Quem diria que o PT, o baluarte e último refúgio da democracia brasileira, patrocinasse uma ação contra o jornalismo profissional. Mas, aparentemente, foi o que fizeram, no caso da chefe da sucursal de Brasília do Estadão, Andreza Matais, acusada de ter “fabricado” a matéria sobre a Dama do Tráfico intima dos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos.
O roteiro foi o clássico. A coisa começou com uma “reportagem” do site “acima de qualquer suspeita” Fórum, com base em uma denúncia de supostos funcionários do Estadão, que acusavam Andreza de assédio moral com o objetivo escuso de fabricar uma matéria que prejudicasse as pretensões de Flávio Dino de ser apontado como próximo ministro do STF.
A partir dessa matéria, toda a máquina petista de moer reputações entrou em ação. Até Nelipe Feto deu a sua contribuição.
O único problema da “reportagem” do site é que os prints usados são da própria página de inserção das denúncias, como demonstrado por um print que eu mesmo fiz da mesma página, em branco. Note o “1o passo” acima da página, igual aos prints do site. Ou seja, somente seria possível tirar esses prints no momento em que a denúncia estivesse sendo escrita. E não há um número de protocolo sequer que prove que a denúncia foi efetivamente submetida.
Por que fizeram assim? Provavelmente porque uma mera entrevista com “funcionários” anônimos do Estadão seria mais fraco. Uma “denúncia” ao Ministério Público, isso sim, dá ares de oficialidade, algo muito mais sério e concreto. O fato de que o site tenha tido acesso à denúncia no mesmo momento em que estava sendo feita demonstra a armação tosca.
Como diz a notinha da ANJ, esses métodos “não se coadunam com valores democráticos” e são “uma prática de regimes autocráticos”.
Curiosamente, na mesma página, a inefável Eliane Cantanhêde aponta Javier Milei, ao lado de Bolsonaro e Trump, como um “trio contra a democracia”. Ainda bem que temos o PT para nos salvar.
Ouvi dizer que esse mesmo arrazoado de Felipe Neto vem sendo usado por jornalistas, como Natuza Neri. Faz sentido?
O artigo 19 do marco civil da internet reza o seguinte:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
Seguem-se 4 parágrafos com detalhamento sobre como e em que condições se deve dar a ordem judicial.
Ou seja, o artigo 19 do MCI garante justamente a não responsabilização solidária dos provedores por danos decorrentes de conteúdo de terceiros, o que, convém destacar, tem o objetivo de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura. O que tem a ver uma coisa com a outra, poderá perguntar o leitor. Respondo: no momento em que os provedores tornam-se responsáveis pelo conteúdo de terceiros, haverá uma tendência natural de auto-proteção por parte desses mesmos provedores, que ficarão hipersensíveis a qualquer conteúdo que possa ser considerado nocivo pelo órgão regulador ou pela justiça. Isso poderia resultar em uma ameaça à liberdade de expressão por parte dos provedores, pois, em seu afã de se auto-protegerem, poderiam hipercensurar os conteúdos da rede. O espírito desse parágrafo é justamente evitar que ocorra algo do tipo.
O que propõe o PL 2360? Em seu artigo 6, o PL diz o seguinte:
Art. 6º Os provedores podem ser responsabilizados civilmente, de forma solidária:
I – pela reparação dos danos causados por conteúdos gerados por terceiros cuja distribuição tenha sido realizada por meio de publicidade de plataforma; e
II – por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros quando houver descumprimento das obrigações de dever de cuidado, na duração do protocolo de segurança de que trata a Seção IV.
Já tive oportunide de falar sobre esse tal “protocolo de segurança” em um post ontem. O fato é que, na prática, este artigo REVOGA O ARTIGO 19 DO MCI.
Então, o que Felipe Neto está dizendo é mais ou menos o seguinte: se você não der um tiro na cabeça agora, eu te mato. Obviamente, os provedores não vão dar um tiro em suas próprias cabeças, vão esperar que o STF os mate, desfilando seus doutos argumentos sobre o por quê o artigo 19 do MCI seria inconstitucional, quando seu objetivo é justamente proteger uma cláusula pétrea da Constituição, qual seja, a liberdade de expressão.
Mas o lado mais meigo desse argumento de Felipe Neto é a ameaça autoritária: se o PL não for aprovado pelos deputados, então a fúria do STF cairá sobre nossas cabeças. Como se os deputados só tivessem à disposição uma só opção, votar “sim”. Não sei porquê, lembrei da ameaça de fechamento do Congresso por parte do governo Costa e Silva quando os deputados se recusaram a cassar um colega por críticas à caserna.
