A mais nova estatal brasileira: a história completa

Está aí a história completa da mais nova estatal do governo Bolsonaro.

O que me chamou a atenção foi o fato do Mattar ter procurado um deputado do Partido Novo para brigar na Câmara. Não encontrou nenhum deputado do PSL, partido do governo, para comprar a briga? Pior: Flávio Bolsonaro foi o relator da MP no Senado. O que só confirma a minha hipótese de que Paulo Guedes e sua equipe formam uma ilha de liberalismo em um governo (e partido) que cultivam o corporativismo.

A MP vai para a sanção de Bolsonaro. Vamos ver. Tomara que eu queime a língua.

Velha política x Nova política

Entrevista hoje com Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo, responsável pela articulação política do Planalto.

Estamos em setembro. Há coisa de 4 meses, no início da tramitação da reforma da previdência, escrevi alguns posts aqui sobre o problema da falta de uma base de sustentação do governo no Congresso. Defendia, na ocasião, que a chamada “Nova Política” não podia abrir mão de fazer política, que significa compartilhar espaços de poder. Fazer política não podia ser sinônimo de roubalheira. A construção da base poderia ser feita com base em um programa de governo. Exatamente o que o ministro diz na entrevista.

Bem, foram tantos os comentários e tantos posts na minha TL execrando o “toma-lá-da-cá”, que escrevi um último post sobre o assunto, dizendo que me havia caído uma ficha: Bolsonaro não havia sido eleito para fazer o que os outros sempre fizeram. Ele não teria uma base no Congresso em troca de cargos indicados por parlamentares.

Isso faz só 4 meses. A defesa da “Nova Política” sumiu da minha TL. Alguns poucos ainda defendem a “visão estratégica” do governo em pontos que fariam cair o mundo há 4 meses.

Dirão que a reforma da Previdência foi aprovada sem o toma-lá-da-cá. Verdade, ainda que, na minha humilde opinião, a reforma foi aprovada APESAR do Planalto, não POR CAUSA do Planalto. Mas deixemos de barato que tenha sido obra da “Nova Política”. Se funcionou com a reforma, por que mudar? Por que a preocupação em ter uma base no Congresso, conforme externado pelo ministro na entrevista? Em time que está ganhando não se mexe. Ou não está ganhando?

Enfim. Na época em que eu ainda discutia “Nova x Velha” política, fiz uma enquete sobre o que aconteceria no futuro. As alternativas eram mais ou menos as seguintes: 1) Bolsonaro se manteria firme e o Congresso não se curvaria, chegando a um impasse institucional, 2) Bolsonaro se manteria firme e o Congresso se curvaria à “Nova Política” e 3) Bolsonaro cederia à “Velha Política”. The winner is…

A CPMF derruba o secretário da Receita

A única parte que não encaixa nessa história da demissão do Cintra é que o seu chefe imediato, Paulo Guedes, parecia genuinamente convencido de que a única saída para desonerar a folha de pagamentos era a criação da CPMF. Guedes chegou a falar que os congressistas deveriam escolher entre “o imposto ou o desemprego”, daquele jeitinho meigo dele de convencer as plateias.

Do jeito que Cintra foi demitido, parece que ele estava sozinho nessa, atropelando tudo e todos, inclusive o seu próprio chefe imediato.

Claro, a se tomar a valor de face o que Bolsonaro diz em seu tuíte, Cintra foi demitido como uma demonstração, digamos, em três dimensões, de que a CPMF está enterrada. Uma imagem vale mais do que mil palavras, diz o sábio ditado. A cabeça cortada do secretário da Receita exibida na entrada do ministério da Economia vale mais do que mil desmentidos. A única ideia que Cintra teve na vida foi o imposto único. Seu escalpo é o escalpo da CPMF.

Além disso tudo, Cintra não mostrou pulso no episódio das multas contra parentes de Bolsonaro. Sua cabeça já estava a prêmio. A fome com a vontade de comer se juntaram harmonicamente, no caso.

Sobra o enigma de Guedes. Ele estava genuinamente convencido sobre a CPMF. Mas prevaleceu a leitura política de Bolsonaro: a CPMF seria de tal forma um estelionato eleitoral, que ficou claro que não havia como banca-la. Guedes preferiu enfiar o rabo entre as pernas a confrontar o chefe, em uma demonstração clara sobre quem manda em quem no Planalto.

Imagem vs Realidade

Por ocasião do contingenciamento de verbas do orçamento, o ministro da educação veio a público para afirmar que o corte de verbas seria direcionado para aquelas universidades onde imperava a “balbúrdia”.

De nada adiantou virem depois mostrar estatísticas e fazer filminhos mostrando que o corte no governo Dilma foi maior e que aquele contingenciamento era ínfimo perto do orçamento total das universidades. Na ocasião, o governo estava racionalmente certo, mas como havia ele mesmo colocado o debate no campo ideológico, teve que brigar nesse campo, onde nunca há vencedores.

