O que distingue o craque do medíocre

Leio no jornal hoje que Patrick de Paula pediu a Vanderlei Luxemburgo para bater um pênalti ontem na decisão. E não um pênalti qualquer, mas o último pênalti, que poderia ser o decisivo.

O garoto tem 20 anos. Ontem foi a primeira vez que o vi jogar. Pareceu-me seguro e com bom toque de bola. Mas, no Brasil, milhares de garotos têm bom toque de bola. Para ser um craque, é preciso mais do que isso. É preciso tomar risco. “Ter personalidade”, como diz o jargão do futebol.

Ao pedir para bater o 5o pênalti, Patrick mostrou que tem personalidade, que sabe tomar risco. A própria forma de bater o pênalti mostrou isso: na forquilha de Cássio, sem chance para o goleiro. Raras vezes vi um pênalti bem batido como esse. Mas é uma batida arriscada, a probabilidade de a bola sair por cima não é desprezível.

Patrick de Paula mostrou, no jogo de ontem, que pode se destacar no futebol. Pois, além do bom futebol, sabe tomar risco. E isso distingue o medíocre do herói.

Nota especial para Vanderlei Luxemburgo. Cabia a ele a decisão de quem iria bater o pênalti. Tomou o risco de entregar a responsabilidade para um garoto de 20 anos. Se Patrick perdesse o pênalti, a cobrança viria principalmente sobre o técnico, pois ele é o adulto na sala, aquele que decide com responsabilidade. Mas Luxemburgo confiou na sua avaliação, e tomou o risco. Mostrou porque, apesar de controverso, é um técnico incontestavelmente vitorioso.

Claro, nada disso estaria sendo escrito se Patrick perdesse o pênalti. Mas o sucesso é dos que se arriscam e não têm medo do fracasso. O “se”, agora, faz parte do passado. Patrick acertou o pênalti com maestria, e vai colher os frutos de sua ousadia.

O título do Paulistão em boas mãos

Quis Deus, e o bom futebol jogado pelo Santo André, que o time do ABC paulista terminasse a fase pré-coronavírus do campeonato paulista em primeiro lugar, o que dá de bandeja a solução para o imbróglio: encerrar o campeonato e conceder o título ao líder. Fosse um dos quatro grandes o líder, essa solução seria muito mais difícil.

O Santo André já bateu na trave em 2010, quando enfrentou de igual para igual o Santos de Neymar e Ganso, o mesmo esquadrão que venceria a Libertadores no ano ano seguinte. Nada mais justo do que dar a esse time o título que só foi ganho uma vez por um time do ABC, o São Caetano, em 2004.

Clubes de São Paulo: vamos virar a página e partir para a próxima.

A inutilidade do VAR

O VAR veio com a promessa de acabar com os “erros” da arbitragem. Afinal, não tem como errar vendo um lance em câmera lenta varias vezes.

Será?

Quem assiste futebol pela TV sabe que isso é balela. A interpretação dos lances pelos comentaristas muitas vezes é contraditória, e às vezes ficamos em casa nos perguntando que jogo o comentarista está assistindo ao comentar determinados lances, de tão esdrúxula é a interpretação.

O VAR serviu apenas para acrescentar mais uma polêmica a um jogo já cheio delas. Existe a ilusão da verdade absoluta, aquela cientificamente provada, acima de qualquer interpretação humana. Uma ilusão, como disse, pelo menos no futebol. Se assim fosse, não precisaríamos de árbitro em campo, bastaria o VAR.

Além de ser caro e chato bagarai, com suas longas interrupções em momentos decisivos do jogo, o VAR representa uma promessa de justiça que, no final, não consegue entregar, o que somente piora a situação.

Espero que essa experiência com o VAR seja útil pelo menos para convencer a todos os que amamos o futebol de que erros de arbitragem são parte inseparável do esporte, com ou sem VAR. E que, portanto, o VAR pode ser dispensado pela sua completa inutilidade.

Estatísticas futebolísticas

Neste fim de semana começa mais um Brasileirão. Será o de número 17 depois da adoção do sistema de pontos corridos. Uma vantagem desse sistema, entre muitas outras, é a possibilidade de levantar estatísticas. Fiz algumas por curiosidade.

