Enquanto isso, na sala de projeto do primeiro foguete brasileiro…

Haddadson, o chefe da equipe, toma a palavra:

– Pessoal, reunimos esse time com as mentes mais brilhantes do planeta para tirar do papel o projeto do primeiro foguete brasileiro. Mas não só isso: temos aqui diversidade de visões de mundo, de modo que cada um vai aportar a sua opinião para construirmos o melhor foguete de todos os tempos!

Persikovsniski, o cientista russo, levanta a mão.

– Chefe!

– Pois não Persikovsniski, fale.

– Longe de mim posar como dono da verdade, respeito a opinião de todos, mas acho que os cálculos balísticos estão incorretos.

– Por que?

– Os cálculos foram feitos desconsiderando a curvatura da Terra. E, como sabemos, a Terra é redonda.

Barbosman, o cientista alemão responsável pelo cálculo balistico, interrompe seu colega e fala de maneira exaltada.

– Como assim, “sabemos”? Esse é um consenso ultrapassado na ciência balística!

Haddadson procura conter os ânimos.

– Calma, estamos aqui em uma equipe com diversidade de opiniões justamente para enriquecer a discussão. E se refizéssemos os cálculos considerando uma forma oval para o planeta?

Barbosman e Persikovsniski balançam a cabeça e dizem quase ao mesmo tempo: – Mas a Terra é plana (redonda), os cálculos ficarão errados!

– Certo ou errado são conceitos que não cabem em uma equipe com diversidade de opiniões. Devemos aprender a respeitar a opinião de todos. Acredito que a forma oval é a que mais se aproxima do consenso da equipe, concordam?

Os outros membros da equipe, que não entendem de balística, abanam a cabeça em concordância. Haddadson sorri, satisfeito por ter alcançado um consenso.

– Chefe!

– Sim, Persikovsniski, fale.

– Tem outra coisa: foi usada uma gravidade de 5 m/s2 para os cálculos, quando sabemos que o número correto é de 10 m/s2.

Agora foi a vez do cientista japonês Pokemon se exaltar.

– Como assim, “sabemos”? Einstein provou que tudo é relativo, não tem essa de se tornar refém de um número!

Haddadson teve que exercer sua capacidade de coordenação de novo.

– Parece-me que temos aqui uma divergência apenas na superfície. Ambos concordam que a gravidade existe, estamos divergindo apenas em relação a um número. E se usássemos 7,5 m/s2?

Pokémon e Persikovsniski falaram ao mesmo tempo: – Mas esse número está errado!

Haddadson, já demonstrando alguma irritação: – Senhores, desse jeito não conseguiremos avançar. A equipe com diversidade de opiniões serve justamente para que tenhamos o melhor de todos. Vamos colaborar, por favor. Usaremos 7,5 m/s2 e ponto final.

– Chefe!

Era Persikovsniski novamente, levantando a mão de maneira tímida. Haddadson não esconde o enfado.

– Fala, Persikovsniski.

– Desculpe-me interromper de novo, mas estou preocupado com o material usado na construção do foguete. Entendo a preocupação ambiental com o lixo espacial, mas penso que usar papelão reutilizável talvez não seja uma boa ideia.

O cientista chinês Xi Le Me Me Lo, autor da ideia do papelão, contrapõe com calma.

– Meu caro colega, estamos presos a esquemas ocidentais de uso de materiais, os mesmos esquemas que vem destruindo o planeta. Devemos acreditar em soluções alternativas.

Haddadson entra em campo para exercer a sua principal habilidade, atingir consensos.

– E se reforçássemos o papelão com fitas de metal?

Persikovsniski: – Não é o suficiente!

Xi Le etc: – O metal vai poluir o nosso espaço!

Haddadson não vê outra maneira de encerrar a discussão a não ser levar a questão ao voto. A maioria votou pela solução do chefe. Haddadson conclui a reunião, satisfeito:

– Senhores, estou orgulhoso do resultado alcançado. Tenho certeza que essa equipe diversa chegou ao melhor projeto possível!

Em poucos meses o foguete ficou pronto. Todo o povo brasileiro embarcou, e não vê a hora da decolagem. A contagem regressiva começou…

O estilo de Lula

Em regimes fechados, os passos do líder são seguidos de perto em busca de sinais sobre o seu sucessor. Era assim na ditadura militar brasileira, era assim nas ditaduras comunistas do passado e é assim nas ditaduras atuais, como Cuba e Coreia do Norte (vide acima).

