Moro na corda bamba

Provas obtidas por meios ilícitos não podem ser consideradas em um processo. Sendo assim, as supostas trocas de mensagens entre Moro e Dallagnol não serviriam, por exemplo, para anular a condenação de Lula. A qual, aliás, foi confirmada por duas instâncias superiores.

Mas o estrago político pode ser grande, a depender da disposição do Congresso, do Supremo e da opinião pública de acreditar nesses vazamentos e nos próximos que certamente estão por vir.

O cargo de Moro dependerá da disposição de Bolsonaro de segurar a bucha.

A boa política

Ia escrever sobre isso ontem, mas ficou melhor ainda com essa foto e esse editorial do Estadão.

Política. A boa política.

Aparentemente, o governo Bolsonaro começa a entender que não se faz política com confronto, mas com negociação. E que negociação não significa automaticamente corrupção.

Como todo governo, Bolsonaro ainda sofrerá muitas derrotas no Congresso, assim como conseguirá muitas vitórias. Assim é a democracia, não uma luta entre o bem e o mal, mas um embate de concepções de mundo na arena regulamentar: o parlamento.

PS.: o Estadão fez muitos editoriais criticando o governo Bolsonaro. Alguns dirão que, se o editorialista está elogiando, é porque Bolsonaro está no caminho errado. Eu prefiro pensar que receber um editorial elogioso é uma conquista para qualquer governo.

Mídia e popularidade

Pesquisa da XP mostra mais uma queda na popularidade de Bolsonaro. Pela primeira vez, os que avaliam o governo de forma negativa (ruim e péssimo) ultrapassaram os que avaliam o governo de forma positiva (bom e ótimo). Para se ter uma ideia, esse nível de aprovação é o mesmo do governo Dilma após os protestos de junho de 2013 e o de Lula no auge do mensalão. A diferença é que estamos com menos de 5 meses de mandato e não aconteceu nada. Absolutamente nada.

A primeira reação é desqualificar a pesquisa. Afinal, a mídia está interessada em que este governo fracasse, e manipula essas pesquisas para mostrar o resultado desejado. No entanto, no caso, trata-se de uma pesquisa patrocinada pela XP, que não tem interesse em minar o governo, muito pelo contrário: o sucesso de seu negócio será tanto maior quanto mais o governo tiver sucesso em sua agenda.

A segunda reação possível também tem relação com a mídia. Afinal, com o bombardeio que a mídia tradicional vem fazendo, por ter perdido as verbas publicitárias do governo, não há popularidade que resista. O que dizer?

Em primeiro lugar, e menos importante, é o tal “corte de verbas para a mídia tradicional” que teria sido feita pelo governo. Trata-se de uma falácia. Em primeiro lugar, porque em qualquer lista dos principais anunciantes do país, somente a Caixa aparece de vez em quando. Então, qualquer corte de verbas não seria suficiente para “quebrar” uma Globo, por exemplo. Em segundo lugar, temos o discurso de cortes por parte do governo, mas números mesmo, ainda não vi. O que vi sim foi o bafafá em torno do anúncio do BB, que foi veiculado normalmente na mídia tradicional. Então, aparentemente está tudo normal.

Mas esse ponto da publicidade estatal é secundário. A falácia do argumento está na hipótese de que a mídia teria a capacidade de mudar a cabeça do brasileiro. Seríamos como que teleguiados da mídia. Achamos uma coisa, mas o editor do jornal acha outra, e nos convence a mudar de opinião.

Por que trata-se de uma falácia? Porque, por essa linha, teríamos que aceitar que o governo do PT não fez nada de errado, e fomos todos nós manipulados pela mídia para pensar mal do PT. Os petistas se referem à Globo como Globolixo até hoje, porque defendem essa tese. O que achamos?

Por trás dessa tese, está mal disfarçada uma hipótese de superioridade intelectual: a mídia faz a cabeça das mentes mais fracas, mas eu não me deixo enganar, sou mais esperto. Ok, assim é se assim lhe parece.

Veja, não estou negando que a mídia tenha uma agenda própria. Por exemplo, a Globo e toda a mídia tradicional está em campanha descarada pela reforma da previdência, o principal ponto da agenda econômica do governo. O meu ponto é outro.

As pessoas não são folhas em branco, onde a mídia escreve o que quer a seu bel prazer. As pessoas têm ideias e pensam certas coisas e procuram a mídia para confirmar suas ideias, rechaçando aquilo que não lhes agrada. É o que chamamos em finanças comportamentais de “viés de confirmação”. Em relação às “opiniões fortes” que as pessoas têm, a mídia não consegue influenciar, por mais que tente.