O ranking de pontos nas primeiras 16 edições do campeonato é o seguinte:

  1. São Paulo: 1.008 pontos
  2. Cruzeiro: 963 pontos
  3. Santos: 934 pontos
  4. Corinthians: 900 pontos
  5. Flamengo: 894 pts
  6. Internacional: 888 pts
  7. Fluminense: 865 pts
  8. Grêmio: 851 pts
  9. Atlético-MG: 831 pts
  10. Palmeiras/Atlético-PR: 808 pts
  11. Botafogo: 730 pts
  12. Vasco: 654 pts

Observação importante: ajustei o número de pontos pelo número de jogos, pois os primeiros 3 campeonatos tiveram mais do que 20 clubes participantes, o que permitiu que os melhores nesses anos acumulassem mais pontos que os demais.

Algumas equipes não participaram de todos os campeonatos, As únicas equipes que participaram de todos os certames foram São Paulo, Cruzeiro, Santos, Flamengo e Fluminense.

Como algumas equipes não participaram de todos os certames por terem sido rebaixadas, calculei a média de pontos por campeonato em que cada equipe efetivamente participou. O ranking neste quesito é o seguinte:

  1. São Paulo: 63,0 pts
  2. Grêmio: 60,8 pts
  3. Cruzeiro: 60,2 pts
  4. Corinthians: 60,0 pts
  5. Internacional: 59,2 pts
  6. Santos: 58,4 pts
  7. Palmeiras: 57,7 pts
  8. Flamengo: 55,9 pts
  9. Atlético-MG: 55,4 pts
  10. Fluminense: 54,1 pts
  11. Atlético-PR: 53,9 pts
  12. Botafogo: 52,2 pts
  13. Goiás: 51,5 pts
  14. Vasco: 50,3 pts

Algumas equipes participaram de apenas um campeonato: América-RN (2007), Joinville (2015), Ipatinga (2008) e Santo André (2009).

O departamento de estatísticas inúteis fica por aqui. Boa noite.

O índice de Gini dos campeonatos europeus

Sempre me intrigou a dominância de meia dúzia de times no futebol europeu. Real Madrid, Barcelona, Bayern, Manchester United, enfim, se fizermos uma pesquisa com pessoas comuns, que não acompanham o futebol europeu de perto, provavelmente não chegaremos a mais do que 10 times. Será esta somente uma impressão, ou de fato o futebol europeu é meio enfadonho, com os mesmos times sempre ganhando os títulos?

Para tirar essa dúvida, fiz um levantamento simples desde 2003 (primeiro ano de pontos corridos do campeonato brasileiro) até 2018, dos times que chegaram entre os 4 primeiros de cada campeonato nacional. No caso do campeonato brasileiro, o resultado foi o seguinte: 15 times diferentes chegaram entre os 4 primeiros lugares nesses últimos 16 anos. São Paulo (9 vezes) lidera este ranking, seguido de Grêmio (8 vezes), Santos, Palmeiras, Corinthians e Cruzeiro (6 vezes), Flamengo e Internacional (5 vezes), Fluminense (4 vezes), Atlético-MG (3 vezes), Atlético-PR (2 vezes) e Vasco, São Caetano, Goiás e Botafogo (1 vez).

Fiz o mesmo levantamento para os times dos campeonatos europeus.

No caso do campeonato espanhol, 13 times chegaram entre os 4 primeiros nos últimos 16 campeonatos. Não muito diferente do campeonato brasileiro, com 15 times. Mas a distribuição é bem diferente. O Real Madrid, por exemplo, chegou entre os 4 primeiros em TODAS as últimas 16 edições do campeonato espanhol. O Barcelona, em 15 edições. Essas duas equipes principais foram seguidas de longe por Valência e Atlético de Madrid, com 8 edições cada. As próximas equipes foram Villarreal e Sevilla, com 4 edições cada, e as seguintes só aparecem uma vez. Ou seja, o campeonato espanhol, na prática, só tem 4 equipes que importam, o resto é coadjuvante.

O campeonato italiano é ainda pior. Somente 11 equipes conseguiram chegar nas 4 primeiras posições do campeonato nos últimos 16 anos, sendo que 4 dominaram em relação às demais: Juventus (12 vezes), Internazionale (11 vezes), Milan e Roma (10 vezes cada). As equipes seguintes aparecem de 6 vezes para baixo. Sem contar que a Juventus ganhou os últimos 7 campeonatos. Quer coisa mais monótona?