Agora, o mesmo fenômeno acontece. Depois de ter ameaçado sair do Acordo de Paris, de ter demitido o presidente do INPE e de ter acusado ONGs pelos incêndios na Amazônia, o governo sai atrás de mostrar estatísticas e imagens da NASA para demonstrar que não está acontecendo nada fora do normal. Perda de tempo. O debate deixou de ser racional para ser ideológico. E o culpado por esse deslocamento é o próprio governo.

– Ah vá, o debate sempre foi ideológico, independente do que o governo fale ou deixe de falar. O que este governo está fazendo agora é brigar no mesmo campo, porque é aí que se vence a guerra.

Bem, se é assim, então não vamos nos espantar com a aparente indiferença da opinião pública global com relação a estatísticas. Nem mesmo uma foto fake postada por Macron foi suficiente para desmoralizar a causa dos “defensores do meio-ambiente”. Danem-se os fatos. O debate agora é ideológico. E, nesse campo, o que importa é que Bolsonaro é inimigo da natureza. E ele próprio se colocou nessa posição com suas declarações.

Sem dúvida, há uma má-vontade com Bolsonaro a zero de jogo. E há interesses comerciais (no caso das queimadas) e corporativos (no caso da educação) que se escondem por trás do debate ideológico. E sempre existem inocentes úteis, como estudantes e artistas globais, para reverberar a causa. Ocorre que ficar trocando insultos pelo Twitter não parece ser o melhor caminho para mudar essa situação.

Já ouvi aqui muitas vezes que Bolsonaro não foi eleito para fazer o que os outros sempre fizeram. Ele vai brigar para desmascarar a ideologia e os reais interesses por trás dessas agendas progressistas.

Perfeito, que seja assim. Mas existem formas e formas de se fazer isso. A forma escolhida pelo governo, de confronto ideológico e de lacração nas redes, parece não estar funcionando. O presidente foi obrigado a recuar e fazer um pronunciamento ponderado na TV, além de mandar o exército para apagar os incêndios. Talvez, se não houvesse a ameaça de deixar o Acordo de Paris, o presidente do INPE não tivesse sido demitido e a Noruega e a Alemanha não tivessem sido insultadas nas redes, esse recuo não se fizesse necessário, e as imagens da NASA pudessem ser levadas em consideração no debate. Só talvez.

Movimento correto

Está aí um movimento correto. Desde a ideia de um pronunciamento oficial até o reconhecimento de que algo precisava ser feito. Foi o reconhecimento de que a estratégia adotada até o momento (se é que existia alguma) estava incorreta.

A pauta ambiental, por mais que possa ser simples pretexto para uma guerra comercial ou ideológica por parte dos países desenvolvidos, é extremamente sensível nos dias que correm, como pôde sentir na pele o governo brasileiro nos últimos dias.

Espero sinceramente que este pronunciamento seja apenas a peça inicial de um plano estratégico mais amplo para melhorar a imagem do governo e do Brasil nesse campo. Se partirmos do pressuposto de que 100% dos estrangeiros têm uma má-vontade invencível com relação a Bolsonaro, então não há nada a fazer mesmo. Não acredito nisso. Há muito que pode ser feito para melhorar a nossa imagem.

Por enquanto, Bolsonaro estava jogando com o uniforme do inimigo, dando tiros no pé sem dó nem piedade. Este pronunciamento pode ser o ponto de partida de uma postura mais institucional e cooperativa. Nem que seja só pra francês ver. Este é um mundo comandado pela imagem e pelo cinismo. O governo Bolsonaro precisa aprender a jogar esse jogo. Caso contrário, será obrigado muitas vezes a apagar incêndios às pressas.

Retórica incendiária

É pública e notória a má-vontade com Bolsonaro por parte da imprensa mundial. Na verdade, essa má vontade com o Brasil de maneira geral já vem desde o “golpe” que derrubou Dilma Rousseff, versão que “pegou” na maior parte da imprensa global.

Consciente desse problema, o que faz Bolsonaro? Cultiva essa má-vontade com carinho e perseverança. No caso específico do meio-ambiente, cancelou (e depois voltou atrás) evento da ONU sobre o clima em Salvador, colocou em dúvida dados do INPE, mandou as primeiro-ministras da Alemanha e da Noruega cuidarem de suas florestas e baleias respectivamente, colocou a culpa pelas queimadas nas ONGs.

Bolsonaro pode estar absolutamente correto em todos essas questões. Não é este o ponto. O problema é o clima de confronto criado em um embate em que o Brasil não tem a mínima chance de sair-se vencedor. Bolsonaro precisa urgentemente mostrar que tem alguma preocupação com o tema do meio-ambiente, por mais que considere este assunto uma “invenção de ONGs para acabar com a soberania nacional”. Não temos como ganhar essa batalha.

