Um artigo até certo ponto surpreendente de Fareed Zakaria, traduzido no Estadão de hoje. Quer dizer, surpreendente para quem vive no planeta Greta. Aqui na Terra, continuamos (e, segundo Zakaria, continuaremos ainda por muitos anos) dependendo do bom e velho e sujo petróleo.
Esse artigo parece um deja vu, por isso me chamou a atenção. O articulista descreve os rios de dinheiro que os sauditas e seus vizinhos estão gastando para comprar torneios de golfe e times de futebol. Faz-me lembrar da “reciclagem dos petrodólares” na década de 80. É de estranhar que o articulista do Washington Post gaste sua tinta com um fenômeno que já dura 50 anos, e não parece que vai cessar tão cedo.
No início de 1973, o barril de petróleo era negociado a cerca de US$ 3. Passado um ano, após o primeiro boicote da OPEP, o mesmo barril estava sendo negociado a US$ 11. Consideram que a inflação americana foi de aproximadamente 600% nesses últimos 50 anos, a dinheiro de hoje o barril de 1974 estaria valendo R$ 77, que é mais ou menos o seu preço atual. Ou seja, passaram-se 50 anos, e o preço do petróleo continua lá, firme e forte, enriquecendo os árabes. Como qualquer mercadoria, o preço do petróleo cairá de maneira definitiva somente quando a demanda cair de maneira definitiva. Esse será o sinal de que a era do petróleo chegou ao fim.
PS.: claro que, no curto prazo, os produtores podem manter os preços altos regulando a produção. Mas essa é uma tática que funciona somente no curto prazo. A saúde econômica desses países depende visceralmente da exportação de petróleo, e eles não podem deixar de vender eternamente. Então, os produtores mais caros saem do mercado, estabelecendo um novo equilíbrio a preços mais baixos.
O colunista do Washington Post está preocupado com o aquecimento global, e sugere uma série de medidas práticas que poderiam desacelerar imediatamente o processo. Sua tese é de que, ao focar em “energias alternativas” que não existem hoje, estaríamos perdendo um tempo precioso. No caso, o ótimo seria inimigo do bom, e estaríamos em melhores condições com medidas simples. As medidas propostas por Zakaria são as seguintes (mesmo não sendo colunista famoso de jornal famoso, comento cada uma delas em seguida):
1. Conversão de usinas termelétricas a carvão para gás natural. Segundo Zakaria, o gás natural emite metade do dióxido de carbono do carvão.
Meu comentário: gás natural tem um problema: é preciso construir gasodutos até a usina. Ou liquefazer para o transporte via terrestre, e regaseificar em uma unidade própria para isso. Ou seja, é necessário algum investimento. Fora a questão do custo, há o problema geopolítico. A Europa, que voltou a usar carvão, que o diga.
2. ”Regulações inteligentes e rígidas” que deem uma solução técnica para a produção de metano na agricultura, em aterros sanitários e, vejam só, na extração do gás natural, a solução apontada no item acima.
Meu comentário: não há o que comentar quando a sugestão se reduz a “regulações inteligentes e rígidas”.
3. Reativação e construção de usinas nucleares.
Meu comentário: essa sim é uma solução estrutural. Zakaria diz que “devemos continuar trabalhando em novos projetos de reatores menos propensos a derretimentos”. Ok, mas a julgar pelas suas próprias palavras no início, não devemos esperar o ótimo para implementar o bom. Energia nuclear já! Claro que Zakaria, assim como cada um de nós, provavelmente não se vê morando ao lado de uma usina nuclear. Afinal, o problema da energia precisa ser resolvido, desde que o risco fique longe.
4. Plantar 1 trilhão de árvores. Parece que essa é a ideia de um par da Greta, o menino Félix Finkbeiner. Aos 9 anos, o “jovem ambientalista” (na definição de Zakaria) propôs que cada país plantasse 1 milhão de árvores e, aos 13, propôs na ONU o plantio de 1 trilhão de árvores no mundo inteiro.
