs. Sem dúvida isso aconteceu também nessa eleição. No entanto, o que desequilibrou o jogo, no final do dia, foi a existência de uma militância disposta a fazer campanha, tanto a favor de Bolsonaro quanto contra o PT. O WhatsApp foi só o instrumento que permitiu a essa militância ter voz. Robôs podem ser criados por qualquer um. Militância, não.
A influência das ideias sobre as pessoas existe desde que Eva convenceu Adão a comer a maçã, influenciados pelas fake news da serpente. O WhatsApp é só mais uma tecnologia de difusão de ideias, um meio alternativo à mídia tradicional, que também difunde ideias. Talvez seja isso que incomode. Voltaremos a esse assunto.
Minha primeira fake news está na minha certidão de nascimento. Consta lá que nasci às 7:20 hs de um certo dia de dezembro. Agências de checagem chegaram à conclusão de que, na verdade, pode ter sido às 7:19 ou 7:21. Ou mesmo qualquer outro horário, porque o relógio da sala de parto estava atrasando por aqueles dias.
Claro que é uma piada. Mas não tem dúvida de que a chance de eu ter nascido exatamente às 7:20 é muito baixa. Trata-se de um horário aproximado, suficiente para dizer: Marcelo Guterman nasceu no início da manhã de um certo dia de dezembro. Mas com toda probabilidade, essa informação seria classificada como fake news pelas agências de checagem.
Essa comparação me ocorreu quando li um artigo onde a agência Lupa selecionou as 8 fake news mais compartilhadas via Whatsapp. A primeira está abaixo e é bastante curiosa: mostra uma suposta Dilma Rousseff jovem na companhia de Fidel Castro. A agência conclui que se trata de fake news, porque Dilma teria, na data da foto, apenas 11 anos de idade. O fake está em que aquela moça da foto não é Dilma, apesar da engraçada semelhança física.
Ora, mas o ponto da foto não é este. Não é que Dilma, a vida inteira, tenha jurado de pés juntos que não apoiava Fidel, que achava Cuba um lixo, que deplorava a revolução cubana e, de repente, encontraram uma foto que desmentia tudo isso. Não! É pública e notória a simpatia de Dilma pelo regime cubano.
Assim, a foto serve, até de maneira jocosa, para reafirmar uma verdade: Dilma é próxima de Fidel e do regime cubano. Não, Dilma não esteve com Fidel em 1959. Isso é falso, assim como é falsa a informação de que eu nasci à 7:20. Mas sim, é verdadeira a informação de que Dilma e Fidel tem tudo a ver.
Esta foto serve para reforçar uma verdade, apesar de ser, em si, mentirosa. Ao checar exclusivamente a veracidade da foto, a agência de checagem perde (proposital ou inadvertidamente, não vou julgar) o “big picture”.
Outro ponto, o reverso da medalha: tirar uma foto ao lado de uma personalidade não é prova de apoio àquela personalidade. Ficou famosa a foto de Sérgio Moro ao lado de Aécio Neves.
Esta foto foi usada ad nauseam para “provar” que Moro favoreceria o PSDB em seus julgamentos. As agências de checagem não diriam que é fake. Afinal, a foto é verdadeira, de fato Moro foi fotografado ao lado de Aécio, dando risadas. O problema são as inferências que se fazem a partir da foto. No caso de Dilma, a foto é falsa mas a inferência é verdadeira. No caso de Moro, a foto é verdadeira, mas a inferência é falsa. As agências de checagem se limitam a julgar as fotos, mesmo porque seria subjetivo julgar as inferências. Mas são essas que importam, no final.
A foto da Dilma jovem com Fidel serve para reforçar uma verdade. Há outras, no entanto, que servem para reforçar preconceitos. Uma das fake news mostra mulheres defecando em uma igreja (não reproduzo aqui por pudor) com a legenda “Feministas invadem igreja, defecam e fazem sexo”. A foto foi classificada como fake porque foi tirada na Argentina, em um protesto contra Macri. Mas o problema não é este. O problema está em relaciona-la com “feministas”. Pode-se não concordar com a ideologia feminista no campo das ideias. Outra coisa, no entanto, é relacionar o feminismo com depravação dos costumes, coisa que ultrapassa em muito o admissível. Temos aqui um caso em que a agência de checagem novamente perde o big picture, pois afirma que a notícia é fake porque a coisa aconteceu na Argentina e não no Brasil, enquanto o busílis da questão não é se a foto é verdadeira ou falsa, mas sim se o feminismo pode ou não ser associado a este tipo de foto. Não se trata de fake ou não, mas de honestidade intelectual, coisa impossível de medir em um fact checking.
Um terceiro e último exemplo, muito parecido com minha certidão de nascimento falsa: uma determinada mensagem afirma que o os gastos do governo cresceram 4% entre os anos de 2011 e 2016 (governo Dilma), enquanto os gastos das famílias recuaram mais de 1% no mesmo período, em uma mensagem de que o governo tomou o lugar das famílias durante aqueles anos.
A agência de checagem verificou os números e sentenciou: é fake. Segundo a agência, neste período (2011-2016), o consumo do governo cresceu 3,1% enquanto o consumo das famílias cresceu 1,8%. Portanto, falso. Novamente, a agência perde o big picture ao se apegar à verdade dos números. Mesmo considerando os números reais, podemos concluir que os gastos do governo cresceram mais do que os gastos da família nesse período. Mas concedo que os números do gráfico são muito mais “chocantes” e levam a uma conclusão viesada.
Mas o ponto não é este. A agência de checagem se ateve ao período indicado no gráfico (2011-2016). No entanto, se o cálculo fosse feito até o 2o trimestre de 2016 (quando efetivamente o governo Dilma se encerrou) o resultado seria o seguinte: queda de 1,2% do consumo das famílias e crescimento de 2,5% do consumo do governo. Portanto, um resultado semelhante ao mostrado no gráfico. Ou seja, a agência de checagem, ao se limitar estritamente aos dados do gráfico, na verdade, está dizendo que o mais importante é saber se nasci exatamente às 7:20, sendo pouco relevante se nasci ou não.
A Editora Abril entrou com pedido de Recuperação Judicial, sob o peso de uma dívida de R$ 1,6 bilhão e geração negativa de caixa.
A Exame publicou a notícia, encerrando com o seguinte texto:
“A qualidade do trabalho feito por suas revistas e sites é de reconhecida importância há décadas – mas especialmente hoje é valorizada, quando o público busca se orientar e se proteger contra as notícias falsas”.
Bem, se a qualidade do trabalho fosse valorizada, e se o público estivesse desesperado em se orientar e se proteger contra as notícias falsas, a empresa estaria saudável, não é mesmo?