Colocar o Qatar como cabeça de chave não faz o menor sentido. Poderemos ter um grupo com Qatar, EUA, Sérvia e Arábia Saudita e outro com Brasil, Alemanha, Polônia e Gana. ”Grupos da morte” são legais para dar alguma pimenta na fase de grupos de um campeonato com seleções em excesso. Mas a contrapartida é termos grupos que não fariam falta de maneira alguma.
Copa do Mundo é camisa. Os atuais campeões do mundo, com a adição de Holanda e, talvez, Bélgica, deveriam ser sempre os cabeças de chave, para guardar os confrontos que importam para a fase do mata-mata. Essa história de usar o tal “ranking da FIFA” como critério não passa de um burocratismo que não conversa com o torcedor. Esse burocratismo, aliado à ambição comercial que inchou a Copa do Mundo, vai aos poucos matando o interesse pelo torneio.
Até 1978, a Copa do Mundo era disputada por 16 seleções a cada 4 anos. A partir de 2026, o torneio contará com 48 seleções e poderá ser disputada a cada 2 anos. O que mudou nesses quase 50 anos? Simples: a FIFA está estressando o seu principal produto para testar até onde ele aguenta.
Qual o ponto ótimo de uma Copa do Mundo do ponto de vista financeiro? Um número maior de seleções traz novos espectadores, sem dúvida. Mas pode deixar uma boa parte do torneio, incluindo as eliminatórias, sem apelo para os espectadores tradicionais. Um exemplo são as próprias eliminatórias sul-americanas. Antigamente, a seleção brasileira corria o risco real de ficar fora da Copa do Mundo. No entanto, com 5 seleções classificadas e mais uma na repescagem contra uma seleção da Oceania (!), a seleção só não se classifica por um desastre de proporções cósmicas. Resultado: as eliminatórias perderam muito do apelo que tinham antigamente. Com 48 seleções, as eliminatórias na Europa devem perder o apelo também. Mas a FIFA deve ter feito o cálculo e concluído que vale a pena do ponto de vista financeiro.
Agora, vamos aumentar a frequência da competição. O raciocínio é o mesmo: o interesse na competição se dá pela sua raridade. O país para pra ver os jogos. Ocorreria o mesmo se a competição ocorresse de dois em dois anos? Qual seria a audiência? A FIFA deve estar considerando que as duas copas a cada 4 anos terá mais público do que uma copa no mesmo período, mesmo que cada uma delas tenha menos público do que a copa “normal”. O público de cada uma delas não deve cair pela metade, o que representa um ganho adicional. Neste ponto, a FIFA está agindo racionalmente.
No entanto, apesar de poder fazer sentido do ponto de vista estritamente financeiro, não faz nenhum sentido do ponto de vista esportivo. A Copa do Mundo tem essa aura mítica justamente por ser um evento raro. Uma Copa do Mundo bienal com 48 seleções se tornará um torneio comum. Terá algum interesse, mas longe do que representa hoje. Uma pena.