A escolha do ministro da Fazenda do governo Lula me faz lembrar essa dinâmica. Em 2014 e 2018, Aécio e Bolsonaro indicaram seus ministros (Armínio Fraga e Paulo Guedes, respectivamente) já durante a campanha, em uma sinalização de que tipo de política econômica se poderia esperar durante os seus mandatos.

Lula, com a sua política “la garantia soy yo”, preferiu não indicar ninguém até o momento. O resultado é uma ”leitura de sinais”, a la Kim Jong Un, por parte dos mercados. Ainda durante a campanha, Mantega escreveu um artigo em nome de Lula, fazendo crescer as especulações em torno de seu nome. Gabriel Galípolo foi outro nome que circulou em função de sua proximidade com o presidente eleito. Haddad foi enviado por Lula a um almoço da Febraban, aumentando suas chances de ser “o escolhido”. E assim vai.

Alguém pode argumentar que esse é o estilo de Lula, e que o ministro da Fazenda será indicado a seu tempo. Ok. Mas essa sensação de estar vivendo em um regime fechado não é nada agradável.

Anti-tucanismo

A torcida é grande. A reportagem afirma que “nunca um petista esteve tão perto do Palácio dos Bandeirantes”, usando, para fazer essa afirmação, o número de votos absolutos, que, como sabemos, aumentam vegetativamente de ano para ano. Em termos relativos, foram 36% dos votos.

O fato é que vários petistas também chegaram “perto” do governo Paulista segundo esse critério. Em 2002, José Genoíno obteve 32% dos votos no primeiro turno e 41% no segundo. Em 2006, Mercadante obteve novamente 32% dos votos, em eleição vencida por José Serra no 1o turno. Em 2010, Mercadante obteve 35% dos votos, em eleição vencida no 1o turno por Alckmin. Em 2014 e 2018, aí sim, tivemos um fiasco retumbante do PT no estado. O que aconteceu agora em 2022 foi a volta ao patamar que o PT sempre teve em SP. Capaz de Haddad chegar ao mesmo nível de Genoíno em 2002, dada a força do anti-bolsonarismo. E só.

A reportagem exalta o feito de Haddad, como se não tivesse havido uma imensa frustração. Realmente, davam como certo um 2o turno em que todas as “forças democráticas” se uniriam em torno do mais tucano dos petistas. Os paulistas, no entanto, decidiram mandar pra casa o neo-tucano Garcia, e muito provavelmente rejeitarão também o petista-tucano Haddad. O anti-petismo, em SP, se transmutou em anti-tucanismo.

Embalado para presente

O Estadão nos apresenta hoje um perfil de Fernando Haddad. O final está aí. A matéria nos informa que Haddad leu 250 livros para escrever sua mais nova obra, que nasceu de conversas com Noam Chomsky. Isso tudo é chic nas últimas!

Haddad é realmente um prodígio. Leu 250 livros desde que perdeu as eleições! Vamos fazer uma conta rápida: de dezembro de 2018, quando foi dispensado de sua condição de poste, a abril de 2022 (o livro foi lançado em maio) são 41 meses. Portanto, temos um ritmo de aproximadamente 6 livros por mês, ou 1,5 livros por semana, sem descanso. E não são livros quaisquer! São livros mais densos do que o interior de um buraco negro. E Haddad certamente conjugou esse febril trabalho acadêmico com uma atividade profissional que lhe permitiu ganhar o seu sustento nesse período. Ninguém sabe exatamente qual é essa atividade, mas deve existir.

Agora sério. Assim como Lula é embalado e vendido como um típico representante do povo brasileiro, Haddad é embalado e vendido como um intelectual potente, alguém muito mais preparado para entender o mundo do que trogloditas como nós. Lula teria aquela sabedoria do povo, enquanto Haddad teria a sabedoria adqurida nos muitos livros lidos e nas conversas com os Noams Chomskys da vida.

Tudo não passa de marketing. A “informação” dos 250 livros não estão ali à toa. Serve justamente para criar essa imagem. Alguém tão superior certamente está mais preparado para nos governar do que um troglodita como Tarcísio ou um capiau como Rodrigo.

