A “neoinduatrialização” do governo Lula vai mostrando que não passa do bom e velho protecionismo. Atendendo demanda da ANFAVEA, que candidamente admitiu que, sem alíquotas de importação, seria mais vantajoso continuar importando, o governo irá sobretaxar a importação de veículos elétricos.
Para aqueles preocupados com o meio-ambiente, o ministro da Indústria e vice-presidente Geraldo Alckmin, nos tranquilizou a todos. Afinal, o objetivo é “acelerar a descarbonização da frota no País”. Bem, realmente fica difícil entender como sobretaxar veículos elétricos ajudaria a alcançar esse objetivo.
Aliás, Alckmin acionou o seu gerador aleatório de discursos, e se saiu com essa: “É chegada a hora de o Brasil avançar, ampliando a eficiência energética da frota, aumentando nossa competitividade internacional e impactando positivamente o meio-ambiente e a saúde da população”. Palavras grandiloquentes, apontando um futuro de glória e esplendor. A não ser por um pequeno detalhe: o resultado da taxação aponta para o justo inverso.
O que podemos esperar é que 1) o Brasil vai continuar parado, 2) a eficiência energética da frota vai aumentar em ritmo mais lento, 3) a nossa competitividade internacional continuará estagnada, fruto do protecionismo, 4) os impactos no meio-ambiente e na saúde da população serão negativos.
Enfim, esse é o governo do “mais do mesmo”, insistindo no que não deu certo nas últimas décadas. E, para desgosto dos ambientalistas, um governo que não dá a mínima para o meio-ambiente quando se trata de negócios. Só resta esse discurso mumbo-jumbo do vice-presidente, que só os deslumbrados compram a valor de face.
O monotrilho que ligaria o aeroporto de Congonhas até outros modais de transporte foi contratado em 2011 para ser entregue para a Copa de 2014. Geraldo Alckmin era o governador na época, e só saiu do Palácio dos Bandeirantes 8 anos depois. A sucedê-lo tivemos João Doria, que ficou quase 4 anos à frente do governo paulista. Nem Alckmin, nem Doria conseguiram entregar o monotrilho, ainda que, no caso deste último, existe a desculpa da pandemia.
Como sabemos, Geraldo Alckmin, hoje, está exercitando a sua habilidade de fazer belos discursos e não entregar nada no Ministério da Indústria e Comércio. Doria voltou para o ramo de show business, que é a sua praia.
Vamos ver agora se Tarcísio resolve. Pelo menos parece que é do ramo. O presidente do metrô (empresa que irá operar a linha depois de pronta) pronunciou sábias palavras: “não vamos celebrar o anúncio da retomada das obras. A sociedade paulistana espera a entrega”. No dia em que os políticos brasileiros inaugurarem tantas obras prontas quanto canteiros de obras, seremos um país rico.
R$ 727 milhões para criar mil empregos. Ou R$ 727 mil para cada emprego criado.
Não estou muito por dentro dos números do McDonalds, mas fazendo uma rápida pesquisa na internet, descobri que o investimento em uma franquia do Ronald é da ordem de R$ 3 milhões, e cada loja tem, em média, 50 funcionários. Isso resulta em uma média de R$ 60 mil investidos para cada emprego criado, ou 12 vezes menos do que o que vai ser investido pelo governo para criar empregos em Manaus. Isso, considerando que o montante investido pelo governo seja o total, que as empresas privadas não vão tirar nada do bolso. Se houver investimento privado conjugado (o que é provável), a conta fica ainda pior. De onde concluímos que, se o objetivo é gerar empregos, talvez fosse melhor o governo financiar franquias do McDonalds.