Está aí como, em um único tuíte, medimos as convicções democráticas de nossos democratas.
PS.: Felipe Neto não entende de leis, entende de tuítes. Se ele escreveu isso aí, foi porque alguém assoprou. Quem será?
Como assim, “Lula pressiona Fazenda”? Lula é o chefe da porra toda S/A! Imagine que chefe pressiona subordinado. Chefe manda, subordinado obedece ou pede o boné. Essa de “pressionar” é só pra se desvincular do fiasco, com a ajuda dos coleguinhas da imprensa, ávidos por “notas de bastidor”. Típico.
O legal é ver até a Janja engajada em isentar a Shein, mesmo depois da aulinha que recebeu do Haddad no avião. Pelo visto, aquele tuíte em que a primeira-dama defendia a medida era fake, ou ela “desentedeu” aquilo que havia “entendido”. E o Felipe Neto, então? Já deve estar bolando outra thread para defender a não taxação.
O fato é que nem a Shein o governo consegue taxar, imagine outros setores, com seus lobbies encastelados no Congresso. O novo “arcabouço fiscal” só para em pé com aumento de carga tributária, o que passaria por fechar os “buracos” por onde vaza a arrecadação. O “buraco” da Shein já se mostrou mais embaixo. Vamos ver quando Haddad for enfrentar os lobbies de verdade.
Influencers governamentais saíram em socorro do tiro no pé que foi fechar a brecha de sonegação do imposto de importação para pequenos valores entre pessoas físicas.
Haddad já tinha sido claro: sonegadores não passarão! Tem os grandes sonegadores (aquelas 500 empresas “super-lucrativas” que o ministro citou, além dos bilionários que não pagam imposto no Brasil) e tem os pequenos sonegadores, aqueles que importam da China em quantias abaixo de 50 dólares. O governo começou pelos pequenos. Mais fácil.
A mensagem governamental que os influencers estão tentando passar é que Shein e Shoppee são os grandes sonegadores que serão taxados. No entanto, trata-se de imposto de importação. E quem está importando é a pessoa física remediada que se aproveita de uma brecha da legislação. Repito: o importador é a pessoa física, não o site chinês.
De qualquer forma, trata-se de uma questão quase semântica. O fato, com o qual até Felipe Neto concorda, é que “você pode ficar puto porque os produtos que eram baratos vão ficar mais caros”. Tanto faz quem está pagando o imposto ou onde o imposto está sendo pago. O fato é que os produtos vão ficar mais caros, ponto. Quem é beneficiado? O governo e o comércio local. Quem é prejudicado? Os sites chineses e o consumidor de baixa renda. Pode contar a história que quiser, o resultado final é esse aí. Não tem combate a feiqueniús que dê jeito nisso.
Ontem repercuti um post de Felipe Neto, em que o youtuber “prova” que a meritocracia é uma ilusão. Seu argumento? O pai de Elon Musk era um rico dono de jazidas de diamantes na África do Sul. Além disso, o dono da Tesla havia estudado nos melhores colégios canadenses. Portanto, não haveria mérito algum em ter se tornado bilionário. Afinal, suas condições iniciais foram muito melhores do que podem sonhar a imensa maioria dos mortais do planeta.
A mesma polêmica se deu com um post de Rodrigo Silva, responsável pelo site Spotnicks, em que uma casa pobre em um bairro suburbano é apresentada como o primeiro endereço do Nubank. Foram muitas as reações negativas, lembrando que os fundadores do banco mais valioso da América Latina vieram de famílias ricas e estudaram nas melhores universidades, tanto aqui quanto lá fora.
De fato, se observarmos a vida dos fundadores dessas empresas bilionárias, vamos provavelmente descobrir pessoas que nasceram em famílias em boas condições financeiras. Restaria provado, portanto, que o mérito pessoal não conta para nada, essas pessoas estariam fadadas ao sucesso fazendo o que quer que fosse.
Esse raciocínio é, obviamente, uma falácia. Se Elon Musk eventualmente pode ter contado com a fortuna do pai para dar um bom pontapé inicial em sua própria fortuna, o mesmo não se pode dizer de Bill Gates, Mark Zuckerberg, Steve Jobs ou Warren Buffet, vindos de famílias da classe média alta americana.