Na Alemanha, o campeonato é dominado por um time: Bayern Munich, que aparece entre os 4 primeiros lugares em todas as últimas 16 edições do campeonato. Depois do Bayern, a coisa fica mais equilibrada: Schalke 04 (9 vezes), Borussia Dortmund (8 vezes), Bayern Leverkussen (7 vezes) e Werder Bremen (6 vezes) se revezam entre os 4 primeiros. 13 times chegaram na frente nos últimos 16 anos.

Na Inglaterra, somente 9 times chegaram entre os 4 primeiros nos últimos 16 anos, sendo que o campeonato é dominado por 3 equipes: Arsenal (14 vezes), Manchester United e Chelsea (13 vezes). O Manchester City é uma estrela em ascensão, tendo chegado 8 vezes entre os 4 primeiros, mas essas 8 vezes foram exatamente nos últimos 8 anos. O Liverpool também chegou 8 vezes, mas suas glórias estão mais no passado. E acabou o futebol inglês.

Finalmente, na França, 14 equipes chegaram na frente nos últimos 16 anos, mas o campeonato é dominado por um time, o Lyon, que chegou entre os 4 primeiros em 15 edições. Segue o líder o Paris Saint-German e o Marseille (9 vezes), o Monaco (8 vezes) e o Lille (6 vezes). O PSG, a exemplo do Manchester City na Inglaterra, é uma estrela em ascensão: das 9 vezes que chegou na frente, 8 vezes foram nos últimos 8 anos.

O campeonato argentino é mais parecido com o nosso. Também 15 equipes chegaram entre os 4 primeiros nos últimos 16 anos, e o equilíbrio é maior. O líder é o Boca Junior (10 vezes), seguido de San Lorenzo e River Plate (8 vezes), Estudiantes (7 vezes) e Vélez Sarsfield e Lanús (6 vezes).

Mas como comparar estes números entre si e descobrir quais são os campeonatos mais “concentrados”? Para fazer este índice de “concentração de renda”, calculei o índice de Gini de cada campeonato. O índice de Gini é um número que vai de 0 a 1, sendo que 0 é a distribuição mais perfeita (todos ganham de maneira igual) e 1 é a distribuição mais imperfeita (um ganha tudo e o resto não ganha nada). Os índices de Gini dos diversos campeonatos é o seguinte:

  • Brasileiro: 0,53
  • Argentino: 0,56
  • Alemão: 0,62
  • Francês: 0,66
  • Italiano: 0,70
  • Espanhol: 0,73
  • Inglês: 0,77

Fiz o mesmo cálculo para a Liga dos Campeões da Europa e para a Taça Libertadores da América:

Liga dos Campeões: 0,70

Taça Libertadores: 0,35

No caso da Taça Libertadores, nada menos do que 38 equipes diferentes chegaram entre os 4 primeiros nas últimas 16 edições do torneio. O que lidera, Boca Juniors, aparece somente 7 vezes, seguido de São Paulo e River Plate (5 vezes), Santos e Grêmio (4 vezes), Internacional e Guadalajara (3 vezes), Nacional e Universidad de Chile (2 vezes) e o restante apenas uma vez. Trata-se de um campeonato muito equilibrado, muito difícil de apostar em um vencedor, ao contrário da Liga dos Campeões, onde os mesmos disputam sempre.

Ok, vou concordar que o que vai acima é de uma inutilidade atroz. Mas, fica aqui uma pergunta para os apreciadores do esporte: por que os campeonatos na Europa são mais “concentrados” do que os campeonatos na América do Sul?

Entressafra

Este infográfico do Estadão mostra tudo e não esconde nada. Mostra a entressafra de craques que o futebol brasileiro atravessa desde meados da década passada. O último a receber a bola de ouro foi Kaká, em 2007, e desde 2011, com exceção do ano passado, apenas Neymar aparece entre os 10 primeiros. Apenas como comparação, entre 1994 e 1998 e entre 2002 e 2007, sempre mais de um jogador brasileiro apareceu entre os 10 primeiros. Cinco diferentes jogadores (Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e Kaká) receberam a bola de ouro em um espaço de 14 anos. Não coincidentemente, o período em que chegamos à final da Copa em três vezes seguidas.