A reportagem termina de forma patética, nos informando que Haddad tem tanto prazer em receber um elogio de Noam Chomsky quanto teria em ganhar a eleição para governador de SP. Coisas que nós, pobres mortais, não conseguimos alcançar. Eu humildemente recomendaria ao candidato que aproveite bem o elogio de Chomsky.

Tirando dos pobres para dar aos ricos

No final do dia, governar é decidir para onde vão os impostos arrecadados dos cidadãos.

Haddad já avisou que vai tirar dinheiro dos paulistas para beneficiar os servidores estaduais aposentados com maior renda, que tiveram aumento de alíquota de IR na reforma da Previdência estadual.

Se você é servidor estadual de maior renda, vote Haddad.

Nem a realidade os detém

Fernando Haddad, no primeiro debate entre os candidatos ao governo de SP, afirmou que é completamente contra a privatização da Sabesp. E foi além: afirmou que as tarifas de energia elétrica e das telecomunicações são altas por causa da privatização.

Fazendo um pouco de arqueologia jornalística, não foi difícil encontrar pérolas do tempo das telecomunicações estatais. A reportagem abaixo é de 27/12/1992.

Ao ler a reportagem nos lembramos que as linhas telefônicas eram consideradas investimentos, que competiam com o dólar paralelo, o ouro e as ações, e sua cotação dependia da perspectiva de a Telebrás conseguir ou não suprir a demanda por linhas.

Mas o mais cruel é observar que as linhas mais caras eram justamente aquelas localizadas na periferia. Guaianazes, São Mateus, Itaquera e Parelheiros lideram os preços. Para se ter uma ideia, R$ 45 milhões (preço da linha nessas regiões) era equivalente a aproximdamente US$ 3,1 mil, já considerando a cotação do dólar no paralelo. Imagine pagar o equivalente a R$ 16 mil para ter uma linha telefônica fixa! Ou seja, a estatal prejudicava mais justamente os mais pobres. Nenhuma surpresa aqui.

É difícil fazer um paralelo com a energia elétrica, pois se trata de um mercado mais complexo e que não foi totalmente privatizado (a Eletrobrás só foi privatizada agora). Mas você pode estar certo de que o raciocínio é exatamente o mesmo. Não tenha dúvida de que, caso uma boa parte das empresas de energia elétrica não tivesse sido privatizada, o preço das tarifas seria, hoje, o menor dos nossos problemas. Estaríamos pagando o preço que fosse para garantir fornecimento. E, claro, os mais pobres seriam os mais prejudicados.

Depois de todas as evidências empilhadas nos últimos 25 anos, só defende a existência de estatais quem quer um cabide de emprego para uso político ou quem sofre de uma cegueira ideológica que impede de enxergar a realidade tal qual é. Fernando Haddad pertence a este segundo grupo, o mesmo que incluia Dilma Rousseff. São os mais perigosos, pois nada os detém. Nem a realidade.

Haddad seria o novo Palocci?

Quando Lula foi eleito pela primeira vez, surpreendeu o mercado e seu próprio partido ao escolher o ex-prefeito de Ribeirão Preto, o médico Antônio Palocci, para o ”pior emprego do mundo”, no dizer de Thomas Traumann. Lembro-me como se fosse hoje, um colega analista de crédito, muito experiente, dizendo-me que Palocci havia feito um excelente trabalho na área de finanças públicas à frente da prefeitura da cidade do interior paulista, e que o mercado iria se surpreender positivamente com ele. Dito e feito.

Ao contrário do discurso, Lula não escolheu um político com o objetivo de dialogar com o mundo político e fazer avançar a sua agenda no Congresso. Na verdade, com exceção da reforma da Previdência dos servidores, aprovada no fim de 2003, a agenda parlamentar do primeiro governo Lula na área econômica foi bem esquálida. Palocci foi escolhido, na verdade, para ajudar a segurar a bronca dentro do próprio PT. O ex-prefeito servia como anteparo para as críticas dos petistas-raiz, que queriam uma política econômica heterodoxa. Passou seus três anos à frente da pasta debaixo de uma chuva de críticas, até que foi abalroado pelo escândalo do caseiro. Em conjunto com o Mensalão, essa foi a senha para que a ala “desenvolvimentista” do partido tomasse conta, e Guido Mantega assumisse o leme da economia. O resto é história.