Mas, alguém dirá, não são empregos comparáveis. O emprego na indústria é um emprego de qua-li-da-de, como gosta de dizer o vice-presidente Alckmin, sibilando as sílabas. Sim, o que torna a coisa ainda mais cruel: o governo está investindo R$ 727 mil para criar um posto de trabalho que só pode ser ocupado por alguém no topo da pirâmide educacional, onde o desemprego e o sub-emprego são muito menores. Na verdade, onde falta mão de obra qualificada. É cruel, mas não é uma surpresa. O PT e os sindicatos que orbitam o partido sempre se preocuparam com a nata dos empregados públicos e privados brasileiros, aquela minoria que tem carteira assinada. A reforma trabalhista, por exemplo, foi e é amplamente combatida pelos sindicalistas (Lula incluído) por tentar aumentar o aquário onde os trabalhadores têm alguma proteção legal, pois isso retiraria “direitos” dos peixes que já estavam no aquário. “Queremos os mesmos direitos para todos” é uma falácia, pois, dada a triste falta de formação da mão de obra brasileira, o aquário é muito pequeno.
E nem vou discutir que estes R$ 727 milhões serão gastos com empresas bem estabelecidas, que poderiam acessar bancos e o mercado de capitais para financiar suas atividades. O lobby da Zona Franca é bastante eficiente.
O presidente e o vice-presidente da República fizeram publicar um artigo no Estadão de hoje. Trata-se de importante peça, que deve ser lida com atenção. Muito se reclamou que Lula não explicitara seu programa econômico antes da eleição. Pouco menos de 5 meses após a posse, aí está. Neste artigo, Lula descreve o que de mais importante pretende fazer na seara econômica durante o seu governo. Essa é a boa notícia. A má, é que, depois de ler, não me ocorre outro ditado do que “a ignorância é uma benção”.
Optei por comentar trecho por trecho, pois trata-se de artigo em que o presidente e o vice-presidente desfilam, parágrafo após parágrafo, todas as suas várias ideias equivocadas sobre como funciona a economia.
O primeiro parágrafo já começa com uma imprecisão e uma mistificação. A imprecisão está no uso da palavra “anos” para caracterizar o período de encolhimento da indústria no PIB. A palavra correta seria “décadas”. O pico da participação da indústria no PIB foi na década de 80. A partir de então, só fez diminuir, inclusive durante os “anos de ouro” do governo PT, em que abundaram “políticas de incentivo à indústria”, as mesmas que estão sendo apresentadas agora como grande novidade. A mistificação é o termo “emprego de qualidade”. Aqui vou fazer uma pequena digressão.
Quando se defende a indústria por criar “empregos de qualidade”, ou se demoniza os aplicativos por “precarizar os empregos”, o foco está na DEMANDA por mão de obra. O raciocínio é sempre esse: precisamos criar demanda por “empregados de qualidade” e suprimir a demanda por “empregados precários”. O problema, no entanto, está na OFERTA de mão de obra. O Brasil simplesmente não cria suficiente mão de obra de qualidade. Pergunte a qualquer empresário a dificuldade de se encontrar mão de obra com a qualificação necessária, principalmente em áreas de exatas. Formamos psicólogos, advogados e sociólogos a rodo, enquanto faltam engenheiros e técnicos. Quando, por outro lado, empresas como o Uber oferecem uma opção de fonte de renda para essas pessoas sem qualificação, são demonizadas, como se fossem elas as culpadas pela vergonhosa falta de qualificação da nossa mão de obra. Nunca se discute produtividade da mão de obra, mas somente os seus “direitos sociais”, que serão pagos por alguém, independentemente da geração de valor do trabalho.
