Segredo de polichinelo

A única vantagem de ser velho é ter vivido o suficiente para não se deixar enganar por grandes novidades que deveriam estar em museus, como dizia Cazuza. A última é a união da FIESP com a Febraban para “descobrir” as causas dos juros altos no Brasil.

Faz-me lembrar a epopeia, na década de 80, para “descobrir” as causas da inflação. Não se tratava, na época como hoje, de algo realmente difícil de descobrir. O dinheiro é uma mercadoria como outra qualquer. Se perde valor com o tempo (inflação) ou se seu preço é alto (juros altos), é preciso buscar no fabricante os motivos pelos quais a mercadoria tem péssima qualidade ou tem custo alto. E quem fabrica o dinheiro de um país?

O Plano Real adotou um mecanismo genial (a URV) para quebrar a inércia inflacionária. Muitos acham que esse foi o principal truque do plano, acabando com a hiperinflação como em uma espécie de passe de mágica. Nada mais falso. O Plano Real funcionou porque trocou uma inflação alta por alguma disciplina fiscal e juros mais altos. O problema é que, quase 30 anos depois, ainda não acabamos de fazer a lição de casa para que a nossa moeda não perca valor no tempo sem que seja preciso colocar os juros nas alturas.

O problema nem é tanto o tamanho da dívida. Países com moedas muito mais estáveis têm dívidas maiores do que a brasileira. O problema é de credibilidade, o que leva os financiadores a exigirem taxas de juros mais altas e prazos mais curtos para rolar a dívida pública. Construímos nosso déficit de credibilidade ao longo das décadas, e é muito difícil reverter no curto prazo. Foram confiscos explícitos e implícitos, calotes explícitos e implícitos, e um histórico de leniência com a inflação alta, mesmo depois do plano Real. A última picareta fincada no pilar da credibilidade foi a mudança casuística na regra do teto de gastos, no ano passado. Seria preciso um trabalho longo e perseverante na direção correta, sem jeitinhos malandros, para que, ao fim do processo, pagássemos taxas de juros mais civilizadas. É preciso reconhecer que nossa situação, hoje, é muito melhor que no início do Plano Real. Não há atalhos para continuarmos a progredir.

Isso quando falamos da taxa básica de juros. Quando se trata dos juros pagos em empréstimos para empresas e indivíduos, devemos acrescentar a este custo básico, já em si alto, os impostos cobrados pelo governo, que tornam caras todas as mercadorias que compramos. E não seria diferente com o dinheiro. Acrescente-se a isso a incerteza própria de um país instável como o Brasil e um sistema judiciário que tende a beneficiar o devedor, e temos um spread maior para compensar o risco de crédito.

Achar que os juros altos são o resultado da ganância dos bancos é o mesmo que atribuir os preços altos no supermercado à ganância dos empresários. Esse tipo de discurso é bom para distrair a atenção do povo da causa última dos preços e dos juros altos. Funcionou na década de 80, quando populares fecharam supermercados, para descobrirem, consternados, que a inflação, mesmo assim, não havia acabado. Hoje, essa história não cola mais, já sabemos quem é o culpado pelo fato de o dinheiro ser uma mercadoria cara. O relatório FIESP/Febraban deverá revelar esse segredo de polichinelo.

Matemática é difícil, mas fundamental

Que falta fazem conhecimentos básicos de matemática para o exercício do jornalismo…

Reportagem do Estado hoje repercute “estudo” da Confederação Nacional do Comércio. Segundo o “estudo” (assim, entre aspas, porque não passa de peça de propaganda), os juros básicos caíram 54% desde outubro de 2016 (de 14,25% para 6,50%), enquanto os juros para o consumidor teriam caído apenas 26% no mesmo período, de 43,0% para 31,7%. Daí o jênyo que fez o estudo faz a conta: se os juros ao consumidor tivessem também recuado 54%, teriam sobrado R$40 bi adicionais no bolso do consumidor!

Onde está o equívoco?

A taxa de juros cobrada dos consumidores é formada basicamente de 5 partes: taxa básica, impostos, inadimplência, custos administrativos e lucro dos bancos. Ora, para que a taxa de juros ao consumidor tivesse caído 54%, seria necessário que TODOS os 5 componentes tivessem redução de 54%, não apenas a taxa Selic. Não me consta que os impostos tenham caído nesse período. Custos, inadimplência e lucros podem ter caído um pouco, mas longe, muito longe, dos 54% da queda da Selic.

A conta correta se faz pelos pontos percentuais. A Selic caiu 7,75 pontos percentuais, enquanto os juros ao consumidor caíram 11,3 pontos percentuais. Ou seja, não só a queda da Selic foi integralmente repassada, como outros custos também caíram, no montante de 3,55 pontos percentuais.

A Selic é apenas um dos componentes da taxa de juros ao consumidor. Querem mais redução? É preciso atuar nos outros 4 componentes: diminuição de impostos, de encargos trabalhistas, melhora na execução de garantias e fomento ao aumento da concorrência no setor bancário são as iniciativas que atuarão sobre os outros componentes da taxa de juros.

No finalzinho da reportagem, a Febraban é ouvida, e diz que o estudo está errado. Seguindo o manual do bom jornalista, o autor da matéria foi ouvir “o outro lado”. Como se matemática tivesse dois lados.