Escolhas

O problema de fundo nessa história da taxação dos sites chineses é a enorme, brutal, diferença de carga tributária entre as empresas chinesas e brasileiras.

Brasil e China têm renda per capita semelhante. Ambos são considerados países de renda média. A carga tributária chinesa, no entanto, é muito menor que a brasileira. Segundo a OCDE, a carga tributária do Brasil é de quase 32% do PIB, enquanto a da China é de apenas 20% do PIB. Como se nivela essa diferença? Claro, com imposto sobre importação.

Em um lance de relações públicas, a Shein anunciou a “criação” de até 100 mil empregos, por meio de parcerias no setor têxtil. Ou seja, a Shein abriria mão de sua vantagem competitiva para produzir, no Brasil, as mesmas mercadorias que produz na China e vende aqui dentro sem imposto de importação. Acredite quem quiser.

Uma das poucas vantagens de ser mais velho é ter memória. Em 2011, início do governo Dilma, esse número mágico de “100 mil empregos” foi anunciado pela Foxconn, fabricante taiwanesa de iPhones e iPads.

Na época, o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloísio Mercadante, estava radiante com a promessa, assim como Haddad hoje. Adivinha quantos empregos foram criados? Pois é. Eu conto essa história neste post.

Somos um país que fez uma escolha: alta carga tributária para bancar uma generosa previdência social (a previdência representa quase metade de todos os gastos do governo). Para um país jovem e de renda média, essa é a fórmula da baixa competitividade global. O resultado é que os brasileiros vivem reféns de um sistema que precisa taxar o consumo de maneira desproporcional, tornando nossos produtos os mais caros do mundo. Quando surge um site chinês que vende e entrega sem o imposto, o brasileiro avança como se fosse um oásis no deserto. Não deixa de ser injusto: afinal, esse mesmo brasileiro usufruirá da previdência generosa, sem pagar por ela.

A Shein vai criar 100 mil empregos assim como a Foxconn criou: só na promessa. Não tem lógica econômica em produzir no Brasil, enquanto o chinês puder exportar sem imposto.

Esse nome não me é estranho

Mercadante, Mercadante… esse nome não me é estranho. Ah sim, lembrei!

Mercadante foi o ministro da Ciência e Tecnologia do governo Dilma 1 que anunciou, em tom triunfante, a instalação de uma fábrica gigantesca da Foxconn para a produção de iPads, iPhones e componentes, em um investimento de US$ 12 bilhões que geraria nada menos do que 100 mil empregos no país, dos quais nada menos de 20 mil seriam engenheiros (Exame, 14/04/2011).

O ministro não fazia por menos: haveria exigência de ”parceria com o capital privado nacional para termos transferência de tecnologia” (Estadão, 25/04/2011). Afinal, queremos o desenvolvimento da engenharia tupiniquim.

Dois meses depois, o ministro admitia que haveria “algum atraso” no projeto. A empresa estaria com dificuldade de contratar engenheiros. Já havia contratado 175, faltavam 200. (Fico imaginando como seria contratar 20 mil…). O início da operação, que deveria ser em julho, foi adiada para setembro. (Agência Brasil, 17/06/2011)

Em setembro, o ministro reconhece que o projeto enfrenta dificuldades, incluindo fornecimento de energia, mão de obra qualificada e parceiros locais. Segundo Mercadante, “as condições de estrutura, tecnologia, energia, logística, é tudo muito complexo”. Além disso, “… na área de tecnologia, os sócios (brasileiros) que nós temos não têm musculatura financeira para investimentos próximos a esse valor” (Reuters, 26/09/2011). A Foxconn iria entrar com a tecnologia, o dinheiro e incentivos fiscais eram por conta dos brasileiros.

Em outubro, o ministro anunciou que seriam não uma, mas duas fábricas da Foxconn no país, para “fabricar telas”. A expectativa era começar a produção “antes da Copa de 2014”. Para surpresa de ninguém, o BNDES é mencionado como “indispensável” ao projeto e foi anunciada a redução da alíquota do IPI para tablets e a zeragem do PIS/Cofins. Afinal, tratava-se de “reindustrializar” o país. O presidente da Foxconn prometia para dezembro o início da produção de iPads no país. (Veja, 13/10/2011)

Em dezembro, Mercadante anuncia que os investimentos deverão ser da ordem de US$ 4 bilhões, e seis estados estavam disputando quem dava o maior benefício fiscal para as fábricas. O BNDES, obviamente, fazia parte das negociações. (Agência Brasil, 16/12/2011). Nem sinal da produção de iPads.

Em janeiro de 2012, Mercadante deixou a pasta para assumir a Educação no lugar de Fernando Haddad. Agora na presidência do BNDES, poderá retomar esse grandioso projeto, parado desde 2011 pela falta de uma mente com a sua visão para liderar a reindustrialização e a inovação tecnológica no país.

PS.: A Foxconn chegou a ter 10 mil funcionários em suas plantas em Jundiai, produzindo iPads e iPhones. Essa produção foi descontinuada em 2017, porque “era muito caro produzir parte na China para terminar no Brasil”, segundo a avaliação de uma consultoria. (Isto É Dinheiro, 23/06/2017). A questão da “reindustrialização e inovação tecnológica” no Brasil vai muito além de algumas linhas subsidiadas do BNDES.