Continuemos. A seguir, os autores afirmam, corretamente, que o Brasil está perdendo a corrida da sofisticação tecnológica, e citam o exemplo da China, que fez o caminho inverso. Seria interessante que explorassem um pouco mais esse exemplo. Lula/Alckmin afirmam que a China foi capaz de levantar centenas de milhões de trabalhadores da pobreza. O que eles não contam é que o trabalhador chinês está longe, muito longe, do tal “emprego de qualidade” que eles sonham para o brasileiro. Eles têm uma fração dos “direitos sociais” com que os trabalhadores daqui contam, além de enfrentarem jornadas de trabalho que fariam um entregador do iFood parecer um bon vivant. Não tem dúvida de que o trabalhador chinês hoje está muito melhor do que há 3 ou 4 décadas. Mas isso aconteceu também no Brasil, entre as décadas de 30 e 70 do século passado, quando houve uma urbanização intensa do país. O próximo passo é que é o complicado, que é a formação dessa mão de obra. Nisso a China se saiu muito melhor, basta ver os exames internacionais de proficiência. Mas, certamente, Lula olha para a “política industrial” da China, não para a sua “política social” ou mesmo sua “política educacional”. Como se uma coisa prescindisse das outras.
A seguir, nossa dupla dinâmica entra na seara que mais lhes interessa, que é montar o seu país no Sim City. Então, devemos ser “criteriosos” em estimular que setores em que já tenhamos know how caminhem para produzir mais “valor adicionado”. Acho graça quando ouço esse termo, como se fosse algo mágico, uma espécie de varinha de condão, e não o resultado de muito capital de risco e mão de obra especializada. Claro, e não poderia deixar de haver a menção ao “conteúdo nacional”, como “até” os países desenvolvidos estão fazendo. Ou seja, continuaremos a ser um país fechado, reinventando a roda com nossos parcos recursos.
Mas é a seguir que Lula/Alckmin revelam o plano em todo o seu esplendor. Um tal de Conselho Nacional de Desenvolvimento Nacional vai dar “missões” para a indústria brasileira! Uau! Não consegui deixar de lembrar do agente 86, recebendo uma missão do Controle. Como pode, depois de décadas de “políticas industriais” que alguém ainda defenda que o governo pode dirigir investimentos produtivos de maneira eficiente. E já sabemos que há um programa novo de incentivos na praça, o Padis, para estimular a produção de semicondutores, hoje uma commodity. Quando vejo uma nova sigla, já sei que, daqui a alguns anos, será a plaquinha na porta de um armário onde estará guardado um esqueleto em decomposição. Não falha.
Ah, e tem a política comercial também. Porque, sabiamente, Lula&Alckmin nos informam que, além de produzir, precisa vender. Vender para quem? Para quem tem dinheiro? Naaaao! Para os pés rapados dos nossos vizinhos e da África. Essa é a “nova política comercial”. Que, claro, deverá envolver “linhas de financiamento” do BNDES. Afinal, como você vende para alguém que não tem dinheiro? Outro dia, comentei aqui que a China está passando por problemas de calote, principalmente na África. Queremos tomar o lugar dos companheiros chineses nessa missão.
Em seguida, vem o mambo jambo dos “investimentos verdes”. O Brasil estaria posicionado para receber investimentos porque tem “energia limpa”. É a versão moderna do “aqui, em se plantando tudo dá”, de Pero Vaz de Caminha. Todo dirigente brasileiro, e uma parcela relevante do povo brasileiro, acredita piamente que as nossas “riquezas naturais” (e nossa matriz de energia é limpa porque fomos abençoados com uma quantidade imensa de rios, sol abundante e ventos) são suficientes para nos fazer ricos. Segundo Lula&Alckmin, ter “energia limpa” seria condição suficiente para atrair investimentos, quando, na verdade, é condição apenas necessária, e talvez nem isso.
Para o agronegócio, haverá um Plano Nacional de Fertilizantes (PNF, outra sigla). Não custa lembrar que as maiores minas de produção de potássio estão no Amazonas, perto de terras indígenas. Mais um embate titânico no governo à vista?
Quase no final, como quem havia esquecido o assunto e foi lembrado, a dupla Lula&Alckmin faz menção a “medidas horizontais”, citando a reforma tributária como o elixir mágico que curará a sua unha encravada e todos os males da economia brasileira. É nesse parágrafo que os autores mencionam, pela única vez em todo o artigo, o “custo Brasil”. Um único parágrafo para endereçar o que realmente é o problema brasileiro e deveria ser o foco e o guia para todo o resto. É sintomático.