Meu comentário: Eu realmente fico curioso como se dão esses processos midiáticos em que alguém tem uma ideia qualquer, mas que se transforma em algo repercutido por um colunista do Washington Post. Se cada árvore ocupar um metro quadrado, estamos falando de uma área equivalente ao Egito somente em árvores. Ou, de outra forma, são 1.250 árvores por habitante do planeta. Fica o desafio de encontrar essa área ADICIONAL que não sejam desertos quentes ou gelados, ou não sejam usados para agricultura, ou não estejam ocupados por cidades. Boa sorte.
É a isso que se resume “as soluções para reverter a crise climática”.
Meu comentário final: Zakaria começa seu artigo afirmando que o grande risco do aquecimento global é a fome nos trópicos e, por consequência, grandes fluxos migratórios para as regiões temperadas, EUA e Europa. Ou seja, Zakaria não esconde que sua preocupação é com um bando de famélicos batendo à porta de seu confortável apartamento, aquecido no inverno e refrigerado no verão com a energia que está aquecendo o planeta. Em nenhum momento de seu artigo Zakaria sugere algo que mude o seu próprio conforto. A solução está sempre “fora”, em algo que “os outros” poderiam estar fazendo e não estão. E, ironia das ironias, combater o aquecimento global tem como objetivo que hordas de pobres não venham atrapalhar o seu próprio conforto, que é, em última análise, o que vai provocar a corrente migratória.
Com o perdão da palavra, estou de saco cheio desses “ambientalistas” que não abrem mão do conforto que o aquecimento global lhes proporciona.
PS.: não vou entrar no mérito sobre quanto a ação humana é ou não responsável pelas mudanças climáticas. Meu objetivo foi só apontar a contradição.
Três textos publicados no Estadão de ontem e hoje estão intimamente relacionados, e demonstram como os americanos já estão voltando pelo caminho que nós aqui ainda estamos percorrendo.
O primeiro é do colunista Fareed Zakaria, publicado ontem, conclamando os democratas a prestarem mais atenção a pautas que realmente fazem a diferença na vida das pessoas e a deixarem de lado os “pronomes neutros”, a imigração ilegal, a demonização da polícia e outras pautas que interessam a minorias minúsculas e irritam uma parcela significativa da população que, de outra forma, estaria disposta a votar nos democratas.
O segundo texto é da Economist, traduzido hoje no Estadão, defendendo exatamente a mesma ideia.
O terceiro texto é de Luiz Sérgio Henriques, acusando a “extrema-direita” brasileira de atacar “valores seculares da modernidade”. Sob esse rótulo, sabemos que se abrigam exatamente as mesmas ideias que Zakaria e a Economist estão agora conclamando os liberais americanos a colocarem em segundo plano para terem alguma chance eleitoral.
Aqui no Brasil, a sorte de nossa esquerda é ter um Lula, e não um Biden, liderando a agenda. Lula pode ser tudo, menos politicamente correto. Isso que Zakaria e a Economist estão defendendo, Lula sabe de velho. Se fosse depender de intelectuais como Luís Sérgio Henriques, Bolsonaro não teria com que se preocupar, venceria todas as eleições com os pés nas costas.
Fareed Zakaria é um analista bastante lúcido, alinhado aos democratas. Vale a pena ouvi-lo quando fala de política. Mas não é a primeira vez que, quando fala de economia, Zakaria se mostra bem limitado.
Na coluna de hoje, Zakaria se pergunta candidamente por que Biden não reduz a inflação eliminando as tarifas de importação e as regras de imigração estabelecidas por Trump.
É um pouco como uma criança que pensa poder segurar as ondas na praia.
Vamos por partes. Em primeiro lugar, inflação não é o mesmo que aumento de preços. O aumento dos preços é o sintoma, a inflação é a doença. Digamos que as tarifas de Trump fossem eliminadas do dia para a noite. Segundo o artigo, a estimativa é de que, se isso acontecesse, a “inflação” cairia 1,6%. Errado. Os preços cairiam 1,6%. Seria apenas uma queda isolada, sem efeito sobre o processo inflacionário. Se nada mais fosse feito, os preços continuariam a subir na mesma intensidade, só que começando de um patamar mais baixo. É o mesmo que achar que congelamento de preços resolve o problema da inflação.