Mas existe uma zona cinzenta, onde as pessoas não têm ideias fortes, e onde as notícias podem sim influenciar opiniões. Vou dar um exemplo recente. O ministro da educação afirmou que iria cortar verbas das faculdades que fazem “balbúrdia” e o presidente chamou os estudantes que foram protestar de “ignorantes úteis”. Esses dois são fatos incontestáveis, a mídia não inventou, apenas noticiou. Quem não gosta do governo a princípio achou um absurdo, e quem é fechado com o governo vibrou com essas afirmações. Mas deixando de lado as torcidas organizadas, temos um pessoal no meio, que avalia o governo como regular, e que provavelmente se deixou influenciar por essas falas reverberadas de forma negativa pela mídia tradicional. Esse pessoal do meio não concorda nem discorda dessas falas, apenas pode ter ficado com a impressão de um governo que perde tempo com picuinhas ao invés de trabalhar. Provavelmente, essas falas ajudaram alguns que avaliavam o governo como “regular” a migrar para “ruim”.

Obviamente, a influência da mídia não é zero. Há sim alguma influência, principalmente sobre aquela parte das pessoas que não têm uma ideia firme formada sobre determinados assuntos. Mas é preciso não exagerar essa influência, a ponto de torná-la decisiva para a queda de popularidade de Bolsonaro. É necessário analisar o que está acontecendo. Varrer a coisa para debaixo do tapete da mídia não vai resolver os problemas. Na verdade, vai piorá-los. Foi o que tentaram fazer os petistas, quando a popularidade de Dilma despencou. Espero sinceramente que Bolsonaro não caia nessa armadilha.

O ingresso na OCDE

Hoje finalmente os EUA confirmaram oficialmente o apoio à candidatura do Brasil à OCDE. Vi muito site de esquerda tripudiando o governo por conta da demora nessa confirmação, dizendo que Trump havia enganado o Bolso e coisa e tal. Precipitaram-se na comemoração da desgraça alheia e do Brasil. Golaço de Bolsonaro, que conseguiu transformar uma afinidade ideológica em algo útil, muito útil, para o Brasil.

Não nos esqueçamos também que foi o governo Temer que iniciou o processo, tentando recuperar um tempo miseravelmente perdido pelos governos do PT. Há 10 anos tínhamos muito mais condições de pleitear uma vaga na organização, em termos comparativos com outros países. Mas não adianta chorar o leite derramado, agora é bola pra frente. Que venha a admissão, daqui a dois, três ou cinco anos. O Brasil tem muito a ganhar.

O novo comunista

William Waack já foi considerado um ícone da direita. Tanto que participou do filme sobre 1964 produzido pelo pessoal do Brasil Paralelo.

Agora, deve ser considerado kombista, isentão ou, anátema dos anátemas, comunista.

Sinto-me cada vez mais dentro do conto O Alienista.

A minha corporação

O que é uma corporação? Podemos definir uma corporação como um conjunto de pessoas com interesses comuns, e que defendem esses interesses de maneira organizada junto ao Estado, extraindo desse benesses negadas ao restante da sociedade. Concordamos?

Desde a distribuição daquele texto do técnico da CVM, as corporações passaram a ser, juntamente com a classe política, o mal a ser combatido no Brasil.

Seria muito bom se fosse verdade. De fato, as corporações sequestram o Estado brasileiro para os seus próprios interesses. Esse é um mal que vem de longe.

Mas na primeira oportunidade que o governo teve de enfrentar uma corporação, fugiu da raia. Ou melhor, tratou a corporação como aliada, mostrando que há “corporações do bem” e “corporações do mal”.

Refiro-me aos caminhoneiros. Os caminhoneiros, como categoria, formam uma corporação, que conseguiu sequestrar o país em uma greve criminosa (criminosa porque impediu quem queria trabalhar de trabalhar), extraindo do Estado benesses negadas ao restante da sociedade.

Então, a depender da cor e dos instrumentos de pressão da corporação, o governo apoia ou ataca. Os caminhoneiros, no caso, contam com um aliado no Palácio. Faltou humildade ou faltou coragem?

Cálculo político

– Bolsonaro pede reunião com Toffolli.

– Flávio Bolsonaro elogia a política, os políticos e a negociação em pronunciamento no Senado.

– Maia e o Centrão decidem, ao que tudo indica, aprovar a MP da reforma ministerial.

– O porta-voz da presidência afirma que as manifestações de domingo devem ser a favor das reformas e não contra as instituições.

São os lances de hoje nessa peça onde cada ator estica a corda mas toma o cuidado de não arrebenta-la.

Faz-me lembrar, por contraste, os momentos finais de João Goulart. Imprudentemente, Goulart esticou a corda demais, acreditando que o povo estava com ele. Resultado: acabou arrebentando para o seu lado.

Bolsonaro e o Congresso, aparentemente, não estão dispostos a cometer o mesmo erro de avaliação. Por isso, esse “morde e assopra”. Hoje foi o dia do “assopra”. Tudo é cálculo político.

Os desafios da política

Bolsonaro distribuiu hoje a seus grupos no WhatsApp um texto de origem anônima. A sua distribuição pelo Presidente da República só tem duas interpretações: ou ele está preparando um golpe, ou está preparando a sua renúncia.