E mesmo no caso de Musk, o raciocínio inverso também prova a falácia: quantos filhos de milionários criam tantas empresas disruptivas quanto PayPal, Tesla e SpaceX? Quantos nascidos em berço esplêndido se tornam o homem mais rico do mundo? Na verdade, normalmente ocorre o inverso. É conhecido o ditado “pai rico, filho nobre, neto pobre”. O empreendedor de sucesso deixa como herança a sua fortuna mas não o seu talento (outra palavra proibida, a exemplo de mérito). Tente encontrar na lista dos mais ricos da Forbes a quantidade de herdeiros de terceira geração em diante. Onde estão os herdeiros de Rockefeller, o homem mais rico de seu tempo? Por que suas condições iniciais privilegiadas não serviram para os guindar às primeiras posições no ranking, normalmente ocupadas por “forasteiros”?
Um outro exemplo que alguns levantaram foi o do campeão da F1 Max Verstappen. O mérito do holandês seria limitado, se é que existiria, porque seu pai também foi um piloto de F1, o que o teria colocado em uma posição privilegiada desde o berço. Sim, se compararmos Max comigo, que só vi um carro de F1 pela TV. Não, se considerarmos que outros descendentes de campeões da F1, em condições iniciais semelhantes às de Max, como Nelsinho Piquet e Christian Fitippaldi, terem sido pilotos medíocres. Somente ter um pai piloto de F1 explica o sucesso de Verstappen? E o que dizer de Lewis Hamilton, cujo pai dirigiu, no máximo, o carro da família?
Essa discussão sobre mérito e meritocracia está distorcida porque se compara todos os seres humanos entre si. Então, é claro que um Elon Musk, nascido em berço esplêndido, tinha muito mais chance de se tornar bilionário do que um favelado brasileiro. Isso é o óbvio ululante. A meritocracia bem entendida não abdica de considerar as condições iniciais. O “sucesso” de um ser humano é a resultante das condições iniciais mais o mérito pessoal.
O gráfico abaixo ilustra esse ponto, ao relacionar fortuna com condições iniciais.
Se o mérito pessoal não contasse para nada, todos os seres humanos se encontrariam na reta. Ou seja, as condições iniciais responderiam por 100% do sucesso do indivíduo. Mas os exemplos acima, assim como muitos outros em todas as faixas de renda, mostram que não é bem assim: pessoas com aproximadamente as mesmas condições iniciais atingem graus de sucesso completamente diferentes. Um certo retirante que virou presidente da república ilustra a tese.
Os mais céticos dirão que as condições iniciais não se limitam ao berço. Nascemos diferentes e não escolhemos os talentos e os defeitos com que nascemos. Então, Musk ou Zuckerberg nasceram com um talento especial para negócios, não tendo mérito nenhum nisso. Essa tese nos leva longe, pois nega o papel da liberdade humana. Seríamos robôs programados para o sucesso ou o fracasso e o mérito pessoal, aí sim, seria uma ilusão. Bem, para aqueles que acreditam que o mundo é aleatório assim, não tenho muito a dizer, a não ser boa sorte.
A meritocracia não exclui, de maneira alguma, uma discussão séria sobre nivelamento de condições iniciais. Quantos talentos não se perdem porque estão sob os escombros de uma vida muito difícil no nascimento? Muitos dos ataques ao conceito de meritocracia têm essa preocupação de fundo, o que é legítimo. No entanto, um mundo sem a valorização do mérito seria um mundo em que aqueles com talentos especiais não se sentiriam motivados a colocar seus talentos a serviço da humanidade. É a premiação do mérito pessoal que faz com que a humanidade progrida. São os melhores dentre nós que puxam a humanidade para cima. Procurar ser o melhor dentro das suas condições iniciais é o que chamamos de meritocracia.
Encerro com a mais antiga história de meritocracia que conheço: a parábola dos talentos. Jesus conta de um administrador que, para testar seus três empregados, lhes concede cinco, duas e uma moeda. Os que receberam cinco e duas moedas negociaram e obtiveram outras cinco e duas moedas, dobrando a sua riqueza. Já o que recebeu uma moeda a enterrou. O administrador não ficou pau da vida porque o que recebeu menos tinha menos. Sua irritação derivou do fato de que aquele que havia recebido menos não havia colocado seus poucos talentos para trabalhar. A quantidade inicial de moedas não está sob controle das pessoas, mas o que fazemos com elas, sim. Essa é a definição de meritocracia.