“Guterman, que paulada o IPTU esse ano!”
A frase me interrompeu em meio a um raciocínio qualquer. Meu colega de trabalho insistiu: “Você já recebeu seu IPTU?”
Desperto da minha concentração, mas ainda sem conseguir concatenar qualquer resposta, balbuciei que não, só pra me livrar daquele papo e voltar ao que estava fazendo. Mas aí me lembrei que esse colega fez o L com entusiasmo, e não perde oportunidade de fazer proselitismo a respeito das desigualdades do País, e como é necessário ter um governo que “olhe para os pobres”. Então, emendei: “Mas acho justo. Quem mora em bairro nobre da cidade deve pagar IPTU mais alto, para que a prefeitura possa patrocinar políticas que beneficiem os mais pobres”.
Após alguns longos segundos de silêncio, meu colega só conseguiu gemer baixinho “é verdade, mas está muito alto…”
Todo mundo quer resolver os problemas do país. Em tese. Na prática, quando se trata de contribuir de verdade, todo mundo se vê como titular de direitos divinos à sua própria renda. E aí, quem pode mais chora menos. O resultado é essa colcha de retalhos tributária em que vivemos, repleta de bunkers onde diversos grupos de interesses se entrincheiram para defender o seu naco no orçamento público. A notícia de hoje é só mais um exemplo.
Aliás, trata-se de uma contradição em termos: se o setor agropecuário não fosse subtributado em relação a outros setores, a bancada ruralista não estaria se mexendo para barrar a alíquota única.
Em tese, a esquerda deveria fazer esse papel de “defensora dos pobres”. No entanto, seu verdadeiro interesse está em defender funcionários públicos e trabalhadores com carteira assinada. As migalhas do Bolsa Família servem para acalmar a consciência, enquanto também defendem interesses corporativos no orçamento público.
É sintomático que tenhamos uma “bancada ruralista” e não uma “bancada dos favelados”. Mostra bem as distorções do sistema de representação política no Brasil.