Vou dar um exemplo: quando a primeira-ministra da Noruega afirmou que estava retendo as doações para o Fundo Amazônia em função de mudanças em seu conselho curador, uma reação possível poderia ser: “lamento a decisão da primeira-ministra, este era um recurso muito importante para combater queimadas na Amazônia, que é um tema importante e urgente. No entanto, é preciso que esse dinheiro venha junto com o respeito à soberania nacional. Espero que eles entendam isso e possamos conversar como dois estados soberanos”. Seria uma resposta dura, altiva, mas respeitosa e colocando a preocupação com o meio-ambiente como um tema importante. A reação, no entanto, foi: “Noruega? Aquela que caça baleias? Não precisamos do dinheiro deles.” Adivinha o que aconteceu com a boa-vontade dos interlocutores.

Existe uma nova onda crescente no mundo dos investimentos globais. Chama-se ESG: Environment, Social and Governance. Os grandes investidores institucionais globais estão cada vez mais adotando critérios ESG para fazer seus investimentos em empresas e países. Do jeito que a coisa vai, não me surpreenderia se o Brasil fosse em algum momento classificado como um país não “ESG compliant”, o que faria com que fluxos internacionais de capitais fossem restringidos pelo critério ESG. Seria mais ou menos o equivalente, no mundo dos investimentos, ao que acontece quando produtos agrícolas brasileiros são banidos por problemas ambientais.

Bolsonaro, com suas declarações “espontâneas” e “autênticas” faz muito sucesso junto à sua plateia. Mas, como essa mesma plateia costuma dizer, “quem lacra não lucra”. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Prioridades

O governo Bolsonaro está prestes a completar 8 meses. É pouco tempo, mas acho que já dá para esboçar as prioridades do presidente, com base em seus atos até o momento. Pelo que observo, o presidente age de acordo com a seguinte lista de prioridades:

1. Filhos/Parentes
2. Agenda ideológica e de costumes
3. Agenda econômica
4. Combate à corrupção

Obviamente, é possível tocar todas essas agendas paralelamente, desde que elas não entrem em conflito entre si. Caso contrário, se for necessário jogar alguma coisa ao mar, a ordem é essa aí.

Discussões éticas

Voltando ao assunto dos empréstimos subsidiados do BNDES para a compra de jatinhos.

Muitos comentários ao meu post de ontem defendiam que, apesar de legal, comprar jatinhos com subsídio não seria “ético”. Afinal, os compradores deveriam saber que se tratava de usar dinheiro de impostos que faltam para outras áreas para usá-lo em algo absolutamente supérfluo. Além disso, os compradores teriam sido coniventes com um programa desastroso para a economia brasileira, que nos levou a todos para o buraco em que estamos.

Fiquei pensando nesses argumentos.

Os filhos da classe média cursam as melhores faculdades do país de graça, pagas com o dinheiro dos impostos. Deveriam, todos os que estão criticando Huck, pagar uma faculdade privada para seus filhos para evitar serem coniventes com essa política pública perversa?

Deduzimos 100% das despesas com saúde da base do IR. Deveríamos pagar o IR integral para evitar ser coniventes com uma política que subtrai recursos dos mais pobres para pagar pela saúde dos mais ricos?

Até a reforma da previdência, a classe média se aproveitava de regras generosas para se aposentar antes dos 60 anos. Em alguns casos, como o das professoras, antes dos 50! Deveria a classe média abrir mão de um direito líquido e certo por questões “éticas”? Não conheço um caso sequer.

Ah, dirão, são coisas não comparáveis! Educação, saúde, aposentadoria, são direitos do cidadão que o Estado deve prover. A compra de jatinhos, não!

Tudo é uma questão de perspectiva quando se trata de uso de recursos públicos para fins privados. Ainda mais no país da meia-entrada.

Pensamos na compra de jatinhos com dinheiro dos nossos impostos como algo não ético porque não está ao alcance de nossas mãos. O favelado que é obrigado a pagar a faculdade de seu filho tem todo o direito de pensar que o filho da patroa cursar uma faculdade de graça é um comportamento não ético. Cada um trabalha com suas próprias referências.

O ponto é que o financiamento estava lá e foi tomado de acordo com as regras vigentes. Se é para discutir ética, vamos alargar nossos horizontes e colocar na mesa outras coisas.

Por fim, o PSI, esse nefasto programa de subsídios sob o qual se deram os empréstimos para a compra de jatinhos, foi aprovado no Congresso com o voto favorável do então deputado Jair Bolsonaro. O qual, hoje, usa a lista de quem aderiu a esse programa – dentro da lei aprovada por ele mesmo – como uma arma política, abusando de seu poder de presidente da república. Vamos falar sobre ética?