Claro, não poderia deixar de haver menção à “redução do custo do capital”, deixando claro que o governo já fez a sua parte com a aprovação do novo arcabouço fiscal. Só pode ser piada, não é possível que acreditem que esse arremedo de teto de gastos seja suficiente para reduzir o alto custo de capital no Brasil, que tem várias origens, sendo a insegurança jurídica a não menor delas. Óbvio que Lula&Alckmin querem jogar a bomba no colo do BC, nesse caso.
Ah sim, e tem o “investimento nas pessoas”. Afinal, como dissemos acima, sem mão de obra qualificada, nada feito. E quais são esses investimentos? Bolsa Família e aumento do salário mínimo! Não sei se choro de rir ou choro de chorar mesmo.
O último parágrafo encerra com a tese inicial, para que ninguém tenha dúvida do que estão falando: a indústria será o condutor da política econômica. O Brasil retomará a linha de produção de esqueletos e zumbis que ainda hoje assombram as contas públicas sem terem movido um milímetro sequer o ponteiro da industrialização brasileira. Está aí, escrito, preto no branco, para que ninguém possa alegar ignorância depois.
Geraldo Alckmin, o discreto, voltou a aparecer ontem, discursando em um Fórum de Desenvolvimento. Mereceu reportagem de meia página, um recorde nesse mandato.
Alckmin, o silencioso, aproveitou seus 15 minutos de fama para anunciar o anúncio de medidas inéditas e criativas para tirar a indústria brasileira da lama. A principal, ao que parece, serão incentivos à indústria automobilística, ressuscitando o “carro popular”. Agora vai!
Mas é na sua leitura da conjuntura econômica que Alckmin, o guerreiro calado do povo brasileiro, mostra todo o seu brilho, fazendo-nos recordar Romário, que afirmou que Pelé calado era um poeta. Em poucas frases, Alckmin nos faz ter vontade de chamar o rei Juan Carlos, para que dê a bronca que deu em Chavez. Vejamos.
Alckmin, o moderado, começa dizendo que o câmbio a R$ 5 “é um câmbio bom, é competitivo”. Que raios significa isso? O que é um câmbio “competitivo”? Competitivo para quem? Para a Shein? Os exportadores estão contentes? Os importadores? Com esse câmbio a indústria consegue competir nos mercados externos? O que Alckmin quis dizer com isso? A cereja do bolo foi dizer que “não pode ter grandes oscilações”. Como se isso dependesse do governo ou do Banco Central. Enfim, uma frase non-sense do início ao fim.
Em seguida, Alckmin, o comedido, afirma que está otimista de que haverá queda dos juros porque não há “inflação de demanda”. Qual a evidência? “Não há fila para comprar carros ou caminhões”. Para Alckmin, o ponderado, a cesta de consumo da família brasileira é formada 100% por carros e caminhões. Como ninguém está comprando carros e caminhões, então a demanda é zero. Gênio.
Por fim, Alckmin, o reservado, afirma que com “câmbio bom” (o que quer que isso signifique), “juros caindo” (vai esperando), “reforma tributária” (com essa base no Congresso?) e “agenda de competitividade” (sim, com o desmonte do saneamento, reestatização da Eletrobrás, nova política de preços da Petro), o Brasil vai decolar. Gostaria de viver no país de Alckmin, o sensato.
Alckmin, o chuchu, hoje, é menos relevante para os destinos da nação do que Janja. Nos poucos momentos em que aparece, ele nos lembra o por quê.
