Guinada populista?

Em seu artigo de hoje, Bruno Carazza levanta a hipótese de uma guinada populista por parte de Bolsonaro, assustado que estaria com o destino de sua contraparte na Argentina.

Fiquei imaginando como seria essa “guinada populista”, dado que os problemas brasileiros, hoje, são bem diferentes dos da Argentina.

A inflação é baixa. Portanto, está descartado um congelamento de preços.

As reservas internacionais são gigantescas e o déficit em conta corrente é muito baixo. Portanto, não cabe um controle de capitais.

Somos credores internacionais, não devedores. Portanto, um calote da dívida externa parece não ser necessário.

A dívida interna é um problema, mas com tomadores cativos a taxas cada vez mais baixas, rolar não parece ser um problema. Portanto, um calote da dívida interna acho que não está no cardápio.

Restam os problemas do baixo crescimento e do desemprego. São muitos e bons economistas que vêm debatendo este assunto. Os muitos, que não são bons, vêm defendendo que o governo incentive a economia a la Dilma: subsídios, redução de juros na marra, essas coisas. Os bons, que não são muitos, preferem a saída ortodoxa que funciona no longo prazo: reformas microeconômicas com o objetivo de aumentar a produtividade da economia.

Espero sinceramente que Bolsonaro continue a dar ouvidos aos bons economistas e resista à tentação da guinada populista. Porque a legião dos muitos economistas heterodoxos só faz crescer. Vide a Argentina.

Mente brilhante

<Atenção! Spoilers!>

O filme Mente Brilhante conta a história do matemático John Nash, prêmio Nobel de Economia. Além de ser uma das inteligências mais prodigiosas do século XX., Nash sofria de uma esquizofrenia profunda, o que o fazia conviver com personagens fictícios tão reais, que quem assiste fica boa parte do filme achando que aquilo é real.

Nash percebe seu engano quando nota que uma das personagens, uma menina, não envelhece ao longo do tempo. Este é o momento chave do filme, que separa a realidade de suas alucinações.

Bolsonaro vem claramente atuando para barrar investigações contra seus familiares. COAF, Receita e, agora, PF. Existe realmente algo de podre na família Bolsonaro ou é tudo “perseguição política”? Onde está a realidade?

Quando começou a vir à tona o grande esquema de corrupção do PT, o mantra do partido e de seus seguidores é que tudo não passava de “perseguição política”, engendrada pela mídia e pelos perdedores da eleição para interromper um projeto político popular. Aliás, até hoje a narrativa não mudou, mesmo depois de tudo. As conversas raqueadas de Moro e Dalagnol serviram para reforçar essa, digamos, interpretação da realidade. Os petistas ainda não notaram que a menina não envelhece.

Obviamente, não há termos de comparação entre o esquema industrial de corrupção do PT e o “rachid” na Assembleia do Rio ou eventuais sonegações fiscais. São ordens de grandeza completamente diferentes. Mas (e esse ‘mas’ é importante) Bolsonaro foi eleito com uma agenda fortemente calcada no combate à corrupção. Esta pauta e a agenda de costumes foram os pilares de sua eleição. A agenda liberal para a economia foi um adendo que interessava somente à turma da Faria Lima que, como sabemos, não elege ninguém.

Estamos diante de duas realidades, as mesmas da época do PT: perseguição política ou corrupção real? Não vai adiantar dizer que se trata de “manipulação da mídia”. “Globolixo” foi uma expressão inventada pelos petistas, e não adiantou nada, a realidade acabou se impondo.

Neste caso, a realidade também acabará se impondo. E mesmo depois, se restar provada a corrupção (e este ‘se’ é importante), ainda haverá bolsonaristas convencidos de que “tudo não passou de uma urdidura das elites e da mídia para abortar o projeto de um novo país”. Se esta leitura da realidade lhe parece familiar, é porque é mesmo.

Pergunta que não quer calar

Bolsonaro não quer a CPMF. Maia não quer a CPMF. 99,99% dos economistas condenam a CPMF.

