Ainda a prolífica entrevista de nosso decano. Gilmar defende quarentena de 4 anos para que militares possam concorrer a cargos eletivos, elogiando o fato de que tal regra já existe para juízes e procuradores, o que evitará a repetição, no futuro, de Deltans e Moros atuando na política.
Nosso decano, talvez com a vista ofuscada pelo próprio brilho, confundiu-se aqui. Moro abandonou a carreira de juíz em 2018 e, portanto, teria condições, pelas regras da quarentena, de concorrer a um cargo em 2022. Quem não teria condições de fazê-lo é o seu neo amigo, Flávio Dino, que foi juiz até 2006 e elegeu-se deputado federal neste mesmo ano. Mas Dino, a quem Gilmar Mendes atribuiu um perfil político “bem desenhado”, não ameaça a democracia, então tudo certo.
Entrevista, no Valor Econômico, de Gilmar Mendes, que Diogo Mainardi chama, com algum exagero (ou não), de “o homem mais poderoso da República”. Destaco três trechos que resumem tudo:
1) O STF é um exemplo para o mundo, inclusive superior ao Supremo norte-americano.
2) O STF não precisa melhorar, atingiu o Estado de Perfeição. Para fortalecer a democracia, são as PMs e os militares os que precisam de reformas.
3) Se o Congresso não fizer a regulamentação das redes sociais, o STF o fará.
Com democratas como Gilmar Mendes à frente dos destinos da nação, o Brasil certamente está em boas mãos.
Em qualquer lugar decente do mundo, a decisão autocrática de Toffoli a respeito das multas da J&F seria caso de impeachment. Ao se ouvir o silêncio sepulcral dos senadores, não posso deixar de concordar com Gilmar Mendes, quando alcunhou os congressistas de “pigmeus morais”.
Coragem. Palavra que dominou, explícita ou implicitamente, o bate-boca institucional entre representantes de duas das instâncias máximas do nosso Estado Democrático de Direito. (Pronuncie essas últimas palavras enchendo a boca, brasileiro).
Mas o que é coragem? Coragem é uma virtude. São Tomás de Aquino definia a virtude como o justo meio entre dois vícios. No caso, a coragem se situa entre a covardia e a temeridade. Coragem é aceitar ou assumir riscos calculados para atingir um fim bom. Não assumir risco algum é covardia, assumir riscos em excesso é temeridade.
Tendo esse pano de fundo em mente, pergunto: que coragem demonstram os ministros do STF ao tomarem as suas decisões? Que risco estão correndo? A resposta é: nenhum. Nenhum ministro será demitido, processado e muito menos morto por suas decisões. O máximo que pode acontecer é um bate-boca em algum aeroporto da vida. E, como estamos acompanhando no caso do ministro Moraes, a coragem (ou temeridade) foi do cidadão que supostamente atacou o ministro, pois agora está enfrentando a mão pesada do Estado brasileiro contra si., que entorta as regras em seu próprio benefício.
A “coragem moral” a que se refere o ministro Barroso é simplesmente o dia a dia de qualquer juiz, que, por definição, não contará com a simpatia de uma das partes de qualquer processo. Se não quer ficar mal com uma das partes, melhor escolher outra carreira. Estufar o peito para afirmar uma “coragem moral” é só uma bravata juvenil.
Se eu tivesse a caneta de Gilmar Mendes também não seria “covarde”, no sentido visto acima. Na verdade, o ministro está exercitando a covardia de uma forma diferente do conceito acima: covardia, além de não assumir riscos, é aproveitar-se de seu poder para intimidar. É o valentão da escola que bate nos menores. Isso, obviamente, não é a definição de coragem, mas de covardia. Nesse sentido, os senadores, estes sim, exerceram as suas funções, no caso, com coragem. Tudo no Brasil acaba no STF, e certamente é corajoso, se não temerário, confrontá-lo.
Por fim, é de se destacar que esse desfile de macheza institucional, esse concurso de mister coragem democrático só tem lugar em uma república de bananas. É o que somos, como demonstrado mais uma vez.