O futebol depende de organização, disciplina, planejamento. Mas, mais do que qualquer outro esporte, o fora de série pode compensar a falta desses atributos. O Brasil virou o Egito, que depende de um craque apenas. Se este falha, torna-se um time comum.

O futebol como ele é

Texto de João Pereira Coutinho

O futebol como ele é

Toda a gente conhece a piada: o beisebol só é suportável porque existe a cerveja.

Concordo. Já tive a experiência. Pena que os chatos, que dominam o mundo, em geral, e o esporte, em particular, queiram fazer o mesmo com o futebol.

Um exemplo: Simon Jenkins, uma das vozes lúcidas do The Guardian, sugere que os pênaltis devem ser abandonados. O futebol é um jogo de equipe?

Então é injusto fazer repousar a decisão de um jogo na sorte (ou no azar) de um indivíduo.

Jenkings não pretende regressar ao mundo pré-1978 quando os empates eram decididos por uma moeda lançada ao ar. É possível olhar para as estatísticas (a equipe que chutou mais no gol; a equipe que teve mais posse de bola; a equipa que cometeu menos faltas etc.) e decidir o vencedor. Embora a opção do colunista seja outra: alargar o tamanho do gol, por exemplo; ou, então, remover do campo o goleiro no tempo da prorrogação.

Sou contra. Frontalmente. Eu gosto dos pênaltis. Eu gosto da injustiça do momento. Eu gosto da dimensão trágica que desce ao gramado. Eu gosto da angústia dos jogadores, dos falhanços épicos, do choro e da ruína.

Nesses momentos, o futebol consegue atingir o patamar da grande arte. E a grande arte é sempre uma metáfora da vida —da beleza, do desastre, da imperfeição que a define.

E quem fala em tragédia, fala em comédia. Nunca entendi a hostilidade a Neymar. O jogador gosta de fingir? Gosta de simular dores homéricas quando alguém sopra para cima dele?Pois gosta —e ainda bem: todos os gênios têm sempre algo de farsante. Só cabeças quadradas não entendem. Uma delas, aliás, publicou um artigo ridículo no Wall Street Journal sobre as “estatísticas” de Neymar.

Na Copa, e antes do jogo fatídico com a Bélgica, o craque teve 43 quedas; esteve no chão 8 minutos e 15 segundos; o maior período de abstinência (tradução: sem fingimento) durou 34 minutos e 16 segundos (contra o México).

E parece que Neymar caiu mais quando o Brasil estava empatado (média de 9 segundos no gramado) embora tenha demorado mais tempo a recuperar quando o Brasil estava vencendo (média de 15 segundos).

Terminei o artigo com uma pergunta: que tipo de mente perturbada compila esses números?

Eu sei que tipo de mente: a mesma que recebe de braços abertos o lamentável juiz de vídeo. A esse respeito, um pouco de nostalgia: comecei a gostar de futebol por causa de um jogador português que, normalmente, não figura nos grandes livros de história. Não é um Eusébio, um Figo, um Cristiano Ronaldo. Para mim, é maior que esses todos.

O nome é Paulo Futre e lembro-me de o ver jogar, vestindo a camiseta da minha equipa (o FC Porto), com o meu saudoso pai ao lado. Teria uns 10 anos.

Recordo a velocidade. Os dribles. Os gols. Mas recordo, sobretudo e acima de tudo, o seu talento para cair na grande área. “Cair” não é o verbo; é “morrer” mesmo. Quando o defesa da equipe adversária se aproximava dele, Futre conseguia contorcer o corpo de uma forma tão agonizante que o público gritava: “Mataram-no!”

Havia choro. Havia luto. Mas, subitamente, como nos filmes de Carl Theodor Dreyer, Futre erguia-se e regressava ao mundo dos vivos. Era um milagre —e as bancadas desabavam em hossanas.

Houvesse juiz de vídeo em 1986 e esses momentos de pura cinefilia seriam impensáveis. E Futre, o primeiro Lázaro que conheci, não teria espalhado a sua arte pela Europa, onde o vi morrer mil vezes. E mil vezes ressuscitar.

Se essa Copa ensina alguma coisa é que a salvação do futebol não passa por “rigor”, “justiça” ou “verdade”. Precisa de caos, injustiça e muita falsidade. Como proceder? Três medidas urgentes.