Haddad faria esse papel? Pouco provável. Haddad, ideologicamente falando, está mais para Mantega do que para Palocci. Além disso, 20 anos, um Petrolão e uma Dilma depois, será bem mais difícil atrair nomes como Joaquim Levy, Marcos Lisboa ou Alexandre Schartzman para a sua equipe. O programa de governo do PT está tão claro quanto a luz do dia em relação aos seus pendores desenvolvimentistas, e não há uma Carta aos Brasileiros para mitigá-lo. Haddad seria o nome perfeito para implementar esse programa. A semelhança com Palocci se reduz ao fato de os dois serem políticos. E só.

Como nota de rodapé, o nome de Haddad ser ventilado como futuro ministro da Fazenda mostra o grau de convicção dos petistas sobre as reais chances de o ex-prefeito ser eleito governador de São Paulo.

Definições no quadro eleitoral paulista

Duas notinhas, uma em seguida da outra, definem o que será a eleição para o governo de SP.

Na primeira, enterra-se a possibilidade de impugnação da candidatura do carioca Tarcísio de Freitas. Ao contrário do paranaense Sérgio Moro, Tarcísio alugou imóvel em uma cidade do estado. Portanto, tinha endereço fixo, suficiente para provar seu “vínculo” com o estado. Como se vê, não era muita coisa o que precisaria ser feito para conseguir provar o domicílio eleitoral. Mas, em uma carreira política marcada pelo improviso, Moro nem sequer isso conseguiu.

Na segunda nota, fica claro que o próximo governador será um desses três nomes: Tarcísio de Freitas, Márcio França ou Rodrigo Garcia. Qualquer um dos três se beneficiará do voto antipetista no 2o turno. É provável que Haddad possa atrair o voto anti-bolsonarista se o seu adversário for Tarcísio de Freitas, mas não creio que esse contingente seja suficiente para lhe dar a vitória. Para tanto, seria preciso que chegasse ao 2o turno com mais de 40% dos votos, o que parece bem improvável. Contra Márcio França ou Rodrigo Garcia, a derrota de Haddad seria ainda mais acachapante, pois não contaria com o voto anti-bolsonarista.

Enfim, treino é treino, jogo é jogo, eleição é uma caixinha de surpresas, mas acho que o quadro eleitoral paulista está bem delineado.

A moeda única do Mercosul

Fernando Haddad e um outro economista ligado ao PT nos brindaram com um artigo na Folha de hoje defendendo o estabelecimento de uma moeda única da América do Sul. Pode parecer o Euro, mas, depois que se lê o artigo, é mais parecido com os SDRs (Special Drawing Rights), uma espécie de “moeda” do FMI, lastreada nas moedas dos seus países-membros mais ricos. O SDR serve como uma espécie de “unidade de conta” para facilitar transações do FMI. Os EUA, Zona do Euro, China, Japão e Reino Unido depositam uma quantia de suas próprias moedas para que o FMI faça as suas políticas. Por exemplo, recentemente o FMI fechou um novo pacote de ajuda para a Argentina no valor de 31,4 bilhões de SDRs, o que equivale a mais ou menos US$ 44 bilhões.

E para que serviria essa moeda sul-americana? Segundo os autores, “um projeto de integração que fortaleça a América do Sul, […] é capaz de conformar um bloco econômico com maior relevância na economia global e conferir maior liberdade ao desejo democrático, à definição do destino econômico dos participantes do bloco e à ampliação da soberania monetária”. Trocando em miúdos esse palavrório: uma moeda única faria a mágica de nos elevar à condição de superpotências econômicas, a ponto de termos liberdade de fazermos o que bem entendermos com nosso destino (“soberania monetária”).

Para entender este ponto, vale listar os diversos exemplos listados pelos autores, e que demonstram como países com moedas fracas são vulneráveis e como uma moeda forte permite ter margem de manobra:

• Os EUA e a Europa se valeram do poder de suas moedas para impor severas sanções contra a Rússia;

• Em 1979, os EUA elevaram os juros para “reafirmar o poder do dólar”, quebrando todos os países que tinham dívidas em dólar (na verdade, o Fed elevou as taxas de juros para combater a inflação);

• Em 2008, a força do dólar teria permitido ao Fed sustentar os preços no mercado financeiro;

• Durante os anos 90, sucessivas crises globais levaram diversos países latino-americanos a recorrer ao FMI, muitas vezes abrindo mão da soberania sobre suas políticas;

• Vários países recorreram à dolarização de suas economias, renunciando à sua soberania monetária.