A única ideia de Marcos Cintra sobre tributação é uma CPMF gigante. Pergunta que não quer calar: o que este sujeito ainda está fazendo no governo?

Aviso

Esse é um recado claro para os políticos da América do Sul de maneira geral e para os do Brasil em particular: o povo não consegue distinguir claramente quem os meteu no buraco, e o governo de plantão acaba levando toda a culpa.

Macri assumiu uma economia em frangalhos e, vamos ser claros, adotou uma tática gradualista demais para o caso de um doente terminal. Resultado: a inflação continua na casa dos 50% ao ano e o país voltou para a recessão. Pouco importa se foram os Kirshners que cavaram o buraco, é Macri quem leva a culpa.

Aqui no Brasil, tivemos a “sorte”, com o impeachment, de estancar a sangria antes que fosse tarde demais. O governo Temer fez o trabalho sujo nos campos monetário (taxa de juros) e fiscal (teto de gastos), estabilizando, assim, a situação da economia, ainda que em um patamar muito ruim.

O governo Bolsonaro começou bem, com a aprovação de uma boa reforma da Previdência. Resta ainda, no entanto, um longo caminho pela frente para revitalizar a atividade econômica e diminuir o desemprego. O exemplo que vem da Argentina mostra que o povo tem “saudades” de um tempo que não volta mais, e está disposto a cair no canto das sereias do populismo que desgraçou o país.

Embaixada familiar

Bolsonaro justifica a indicação do 03 para chefiar a mais importante embaixada brasileira indicando (e rejeitando) dois outros nomes possíveis, e dizendo que ele já esteve em vários países da Europa e é fluente em inglês.

Tem uma estagiária trabalhando no escritório cujo hobby é fazer mochilão pelo mundo. Já visitou 47 países de todos os continentes, e é fluente em inglês. Portanto, por este critério, já teria as credenciais para assumir a embaixada em Washington.

Bolsonaro apresenta Celso Amorim e Aloysio Nunes como as outras alternativas, para justificar a escolha do 03. O argumento faria sentido se houvesse uma lista tríplice. Mas obviamente não é este o caso. Nomes de pessoas bem mais preparadas, como o diplomata Nestor Forster e o analista político Murillo de Aragão foram citados ao longo do caminho, mas há uma lista imensa de candidatos com mais credenciais. Menos uma: a de ser filho do presidente e tudo o que isto simboliza.

Ao nomear o 03 como embaixador, Bolsonaro quer passar uma mensagem para o país amigo: a nossa aliança é tão importante para nós, que ofereço meu filho como embaixador. Mais ou menos como acontecia com o casamento dos filhos dos príncipes medievais. Se fosse com qualquer outro presidente norte-americano, a coisa talvez tivesse menos efeito. Com Trump, que também toca a sua própria empresa familiar na Casa Branca, pode funcionar. Tanto é assim que corre o boato de que o presidente dos EUA poderia indicar o 03 dele para a embaixada aqui.

Não conheço as filigranas técnico-jurídicas, mas não me parece que seja um caso de nepotismo. O cargo de embaixador não é um “emprego público”, para o qual se entra através de concurso. Trata-se de um cargo politico, assim como o de ministro. Muitas pessoas já foram indicadas ao cargo pelas suas qualidades. A qualidade do 03 é ser o filho do presidente, e sinalizar uma espécie de “pacto de sangue” com o governo Trump. Bolsonaro faria bem em parar de passar ridículo ao tentar convencer a opinião pública de que o seu filho tem “credenciais” para assumir a Embaixada. Isso só serve para criar memes. A única credencial que importa é justamente a de ser seu filho, e tudo o que isso representa junto ao governo amigo.

Maracanã

Bolsonaro vai levar o ministro Moro amanhã ao Maracanã. Será como nas arenas romanas, onde os assistentes pedem pela vida ou pela morte do gladiador. Bolsonaro espera que os polegares virem para cima.

Trata-se de um risco político calculado. Parece óbvio que, em um estádio lotado com torcedores que vestem as mesmas camisas que foram usadas nas manifestações de apoio à Lava-Jato, o apoio a Moro seja majoritário.