Primeira: abandonar o juiz de vídeo. Na vida, não podemos recuar no tempo para rever e corrigir os piores momentos. Vivemos com eles porque isso é um imperativo de caráter. O mesmo vale para o futebol.

Segunda: no empate, manter os pênaltis. Ou, preferência minha, promover confrontos individuais: o jogador, radicalmente só, avança com a bola a partir do meio do campo. À sua frente, um adversário, igualmente só, da outra equipe. Manter o goleiro. No fundo, uma reatualização dos duelos medievais.

Terceira: não permitir que os jogos sejam narrados por “eruditos”. Você entende: jornalistas sem paixão que confundem futebol com física quântica. Em caso de dúvida, escutar no YouTube o jornalista da TV argentina que festejou o gol de Maradona frente a Inglaterra na Copa do México em 1986. Falo do segundo gol, quando Maradona driblou uma equipa inteira (goleiro incluso). Ali está a Maria Callas do futebol como ele é.

O povo sabe a diferença

“Enquanto o brasileiro se diverte com a Copa, o STF…”

“O Brasil ainda está na Copa, mas a Alemanha continua com a melhor saúde, educação…”

“Enquanto você se preocupa com as canelas do milionário Neymar, zilhões de brasileiros não tem segurança, saneamento básico…”

Frases dessa natureza e suas infinitas variações costumam invadir minha timeline no FB e no Twitter em época de Copa do Mundo. E me irritam.

Irritam-me, em primeiro lugar, porque representam uma visão infantilizada do povo, como se este confundisse as coisas: “Ah! Se o Brasil ganhar, político pode roubar à vontade!”, “Ah! Quando o Brasil joga esqueço que vivo na zerda!” Ora, menos. O povo sabe direitinho que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Só quer se divertir um pouco de vez em quando. É pecado?

Em segundo lugar, tem esse complexo de vira-lata que insistentemente nos lembra que o Brasil é um país medíocre em tantos quesitos. Sim, o povo sabe disso também, não precisa lembrar justamente quando brilha um dos poucos quesitos em que o país se destaca. Como se o povo não pudesse se orgulhar de nada enquanto o país não for perfeito. A seleção é uma das poucas instituições nacionais que fazem o povo se sentir “importante”, “melhor que os gringos”, “vencedor”.

“Ah, mas é só futebol”. Como assim, “é só futebol”???? O futebol é uma indústria de entretenimento que movimenta seguramente algumas centenas de bilhões de dólares anualmente. É o único esporte em que o dinheiro faz diferença, mas não toda a diferença. Fosse como outro esporte qualquer, os EUA seriam campeões mundiais há muito tempo. Então, conseguimos estar entre os melhores em algo importante na economia global, e tratamos isso com desprezo.

Por fim, a questão dos jogadores. Outro dia vi uma frase que dizia mais ou menos o seguinte: “enquanto você assiste 11 milionários correndo atrás de uma bola, o país continua com 12% de desempregados”. É a tradução perfeita do culto à mediocridade.

Cada um desses 11 milionários chegou lá por seus méritos. Não há atividade em que menos se possa esconder a falta de talento do que o futebol. A marcação a mercado é imediata. Jogou 3, 4 jogos mal, já começa a cobrança. O posto que Neymar conquistou é almejado por milhões de garotos no mundo inteiro. Lembro quando começou no Santos ao lado de Ganso. Eu achava Ganso melhor, mas foi Neymar que decolou. Quantas promessas não naufragam diante da pressão? Quem chega lá, chega porque foi mais competente em lidar com a pressão. Se são milionários é porque geram lucros para quem os financia. Seu sucesso vende produtos, suas imagens passam credibilidade. Os 11 milionários chutadores de bola são a imagem do sucesso, e o sucesso no Brasil, como já disse Tom Jobim, é ofensa pessoal.

Encerro com a antológica resposta que Joãozinho Trinta, carnavalesco da Beija-Flor por muitos anos e ganhador de vários carnavais, deu certa vez em uma entrevista. Questionado sobre o luxo de seus desfiles em contraste com a pobreza dos favelados que desfilavam, Joãozinho sapecou: “O povo gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual”. Gente, vamos parar de querer ser os “intelectuais” do futebol, aqueles que querem “abrir os olhos do povo” para as suas mazelas. O povo sabe muito bem o que sofre no dia a dia. Só quer se divertir um pouco e se sentir importante de 4 em 4 anos.