A moeda única da América do Sul serviria, portanto, para fortalecer as economias da região, levando-as à “soberania monetária”.

Temos aqui o típico caso do rabo abanando o cachorro. Vou aqui copiar o parágrafo do artigo que é chave para entender o problema dessa ideia:

“A utilização do poder da moeda em âmbito internacional renova o debate sobre sua relação com a soberania e a capacidade de autodeterminação dos povos, em especial para países com moedas consideradas não conversíveis. Por não serem aceitas como meio de pagamento e reserva de valor no mercado internacional, seus gestores estão mais sujeitos às limitações impostas pela volatilidade do mercado financeiro internacional”.

Estou lendo neste momento o livro de Gustavo Franco, “A Moeda e a Lei”. Trata-se de um verdadeiro tratado sobre a moeda brasileira, sob o ponto de vista das diversas legislações que se sucederam ao longo da história. Fica claro, ao longo do livro, os graves problemas de governança da moeda nacional, e que acabaram por levar às várias reformas monetárias ao longo da história e à hiperinflação. A moeda brasileira sempre foi tratada como linha auxiliar dos grandes programas de fomento governamental, submetendo o orçamento público aos interesses privados de políticos e de setores econômicos, sem qualquer tipo de limitação. A moeda brasileira nunca foi respeitada pelos nossos representantes.

Voltando ao parágrafo destacado acima, o problema não é que os países da região tenham um déficit de soberania porque suas moedas sejam fracas. É justamente o oposto: as moedas são fracas porque os países da região abrem mão de sua soberania em favor de grupos privados. Ao não levar a sério as finanças públicas, esses países sabotam a própria moeda.

É interessante como não há, ao longo de todo o artigo, uma mísera menção à disciplina fiscal. O Euro só funciona porque a Alemanha, fanática pela disciplina fiscal, ancora a zona do Euro. Há regras duras que devem ser obedecidas por todos os seus membros, o tratado de Maastricht. Em sua pior crise, em 2011, vários países da zona do Euro ficaram ameaçados de sair da moeda única. A Grécia, o país em pior situação fiscal, teve que fazer um ajuste draconiano, cortando aposentadorias e outras despesas públicas para se enquadrar. Era isso ou sair. Os gregos, sob a liderança de um político de esquerda, escolheram a disciplina à hiperinflação que certamente se seguiria se escolhessem voltar ao dracma. Uma moeda estável tem seus custos, e não são pequenos.

A ideia de que uma moeda única seria capaz de “oferecer aos países as vantagens […] de uma moeda com maior liquidez, válida para relações com economias que, juntas, representam maior peso no mercado global” é o mesmo que acreditar que dois bêbados juntos fazem uma pessoa sóbria.

Claro que precisaríamos de uma espécie de “Câmara Sul-Americana de Compensação”, como chamam os autores do artigo ao esquema em que os países superavitários ajudariam os países deficitários. O duro é encontrar países superavitários na região. Oi Chile, já vai embora, fica mais um pouco, vamos conversar…

Enfim, a ideia por trás do SUR (o nome dado à essa moeda sul-americana) é uma espécie de pensamento mágico, em que a união monetária teria o condão de integrar a região e torná-la mais forte diante do mundo. Como brincou meu amigo Cleveland Prates, que me enviou esse artigo, resta saber se a sede do Banco Central da América do Sul ficaria em Buenos Aires ou Caracas.

Aqui o PT não se cria

O PT está convicto da viabilidade eleitoral de Fernando Haddad na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes neste ano. Será que dessa vez o partido de Lula finalmente conquistará a última fortaleza antipetista do país, o estado de São Paulo? Vejamos.

Em 2002, quando o PT ainda era o partido da esperança e Lula estava destinado a tomar o leme do país, o candidato do PSDB naquele ano, Geraldo Alckmin, deu uma lavada no candidato do PT, José Genoíno, no 2o turno: 59% a 41%. Isso porque Lula deu uma escovada em Serra no plano nacional, vencendo o 2o turno por 61% a 39%. A campanha de Lula foi tão espetacular naquele ano que o ex-metalúrgico conseguiu a façanha de ganhar a eleição em São Paulo, por 55% a 45%, a primeira e única vez em que isso aconteceu.