Milton Friedman dizia que a inflação é um fenômeno eminentemente monetário. Ou seja, excesso de dinheiro na economia. Esse excesso, se não for retirado, continuará impulsionando os preços para cima, com ou sem tarifas. É isto o que o Federal Reserve está fazendo no momento, retirando dinheiro da economia americana. Estamos saindo de um período em que todos os governos do mundo, e em particular o americano, encharcaram as suas economias com dinheiro, via pagamento de auxílios dos mais diversos tipos. Além disso, os bancos centrais dos países desenvolvidos compraram toneladas de títulos no mercado, colocando mais gasolina na fogueira. Portanto, sem endereçar este ponto, todo o resto é apenas paliativo.
A proposta de abrir o mercado de trabalho para imigrantes é outra medida que ataca as consequências, não as causas.
Se o processo inflacionário não for debelado, a redução do custo da mão de obra se torna lucro das empresas, não preços menores. Aliás, não deixa de ser curioso que alguém alinhado aos democratas esteja defendendo medidas com o objetivo de reduzir os salários. Deixa os democratas saberem disso.
Uma evidência de que a inflação não tem nada a ver com tarifas e mercado de trabalho apertado é fato de se tratar de um fenômeno global. Trump foi presidente dos Estados Unidos, não do mundo. Suas medidas certamente não influenciaram a inflação, por exemplo, da Alemanha, que está em seu maior nível dos últimos 40 anos. Aliás, quando Trump elevou as tarifas, lá pelos idos de 2017-2018, a inflação não subiu. Por que cairia agora?
Aqui no Brasil também estamos flertando com medidas que não atacam o problema, como redução de impostos e suspensão de reajustes contratuais de energia elétrica. São medidas que reduzirão os preços, não a inflação. Esta somente será controlada com juros mais altos e política fiscal austera. Não há atalhos.
Quando estou discutindo investimentos com alguém, é relativamente comum ouvir coisas do tipo: “ação de banco é excelente investimento, banco nunca perde!” ou “o que você acha de investir em Ambev? Afinal, as pessoas sempre estão bebendo cerveja!”.
Há uma confusão danada entre a atividade das empresas e a sua viabilidade econômica. As pessoas podem estar comprando pets como se não houvesse amanhã. Isso não significa que investir em empresas do setor de pets seja necessariamente lucrativo. Tudo depende de como a coisa é administrada.
Este fato me veio à mente quando li o artigo de Fareed Zakaria, comemorando o pacote trilionário de investimentos em infraestrutura recém aprovado pelo governo Biden. Gosto do Zakaria quando se trata de análise política, mas o articulista já demonstrou em mais de uma ocasião que, em se tratando de economia, é mais raso do que um pires.
A frase que resume o artigo está destacada abaixo: o investimento em infraestrutura faz a economia girar e é um sinal de que a sociedade está pensando no futuro.
Platitudes equivalentes a dizer que bancos sempre ganham dinheiro, as pessoas sempre bebem cerveja e as famílias estão comprando muitos pets. O ponto relevante, e que não é tocado no artigo, é: como esses investimentos serão administrados.
Que o investimento em infraestrutura é importantíssimo, não resta dúvida. E que seus benefícios vão muito além do lucro que pode ser obtido pelo empreendimento em si, também é ponto pacífico. Uma estrada, por exemplo, beneficia mais pessoas do que os seus usuários. Justifica-se, então, algum nível de subsídio, financiado por toda a sociedade, através da coleta de impostos.
Isso é uma coisa. Outra coisa é o Estado encarregar-se da construção e da posterior gestão do equipamento. A única justificativa para isso seria a crença de que o Estado administra melhor esse tipo de investimento do que a iniciativa privada. Ou seja, que o Estado será capaz de construir mais com menos recursos. Acho que não preciso desenvolver nenhum raciocínio sofisticado para refutar essa ideia.
O articulista levanta o conhecido ponto de que a infraestrutura americana está caindo aos pedaços e há muito precisa de investimentos. Sem dúvida. No entanto, é preciso entender como se chegou nesse ponto.