A respeito do meu post sobre a democracia no Brasil e a probabilidade de “virarmos uma Venezuela”, vários seguidores desta página argumentaram mais ou menos na seguinte linha: o judiciário está mancomunado com o PT, e é só uma questão de “quando”, não de “se”, vamos virar uma Venezuela. Meu argumento, naquele post, era de que o centro político (não confundir com o “centrão”, ainda que este último faça parte do primeiro) é muito forte no Brasil, e não tolera extremismos. Nosso problema é patrimonialismo, não extremismo.
A confirmar essa visão, uma matéria e uma coluna de hoje no Estadão trazem aspas importantes. A matéria, sobre o “isolamento de Lula na cúpula do Mercosul”, traz falas de Carlos Siqueira e Luciano Bivar, repercutindo as declarações de Lula sobre a Venezuela. Bivar é um expoente do Centrão, mas Siqueira é nada menos que o presidente do PSB, demonstrando que o centro político é mais abrangente que o “centrão”.
Mas o mais importante, e que ganhou pouca repercussão, foi o tuíte do decano do STF, Gilmar Mendes, publicado logo após Lula ter afirmado que a democracia seria um “conceito relativo”, e reproduzido na coluna de Marcelo Godoy. O mesmo Gilmar Mendes que impediu Lula de assumir a Casa Civil no governo Dilma e foi instrumental para que Lula fosse solto e recuperasse seus direitos politicos, esse mesmo Gilmar agora mostra o cartão amarelo ao presidente. É a roda-gigante a que me referi no meu post.
Godoy, em sua coluna, afirma que Lula perdeu o habeas corpus que tinha para falar o que bem entendesse no momento em que os direitos políticos de Bolsonaro foram cassados. Lula era o que havia à mão para o sistema se livrar de Bolsonaro. Agora, Siqueira, Bivar e Mendes alertam que a licença de Lula expirou.
Mais um tijolinho será recolocado em seu lugar na reconstrução do Brasil com que estávamos acostumados, e que havia sido substituído por um país mais produtivo e eficiente. Enfim, um país irreconhecível.
Depois do marco do saneamento, da reforma do ensino médio, da Lei de Responsabilidade Fiscal, agora é a vez de o imposto sindical voltar ao que era. E o governo nem precisará meter a mão nesse vespeiro. O ministro Gilmar Mendes, que não precisa se preocupar em ganhar a próxima eleição, fez o trabalho. Assim como já havia mudado de ideia sobre a prisão em 2a instância, agora mudou de ideia sobre a constitucionalidade do imposto sindical. Mudar de ideia é direito do ministro, cabe destacar.
Como diz o sábio Benito di Paula, “tudo está em seu lugar, graças a Deus, graças a Deus”. E continua: “Não devemos esquecer de dizer, graças a Deus, graças a Deus”.
Nesta semana, Gilmar Mendes e Gleisi Hoffmann acusaram a Lava-Jato e a Lei das Estatais de “criminalizar a política”.
O decano do Supremo, em um convescote para comemorar 20 anos de STF, diante de todos os representantes da República (incluindo o presidente da República, os presidentes do Câmara e de Senado, vários parlamentares e ministros do Supremo), afirmou que o tribunal havia devolvido a política aos políticos, que havia sido “expropriada” por juízes.
A presidente do PT, por sua vez, acusou a Lei das Estatais de “criminalizar” a política, ao vetar a presença de políticos nos Conselhos de Administração e diretorias das estatais, além de exigir experiência no ramo para ocupar algum desses cargos. Este entendimento é seguido por caciques do Centrão.
Esta, digamos, visão de mundo, foi comprada a valor de face por Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. Seu discurso, em linha com o pensamento de muitos de seus seguidores, é de que a política estava podre de alto a baixo e, portanto, era necessário que um outsider imaculado inaugurasse uma nova era na política brasileira, onde o bem venceria por gravidade, com a força das ruas. Essa visão ingênua da política (na verdade, a negação da política) inundava a minha timeline em 2019 sempre que eu criticava a falta de diálogo de Bolsonaro com o Congresso. Essa postura corroborava, pelo avesso, os discursos de Gilmar Mendes e Gleisi Hoffmann, ao, de fato, identificar toda e qualquer negociação política com corrupção.
Política, cansei de escrever aqui, é divisão de poder para alcançar consensos. Indicar ministros faz parte dessa divisão de poder com a base de apoio no Congresso. Cada partido e cada político fica à frente de uma parte da máquina pública para imprimir a sua visão de mundo nas políticas públicas. Isso é política. Outra coisa, bem diferente, é o recebimento de vantagens por meio de conluio com fornecedores do poder público. Isso não é política, isso é polícia.