Daí em diante foi só ladeira abaixo para o PT em São Paulo. Em 2006, pós mensalão mas tendo bons resultados econômicos para mostrar, Lula conseguiu se reeleger com o mesmo percentual de 2002, 61% a 39%, contra Alckmin. No plano estadual, no entanto, ao contrário de 2002, Alckmin venceu Lula por 52% a 48%. E, para governador, Serra simplesmente atropelou Aloísio Mercadante, o candidato do PT, vencendo no 1o turno com 58% dos votos contra 32% do petista.

Em 2010, com o mensalão já perdido nas brumas da história e no auge de sua popularidade, Lula conseguiu emplacar o seu poste nas eleições presidenciais: Dilma venceu Serra por 56% a 44%. No entanto, em São Paulo, Serra venceu Dilma por 54% a 46%. E, para governador, Alckmin venceu as eleições no 1o turno, com 51% dos votos, novamente contra Mercadante.

Em 2014, com a economia já cambaleante e as nuvens negras do petrolão começando a cobrir o céu petista, Dilma conseguiu se reeleger em uma eleição bastante disputada contra Aécio Neves, 52% a 48%. No estado de São Paulo, no entanto, Aécio passou por cima de Dilma, com 64% a 36%, a maior votação estadual do mineiro. Para governador, Alckmin novamente se elegeu no 1o turno, com 57% dos votos. Alexandre Padilha, o candidato do PT, chegou apenas em terceiro lugar, com meros 18% dos votos, perdendo o segundo lugar para Paulo Skaf. Foi a pior votação do PT no estado desde 1994, quando José Dirceu também chegou em terceiro lugar, com 15% dos votos.

Finalmente, em 2018, com Lula preso, Bolsonaro vence Fernando Haddad no 2o turno por 55% a 45%. Em São Paulo, Bolsonaro ganhou por uma margem muito mais larga, 68% a 31%. E, nas eleições estaduais, o PT novamente não consegue chegar ao 2o turno: seu candidato, Luiz Marinho, conseguiu apenas 13% dos votos no 1o turno, chegando em 4o lugar, piorando ainda mais a marca alcançada por Padilha nas eleições anteriores.

Apenas para recapitular, vamos listar a seguir a votação do PT nas eleições de São Paulo desde a redemocratização:

  • 1982: Lula – 11% (4o lugar)
  • 1986: Eduardo Suplicy – 11% (4o lugar)
  • 1990: Plinio de Arruda Sampaio – 12% (4o lugar)
  • 1994: José Dirceu – 15% (3o lugar)
  • 1998: Marta Suplicy – 22% (3o lugar)
  • 2002: José Genoíno -32% (2o lugar) – 41% no 2o turno
  • 2006: Aloísio Mercadante – 32% (2o lugar)
  • 2010: Aloísio Mercadante – 35% (2o lugar)
  • 2014: Alexandre Padilha – 18% (3o lugar)
  • 2018: Luiz Marinho – 13% (4o lugar)

Chegamos em 2022. Os petistas plantam na imprensa a informação de que o partido está convicto da viabilidade eleitoral de Fernando Haddad. Só de observar a lista acima, podemos intuir o embuste. O PT, no auge de sua glória eleitoral em São Paulo, conseguiu chegar ao 2o turno (a única vez em que isso se deu) e perdeu de lavada. O PT que saiu das eleições de 2018 é do mesmo tamanho e relevância daquele das décadas de 80 e 90. Não é impossível que o PT melhore a sua performance em 2022 em relação a 2018. Mas daí a achar que “tem viabilidade eleitoral” em São Paulo, vai uma distância amazônica.

A cereja do bolo da notinha é a tentativa de convencer Boulos a desistir de sua candidatura em favor do candidato do PT, com a promessa de apoio para a prefeitura de São Paulo em 2024. Como se promessa de petista não fosse escrita na areia. Boulos, que de bobo não deve ter nada, vai sugerir o mesmo para o PT: apoio a Haddad na disputa pela prefeitura em 2024. Afinal, viabilidade eleitoral por viabilidade eleitoral, Boulos também tem.

No final, em São Paulo deve dar a lógica. Não sei quem vai ganhar a eleição, mas sei quem não vai ganhar: Haddad. Aqui o PT não se cria.