A Copa do Mundo feminina terminou no domingo passado, mas só agora consegui parar para fazer uma estatística sobre a qual sempre tive curiosidade: como se compara a cobertura jornalística da Copa do Mundo feminina com a Copa do Mundo masculina?
Para fazer essa estatística, vou usar o Estadão. Não acredito que o resultado seja muito diferente se usarmos a Folha, o Globo ou mesmo a cobertura das TVs.
No Gráfico 1, ploto o número de páginas dedicadas aos dois eventos, iniciando 3 dias antes do primeiro jogo e terminando 3 dias depois da final. A Copa do Mundo feminina teve 3 dias a mais, por isso o gráfico da Copa masculina termina antes. Vamos ver o que temos.
Até dois dias antes do início de cada evento, não há diferença perceptível, a cobertura é a mesma para ambos. A diferença torna-se brutal na véspera da abertura: enquanto o Estadão dedicou 6 páginas à Copa do Mundo masculina, apenas uma página é dedicada ao evento feminino. E esse padrão permanece ao longo de toda a cobertura: enquanto o número de páginas dedicadas à Copa do Mundo masculina varia de 6 a 8, o máximo que se dedica ao evento feminino é uma página ao longo do torneio.
Após a eliminação de cada seleção, há um padrão em ambos os casos: a cobertura diminui. Mas enquanto o evento masculino ainda recebe entre 3 e 4 páginas de cobertura, a Copa feminina simplesmente cai no ostracismo: a cobertura é simplesmente zero, a não ser quando se trata de anunciar a final inédita entre Espanha e Inglaterra (um terço de página) e para fazer a cobertura da final, mas somente no dia seguinte do jogo. No dia da final mesmo não há sequer uma menção ao evento. Ainda há alguma cobertura pós-Copa por conta do beijo que o presidente da Federação espanhola deu na jogadora campeã. Não fosse por isso, já não teríamos mais nada. No caso da Copa masculina, ainda tivemos 3 dias de grande cobertura, com 7 páginas no dia seguinte à final e duas páginas em cada dia posterior. No acumulado deste período, o Estadão dedicou 200 páginas para a Copa masculina, contra 15 da Copa feminina.
A coisa se torna ainda mais constrangedora quando se compara a cobertura da Copa feminina com a cobertura dada à transferência de Neymar para o futebol árabe, como podemos ver no gráfico 2. A partir do 19o dia após o início da Copa, com a nossa seleção já eliminada, o assunto dominante passa a ser o ex-atacante do PSG. Inclusive no próprio dia da final, o assunto é Neymar. Talvez por isso não tenha sobrado espaço para dar notícia da Copa feminina… No acumulado desde que surgiu a primeira notícia da transferência, Neymar mereceu 2 páginas completas, contra 1 1/8 página da Copa feminina.
Aqui termina a estatística e começa a interpretação.
Como os recursos (páginas/horas) são limitados, os editores priorizam aquilo que atrai maior interesse de quem lê/ouve/assiste, pois jornal/rádio/TV vivem de sua audiência. É óbvio que a Copa masculina atrai muito mais interesse do leitor/ouvinte/expectador que a Copa feminina. Então, é só natural que a cobertura seja muito maior em um caso do que no outro. A difereça de cobertura (13 vezes mais no caso do Estadão, e não acho que seja muito diferente no caso de outros veículos) deve ser proporcional à diferença de interesse em relação aos dois eventos.
O que não é natural ou óbvio é a razão entre o real interesse e o interesse que a lacrosfera quer nos fazer crer que existe, lacrosfera que inclui os próprios veículos de comunicação. Ou seja, quando se trata de lacrar, a Copa feminina é o maior evento do mundo. Mas na hora de dedicar espaço em suas coberturas, os veículos obedecem à velha lógica patriarcal-misógina. #atéquando?