A distinção entre política e polícia nos permite entender onde Gilmar Mendes e Gleisi Hoffmann erram. A Lava-Jato e a Lei das Estatais têm como objetivo justamente não deixar que a política vire caso de polícia. No caso da Lava-Jato, o sistema judiciário identificou o uso da atividade política para outros fins que não fazer política. E a Lei das Estatais, nascida das conclusões da Lava-Jato, veio justamente para tornar mais difícil usar uma parte da máquina do governo para outros fins que não fazer política.
Ao atacar a Lava-Jato e a Lei das Estatais, acusando uma suposta “criminalização da política”, Gilmar Mendes e Gleisi Hoffmann, na verdade, estão politizando o crime.
Reportagem do Estadão nos brinda com mais um caso de “eficiência” do sistema judiciário brasileiro. Trata-se do julgamento de desembargadores do ES, acusados de venderem sentenças. 11 anos depois, o processo está longe do fim.
Mas o que me chamou a atenção não foi nem a lentidão, já em si um escárnio. O detalhe sórdido é o porque o julgamento foi, mais uma vez, adiado.
A subprocuradora da República, escalada pela PGR para representar a acusação, não estava presente. E por que não estava presente? Porque viajou para Portugal. E é aí que o detalhe faz toda a diferença.
A subprocuradora foi a um evento organizado por um instituto de propriedade do ministro do STF Gilmar Mendes, com sede em Lisboa. Nem vou entrar aqui no labirinto dos motivos que levam um ministro do STF a ter um negócio em Lisboa. Meu ponto é outro.
Neste evento, está presente a nata da política brasileira, como Arthur Lira e Gilberto Kassab, além de magistrados dos mais diversos quilates, incluindo a subprocuradora da República. Todos reunidos em Portugal, com passagens e estadia pagas pelo erário brasileiro. Então, vou repetir para quem não entendeu: o imposto que você recolhe está servindo para pagar as custas dos participantes brasileiros de um evento em Portugal para discutir os “problemas brasileiros”. Enquanto isso, um processo contra desembargadores está parado há 11 anos nos escaninhos da República.
Bom dia pra você que, como eu, acordou em uma segunda-feira para ir trabalhar e gerar a renda que será gasta em convescotes em Lisboa.
Eu poderia começar este post desancando os ministros do Supremo, dizendo que atendem interesses inconfessáveis de seus respectivos amigos. Mas não. Vamos nos ater à questão técnica, ou pelo menos lógica, já que não sou da área jurídica. Assumamos a boa fé dos ministros do Supremo, e consideremos que a suspeição de Moro se baseie em argumentos absolutamente técnicos.
A suspeição tem como pressuposto uma suposta parcialidade do juiz. Ora, para todo crime, é necessário que haja um motivo. Se não há motivo, o crime (se é que o há) nada mais é do que um erro, um acidente. Em um jogo de futebol, o juiz pode errar, e muitas vezes erra. Mas daí a acusá-lo de parcialidade há uma looooonga distância. Seria necessário encontrar elos que unam o juiz a um dos times. E não basta dizer que o juiz é torcedor de tal ou qual time. Precisa ter uma mala preta na jogada.
Voltemos ao caso de Moro. É possível (e até provável) que o juiz de Curitiba tenha errado. Afinal foram dezenas de processos complexos no âmbito da Lava-Jato. Mas daí a acusá-lo de parcialidade vai uma looooonga distância. Seria necessário que se encontrassem provas da tal suspeição. Caso contrário, temos apenas erros processuais, que podem ser corrigidos em instâncias superiores. Instâncias essas, aliás, que confirmaram a esmagadora maioria das ações de Moro.
Que a torcida chame o juiz do ladrão faz parte do jogo. Petistas e os neo-amigos de Bolsonaro do Centrão estão em seu papel político de levantar suspeitas com relação ao juiz que colocou o mundo político na cadeia. Coisa bem diferente é condenar um juiz por parcialidade. Para tanto, é preciso que o comitê de árbitros (no caso, o STF) julgue com base em provas. Caso contrário, o STF estaria se juntando à torcida, o que significaria o fim do Estado Democrático de Direito.