Daron Acemoglu, em seu clássico Porque as Nações Fracassam (já perdi a conta de quantas vezes citei essa obra aqui), descarta a falta de conhecimento do que é certo ou errado em economia como explicação para as coisas erradas que os governos fazem. Acemoglu desfila alguns exemplos de governantes que, apesar de bem assessorados por acadêmicos reconhecidos, tomaram decisões desastrosas em função de escolhas políticas. Além disso, acrescento eu, há certo tipo de convicção enraizada ideologicamente que ignora as evidências mais comezinhas, preferindo se apegar a esquemas comprovadamente desastrosos, que se justificam pelo desejo de se fazer “justiça social”.
Tendo isso em mente, entende-se porque a sugestão de Amoedo é uma completa idiotice.
Lula não adota “políticas corretas” não porque não as conheça, mas porque ou não quer adotá-las (escolha política) ou simplesmente porque não concorda com elas (convicção ideológica). Imagine tentar convencer Lula a assistir uma “aula” com “professores ortodoxos”.
Mas há outros detalhes que tornam a idiotice realmente completa.
Amoedo caracteriza Haddad como uma espécie de “anteparo ortodoxo” dentro do governo Lula, a penúltima esperança de colocar o governo nos trilhos (a última são Alckmin e Tebet, de quem falaremos em seguida). Como se Haddad não fosse uma extensão de Lula, seu mais fiel escudeiro, e não pensasse exatamente da mesma forma. De onde tiraram a ideia de que Haddad é do mainstream econômico???
Alckmin, por sua vez, teria ideias um pouco melhores. O problema é que o ex-tucano serviu para dar à chapa de Lula aquele ar de frente ampla e, agora no governo, serve para sair naquela foto bem enquadrada tirada pelo Ricardo Stuckert, assumindo a cadeira de presidente quando Lula se ausenta. De resto, foi a terceira opção para o ministério da Indústria, e sequer teve a liberdade de nomear o presidente do BNDES, supostamente seu subordinado. Pérsio Arida, seu representante na transição, entrou mudo e saiu calado, estado em que se encontra até o momento.
Tebet, que foi injustamente esquecida por Amoedo em seu tuíte, também foi a última opção no Planejamento, em uma acomodação de última hora. O fato é que, a julgar pela avalanche de discursos populistas nesses primeiros dias de governo, ambos não passam de peças de decoração no ministério.
Pedir a Alckmin e Haddad que juntem alguns dos melhores economistas do País para uma espécie de “Escolinha do Professor Raimundo” com Lula e seus aliados políticos de esquerda é uma piada de mau gosto, um escárnio diante do desastre que vai tomando forma.
O pior de tudo é ver como ainda há quem se iluda com Lula, acreditando que tudo não passa de falta de informação. Talvez umas aulas sobre a natureza de Lula e do PT para Amoedo e todos os iludidos do mesmo naipe pudesse resolver. Quem sabe seja falta de informação.
A senadora Simone Tebet será a ministra do Planejamento. Estava aguardando a indicação para este posto para fazer uma análise mais abrangente do ministério de Lula na área econômica. Ao contrário do governo Bolsonaro, que tinha apenas Paulo Guedes como Posto Ipiranga da economia, Lula desmembrou o ministério da economia em quatro pastas. Este desmembramento, os nomes que foram escolhidos e a forma com que foram escolhidos nos dão algumas pistas sobre o que o novo governo pretende na área econômica.
Comecemos com o ministério da Fazenda. Vários nomes circularam no mercado, desde Henrique Meirelles (que entregou o seu curriculum ao presidente em evento de apoio à sua candidatura), passando por Pérsio Arida (que foi convidado por Alckmin para fazer parte da equipe de transição), até políticos, como Rui Costa, Wellington Dias ou Alexandre Padilha, que seriam tão pragmáticos quanto foi Antônio Palocci no primeiro mandato Lula. No final, Lula escolheu o seu mais fiel escudeiro, Fernando Haddad.