Faz sentido esse gesto do presidente? De certa forma, sim. Indubitavelmente, a Lava-Jato assumiu uma dimensão política, além da estritamente jurídica, sendo, inclusive, responsável remota pela eleição de um presidente da República. Então, é natural que ela seja defendida também no campo político, além do jurídico. Os vazamentos do Intercept têm objetivo político, o objetivo jurídico é subsidiário. Bolsonaro pretende defender a Lava-Jato no campo político com esse gesto.

Também pode haver gente que torça o nariz para essa “ligação direta” com o povo. Primeiro, porque o Maracanã de amanhã está longe de representar a totalidade do povo. Mas, mais do que isso, o problema seria conceitual: o presidente precisaria respeitar as instâncias institucionais, e não fazer ligação direta com o povo, que é a marca de governos populistas e, no extremo, ditatoriais.

Mas a popularidade faz parte das democracias. Se não fizesse, não haveria pesquisa de popularidade de presidentes. Esse canal direto, essa identificação do povo com o mandatário, faz parte do quebra-cabeças institucional. Um presidente impopular não consegue liderar o país. Temer foi uma exceção, e mesmo assim porque seu mandato foi muito curto.

Os aplausos no estádio, apesar do Maracanã não representar o povo, serão um símbolo político. Bolsonaro sabe que precisa desse símbolo para seguir em frente.

Sistema de lealdades

No espetacular livro “Stálin, a corte do czar vermelho”, de Simon Montefiore, o autor descreve à perfeição as intricadas relações de poder em torno do ditador soviético, e como Stálin mantinha em suas mãos os cordões desse poder.

Lealdade era a palavra chave, e sombras de suspeição recaiam sobre pessoas que até ontem eram consideradas pilares do sistema. Na verdade, esse era o modus operandi: não deixar que ninguém se sentisse seguro de sua posição em momento algum, para que todos se desdobrassem em demonstrar sua lealdade ao ditador. Na União Soviética de Stálin, a falta de lealdade se resolvia com uma bala na nuca.

Ao lembrar de Mourão, Bebianno, Santos Cruz e, agora, Heleno, não pude deixar de lembrar desse livro.

PS: não estou aqui, de maneira alguma, querendo dizer que Bolsonaro é semelhante ao ditador soviético. O paralelo refere-se apenas ao sistema de lealdades que se sobrepõe a um sistema institucional de governo.

Desmatamento no olho dos outros é refresco

Merkel quer ter uma “conversa clara” com Bolsonaro sobre desmatamento.

Ótimo! Bolsonaro poderá cobra-la pelo desmatamento na Alemanha, causado por mais de dois séculos de industrialização e urbanização.

E também vai ter oportunidade de perguntar se este interesse ecológico tem algo a ver com protecionismo agrícola europeu.

Negociação

Negociação.

Quantas vez tive que ler aqui que “negociação” era sinônimo de roubalheira. Que o Congresso teria que aprender na marra a seguir as vontades do Executivo por que esta era a “vontade do povo”.

O governo liberou verbas para o Minha Casa Minha Vida, universidades federais e a transposição do Rio São Francisco. Em troca, ganhou aval para não cumprir a regra de ouro. Isto foi uma NEGOCIAÇÃO.

Não vamos nos iludir, no entanto. Tratava-se de uma matéria que afetava diretamente programas para os mais pobres, como Bolsa Família e BPC, e os congressistas sabem onde o seu calo aperta. Então, mesmo em um assunto tão delicado para si próprios, conseguiram arrancar concessões do governo. Além disso, três vetos de Bolsonaro foram derrubados ontem, numa demonstração de que a negociação serviu especificamente para o PLN4.

A negociação ad hoc para cada projeto, sem contar com uma base estável no Congresso, custa mais caro e é mais “emocionante”, pois o Congresso chantageia o Executivo até os 48 minutos do 2o tempo. Melhor seria ter uma base, mas esse não é o modus operandi desse governo.