Zakaria cita dados de investimentos públicos em infraestrutura desde a década de 50, mostrando que esses investimentos começaram a recuar na década de 70. O que aconteceu? O que estamos cansados de observar no Brasil: grandes obras são construídas pelo Estado, sem se ter a preocupação de como se vai fazer a posterior manutenção. É como comprar um carro e “esquecer-se” de que é necessário gastar dinheiro com combustível e manutenção. Aí, o dinheiro acaba (o dinheiro público sempre acaba, são infinitas as reivindicações sociais e finitos os recursos), e aquela bela obra vai sendo presa fácil da passagem do tempo. Fora a ineficiência clássica da administração estatal. Para ilustrar o ponto, se ainda for necessário para convencer alguém, basta comparar as estradas brasileiras administradas pela iniciativa privada com aquelas gerenciadas pelo governo. I rest my case.
O Estado não precisa, ele mesmo, construir e administrar infraestrutura. Conceder a empresas privadas a construção e administração é muito mais eficiente. Externalidades positivas podem ser compensadas via subsídios no financiamento do capital ou nas tarifas.
Alguns apontarão dois problemas nesse modelo: o cálculo do subsídio e o lucro das empresas, que é inexistente quando o Estado se encarrega de construir e administrar. O cálculo do subsídio ideal, de fato, é tarefa complexa. No entanto, melhor explicitar o subsídio, submetendo-o ao escrutínio da sociedade, do que não saber quanto está sendo pago para ter aquele serviço, que é o que acontece quando o dinheiro gasto pelo governo embute os mesmos subsídios, só que implícitos.
Quanto ao lucro das empresas, aí é uma questão de fé: eu acredito que, mesmo cobrando seu lucro, empresas privadas gastarão menos dinheiro dos contribuintes do que o governo, com todas as suas ineficiências. Mas pode ser que outros acreditem no inverso. Um ponto, no entanto, é pacífico: haverá uma grande festa de construção de infraestrutura nos próximos anos. Qual será o estado desses equipamentos daqui a 30 anos?
O Estadão traz semanalmente a tradução da coluna de Fareed Zakaria, articulista do Washington Post. Sua tendência é mais à esquerda, mas seus textos costumam ser lúcidos.
Hoje, Zakaria comenta sobre a eventual obrigação do FB de barrar fake news. E explica, com um bom exemplo (abaixo) como é difícil fazer isso. Zakaria se pergunta se estaríamos confortáveis em delegar para Zuckerberg a tarefa de ser censor da democracia.
Durante as eleições do ano passado, abordei o tema das chamadas “agências de fact checking”, que tinham como missão separar o que é fato do que é fake. Usei dois exemplos para mostrar que essas agências falhavam ao ficar apenas no nível mais superficial da checagem.
O primeiro exemplo era uma foto antiga com uma moça muito parecida com Dilma Rousseff ao lado de um Fidel Castro jovem. Pela idade de Dilma, a presença da ex-presidente naquela foto era uma impossibilidade cronológica. Portanto, fake.
O segundo exemplo era uma foto de Sérgio Moro conversando animadamente com o ex-candidato Aécio Neves em um evento onde os dois se encontraram. Portanto, a foto era verdadeira.
Mas este é apenas o primeiro nível de checagem, o nível factual. O segundo nível, o da interpretação, é completamente diferente, como bem notou Zakaria em seu exemplo.
É pública e notória a aproximação da esquerda como um todo, e de Dilma em particular, com Fidel e o regime de Cuba. Uma foto de Dilma com Fidel é apenas um detalhe jocoso é irrelevante nessa história.
Por outro lado, uma foto de Moro com Aécio em um evento não prova absolutamente nada. Aliás, é justo o contrário: se de fato eles tivessem um relacionamento obscuro a esconder, teriam evitado fotos juntos em um evento. Foi meio constrangedor, mas não mais do que isso.
A primeira foto era falsa, mas o fato subjacente era verdadeiro. A segunda foto era verdadeira, mas o fato subjacente era falso. Como um censor ou um classificador lidaria com isso? Como disse Zakaria, esses critérios de checagem de fatos não são tão simples quanto parecem. Talvez seja o caso de deixar espaço para o bom senso das pessoas.