Não é a primeira vez que Haddad é escolhido por Lula. O ex-prefeito de São Paulo foi escalado para ser o candidato a presidente em 2018 no seu próprio lugar. Não é pouca coisa. Lula não o teria escolhido se não visse nele o seu sucessor. A Fazenda é o ministério que pode projetar Haddad, assim como aconteceu com FHC e poderia ter acontecido com Palocci, não tivesse caído em desgraça. Mas, fundamentalmente, Lula tem um aliado incondicional no ministério, um tarefeiro sem ambições políticas próprias. Fará o que o mestre mandar.
Ainda que a política econômica seja de Lula, não passou despercebida a equipe montada por Haddad no ministério, em que despontam Gabriel Galípolo e Guilherme Mello, dois expoentes do desenvolvimentismo. Para aqueles que poderiam esperar alguma moderação por parte do novo ministro, não são sinais encorajadores.
Passando para a Indústria e Comércio, a primeira pasta desmembrada da Economia, temos Geraldo Alckmin. Parece ser uma boa escolha, dado ter sido um governador, de modo geral, responsável. O problema, no entanto, foi o processo de nomeação. Antes de Alckmin, dois empresários foram convidados para o mesmo posto e não aceitaram, aparentemente por não concordarem com a direção geral da economia do novo governo. Além disso, teriam o BNDES debaixo de sua estrutura, mas com Mercadante como presidente. Certamente, seria só no papel. O vice-presidente sempre foi um coringa nesse ministério, e Lula resolveu usar essa carta, provavelmente receando ouvir outros “nãos”. A presença de Alckmin aqui, portanto, não significa nada.
O próximo ministério é o da Gestão, desmembrado do Planejamento. Para este novo ministério foi designada Esther Dweck, desenvolvimentista de quatro costados. Apesar de não estar em uma área diretamente ligada a políticas econômicas, sua presença na Esplanada pesa no prato dos heterodoxos, nesse suposto governo “frente ampla”.
Por fim, o Planejamento. Aqui rodaram nomes como o do ex-governador de Alagoas, Calheiros Filho, e o do “pai do Plano Real”, André Lara Resende. Calheiros seria uma espécie de pagamento pelo apoio incondicional de Renan pai a Lula, mas deve ter sido vetado por Arthur Lira durante as negociações da PEC da gastança. André Lara seria mais um heterodoxo na Esplanada, ao gosto de Lula, mas, por algum motivo, recusou o convite. A vaga sobrou para acomodar Simone Tebet, depois de ter sido preterida para os postos do ministério do Bolsa Família, que ficou com Wellington Dias, e do Meio Ambiente, que ficou com Marina Silva. Ou seja, o Planejamento serviu para a acomodação de uma aliada inconveniente.
Alguns podem ver a presença de Tebet na Esplanada como o único contraponto a políticas doidivanas (Alckmin não conta, quem vai mandar ali é o Mercadante). O problema é que Tebet não é, ela mesma, campeã de ortodoxia. No ranking dos políticos, que analisa os parlamentares de acordo com seus pendores liberais, a senadora tem pontuação mediana. Mas este não é o principal problema. A questão é que Tebet terá vida curta nesse ministério se começar a causar problemas para a, digamos, harmonia da equipe. Consta que Lula já não gostou de algumas críticas que a senadora teria feito às suas falas sobre disciplina fiscal. Imagine quando atos concretos forem realizados. Enfim, Simone Tebet é uma ministra improvisada em um ministério esvaziado, que terá pouco poder para contrabalançar a avalanche desenvolvimentista contratada.
Resumindo: das quatro pastas derivadas da Economia, duas estão nas mãos de heterodoxos convictos, uma está na mão de um coringa que vai ter o Mercadante como subordinado e uma serviu como prêmio de consolação para uma aliada, depois de o candidato heterodoxo preferido ter recusado o convite. A aposta agora é: desses quatro, quantos chegam ao final do mandato?
Alckmin tem pouco tempo de convivência íntima com Lula e o PT, mas o ex-governador é inteligente e aprende rápido. Sua capacidade de enganar com números desenvolveu-se de maneira espantosa. Esse tuíte alcança o estado da arte da mistificação, como só os mais habilidosos artistas do PT são capazes de fazer. Vejamos.
Hoje foi publicado um estudo com base em dados do FMI, mostrando que o PIB brasileiro vem perdendo participação no PIB global desde 1980. Na reportagem da CNN, um ”especialista” afirma que essa participação veio crescendo até 2012, para depois despencar.
Alckmin aproveita a deixa e afirma, sem enrubescer, que o governo Lula deixou um país em crescimento, que depois foi destruído por Bolsonaro. No entanto, basta uma simples checagem nos números para verificar que se trata de uma grossa mentira.
No gráfico abaixo, reproduzo o estudo com base em dados do FMI.
Podemos observar que o PT pegou o Brasil com participação de 3,1% no PIB mundial (número de 2002) e deixou o governo com participação de 2,5% (número de 2016). Houve, de fato, um leve crescimento entre 2006 e 2011 (de 3,0% para 3,1%), mesmo nível de 2002, para depois despencar nos anos seguintes. Hoje, essa participação é de 2,3%, não muito diferente dos 2,5% do fim do governo PT.
O fato é que hoje temos pouco mais da metade da relevância no PIB global que tínhamos na década de 80. Essa participação despencou em dois momentos: final da década de 80 / início da década de 90, com a hiperinflação, quando passou de 4% para pouco mais de 3%, e no final do governo Dilma, quando passou de 3% para cerca de 2,5%. Houve dois momentos de “respiro”: no pós plano Real e no superciclo de commodities. Mas a tendência de declínio é clara durante todo o processo, independentemente do governo de plantão.
Não vou aqui entrar na discussão de porque isso aconteceu. O objetivo foi só demonstrar que ficamos mais pobres em relação ao mundo, e que o governo do PT colaborou para o processo. Todas as maravilhas prometidas por todos governos nos últimos 40 anos não foram capazes de reverter a tendência. E, sem querer soar pessimista, pelo andar da carruagem, os próximos 40 anos não parecem mais promissores.
Em evento ontem, Alckmin, supostamente o adulto na sala, voltou a defender a “responsabilidade fiscal” em tese. Na prática, porém, a sinalização é de que buscam uma maneira para gastar mais enquanto esperam iludir os mercados com fórmulas de “controle de dívida”. Vejamos.
Alckmin afirma que o teto de gastos “esmaga investimentos” ao não permitir que as despesas subam, mesmo que as receitas tenham se elevado. Não sei se é ignorância ou má fé, mas Alckmin convenientemente se esquece da razão estrutural que levou ao debacle fiscal do governo Dilma. Vamos refrescar sua memória.
Até 2014, o regime fiscal no Brasil era o da produção de superávits primários. Funcionava bem. Afinal, para manter a dívida sob controle, o importante mesmo é produzir superávits primários. Controlar gastos é apenas uma forma de atingir esse objetivo. Se fosse garantido que as receitas cresceriam, digamos, 5% ao ano além da inflação, os gastos poderiam crescer nesse mesmo ritmo sem que o superávit primário diminuísse. Aliás, foi exatamente isso o que aconteceu entre 2003 e 2012: despesas e receitas cresciam a uma taxa de 5% ao ano acima da inflação, e os governos Lula e Dilma I colocaram em prática a proposta de Alckmin: permitir que as despesas crescessem no mesmo ritmo, a fim de não “esmagar investimentos”.
Ocorre que, como sabemos, despesas são para sempre, mas nada garante que as receitas o sejam. A partir de 2012, o ritmo de crescimento das receitas começou a cair, e passou a diminuir, em termos reais, a partir de 2014. As despesas, no entanto, continuaram a crescer, pois o orçamento no Brasil é extremamente rígido: uma vez a despesa estando lá, não há condições políticas de tirá-la de lá. Vide, por exemplo, o auxílio de R$ 600, que era para ser uma exceção durante a pandemia, e tornou-se regra.
Então, aconteceu o inevitável: com receitas caindo e despesas rígidas, o superávit se transformou em déficit fiscal, não sem antes ter sido camuflado com as chamadas “pedaladas fiscais”. A solução foi a adoção do teto de gastos: com os gastos crescendo somente com a inflação, era questão de tempo para voltarmos a ter o que importa: superávit primário.
O que Alckmin propõe é, na prática, a volta ao regime anterior: se o aumento das receitas permitir, poderíamos ter aumento das despesas. O desastre, obviamente, será o mesmo, dado que as despesas não diminuirão quando as receitas caírem. E é questão de tempo para que caiam.
Um mecanismo qualquer de “controle de dívida” não muda essa realidade. Assim como o teto de gastos, uma regra de limite de dívida iria igualmente “esmagar investimentos”, o que certamente contribuiria para o seu fracasso, assim como foi com a regra do teto. Não há solução quando o que se quer, na verdade, é gastar sem limites.
A regra do teto tem duas grandes vantagens: é anti-cíclica e é simples de entender. A grande desvantagem é que impõe uma disciplina que a sociedade brasileira não está preparada para suportar. As regras alternativas em discussão, que permitiriam “aumentar as despesas quando as receitas aumentam”, são pró-cíclicas e de uma complexidade bizantina, na medida para serem manipuladas pelos políticos. É um “me engana que eu gosto”, feito sob medida para posar de fiscalista, ao mesmo tempo em que se continua a gastar como se não houvesse amanhã.
Na atual situação das contas públicas nacionais, qualquer regra séria deverá impor uma disciplina insuportável para a sociedade. Desconfie de regras fiscais indolores. Assim como os regimes alimentares que não exigem esforço para emagrecer, essas regras são apenas uma forma de empurrar o problema com a barriga.
Tentei recortar alguns trechos dessa reportagem do Valor de hoje, mas trata-se de uma peça de rara beleza, que merece a admiração do leitor em toda o seu conjunto.
Em resumo, a campanha petista acha que Alckmin ”exagerou” em sua conversão ao petismo, de modo que não está cumprindo o seu principal papel na campanha, qual seja, a de atrair o leitor não petista. Alckmin, agora que ganhou o apreço da militância (como nos garante os próceres petistas), pode ajustar o seu discurso para agradar o “eleitor de centro”.
Quando Alckmin se aboletou na chapa petista, o tal “eleitor de centro” coçou a cabeça, sem entender muito como dois discursos antagônicos ao longo de décadas poderiam conviver na mesma chapa. Essa dúvida foi, de algum modo, sanada, quando Alckmin resolveu usar o boné do MST e cantar a Internacional Socialista. Restou claro que Alckmin havia abandonado os últimos resquícios de dignidade que lhe sobraram com o objetivo de permanecer em evidência na cena política.
Fica a dúvida, agora, de como esse mesmo “eleitor de centro” vai compreender o discurso do velho Alckmin, não alinhado ao do candidato principal. Primeiro, porque seria uma espécie de “chapa esquizofrênica”, em que o candidato principal fala “A” enquanto o candidato a vice fala “B”. Mas, principalmente, porque Alckmin já se lambuzou de petismo nesses últimos meses, e o “eleitor de centro” já perdeu o que lhe tinha de respeito. Assim, um “ajuste no discurso” vai soar mais falso que uma nota de 3 reais.
O grande mérito dessa reportagem é por a nu o objetivo da presença de Alckmin na chapa de Lula: servir como uma espécie de “verniz de responsabilidade” que oculte o “lulismo” de Lula. Não à toa, os conselheiros do PT querem que Alckmin mostre-se menos lulista, de modo a nos fazer crer que Lula não será Lula na presidência. Assim é se assim lhe parece.