Vamos começar pelo que o texto tem de correto: de fato, o Brasil (e o governo) é refém de “corporações com acesso privilegiado ao orçamento público”. “Políticos, servidores-sindicalistas, sindicalistas de toga, grupos empresariais bem posicionados nas teias do poder” formam o grupo que impede o Brasil de ser “governado de acordo com o interesse dos eleitores”.

Sim, o Brasil é refém de corporações, que defendem com unhas e dentes o seu quinhão no orçamento. Mas o texto, a partir daí, é de um primarismo político que mostra o quanto Bolsonaro, ao divulgá-lo, não está preparado para a tarefa que o povo lhe delegou.

Segundo o texto, “Bolsonaro provou que o Brasil, fora desses conchavos, é ingovernável”. Sim, o Brasil é ingovernável quando o presidente age como um imperador, desprezando o fato incontornável de que, em um país com mais de 200 milhões de habitantes, há pessoas que pensam de maneira diferente da sua e de seu grupo. O Congresso nada mais é do que o espelho da sociedade: multifacetado, com interesses divergentes, e que precisa de um norte comum para caminhar para uma meta. Xingar constantemente seus adversários e, pior, seus potenciais aliados, não fará o Brasil ser mais governável. O sectarismo nunca será a melhor forma de lidar com a diversidade.

Há bandidos no Congresso? Com certeza. Assim como há bandidos nas Forças Armadas, entre os médicos, entre os advogados, entre os professores, no mercado financeiro, enfim, em todo lugar onde há seres humanos. Há gente boa no Congresso? Com certeza também! Mas Bolsonaro não parece interessado nisso. Sua “nova política” é basicamente enviar o que acha correto ao Congresso, e que este carimbe a vontade do imperador. Se não o faz, é porque está defendendo interesses inconfessáveis.

Por exemplo, o autor do texto diz que “nem uma simples redução do número de ministérios pode ser feita. Corremos o risco de uma MP caducar e o Brasil ser OBRIGADO a ter 29 ministérios e voltar para a estrutura do Temer”. Ora, e quem disse que a estrutura proposta por Bolsonaro é a melhor para o País? Por que o Congresso precisa aceitar aquilo que emana do augusto panteão da justiça? Bolsonaro não negocia, não tenta convencer. Sua tarefa se dá por cumprida ao enviar o texto para o Congresso, este que cumpra o seu dever e aprove a vontade do imperador. E ai se não aprovar. Restará provado que o Congresso, em nome das corporações, “quer, na verdade, é manter nichos de controle sobre o orçamento para indicar os ministros que vão permitir sangrar estes recursos para objetivos não republicanos”.

Pois é. O Congresso quer manter nichos de controle sobre o orçamento. No que está muito certo. Os imperadores Pedro I e Pedro II tinham o controle sobre o orçamento, e só a muito custo o Congresso conseguiu avançar sobre este controle que, de outra forma, seria exercido de maneira ditatorial por uma única pessoa.

E se o Congresso tiver uma ideia melhor? Afinal, foram tão eleitos quanto Bolsonaro. Ou Bolsonaro é sempre “do bem” e o Congresso é sempre “do mal”? Conhecemos um partido que se colocava como a quintessência da virtude e vimos onde fomos parar. Há interesses corporativos? Com certeza! Assim como há interesses legítimos. Cabe a um estadista separar o joio do trigo, negociando, cedendo, procurando soluções de compromisso. Chamar todo mundo fora de seu grupinho de ladrão não ajuda em nada, para dizer o mínimo.

O autor do texto faz uma confusão dos diabos ao tentar provar que o Brasil é “refém” das corporações, independentemente da coloração ideológica do presidente. Cita como exemplo o fato de FHC ter “liberado” o câmbio dois meses depois de reeleito, mesmo tendo prometido segurá-lo. Ora, soltar o câmbio foi uma necessidade matemática, as reservas internacionais tinham simplesmente acabado! Em que a liberação do câmbio em 1999 ajudou as corporações? Mistério. Outro exemplo: “Lula foi eleito criticando a política de FHC, mas fez a reforma da previdência e aumentou os juros”. Ora, o que isso tem a ver com as corporações? Na verdade, a reforma da previdência de Lula desafiou as corporações do funcionalismo público (houve até invasão do Congresso). E o governo Lula, após ter aumentado os juros, voltou a diminuí-los para patamares abaixo dos vigentes no governo anterior, menos de um ano depois da posse. Aumentou os juros para agradar as corporações e diminuiu os juros também para agradar as corporações? Mais um exemplo: “Dilma foi eleita criticando o neoliberalismo, e indicou Joaquim Levy”. Bem, Dilma indicou Levy apenas 4 anos depois de sua primeira eleição. E o fez porque o dinheiro simplesmente acabou. Onde estão as corporações aqui?

A ideia do autor anônimo é de que todos os presidentes estão fadados a cometerem estelionato eleitoral, independentemente de sua coloração ideológica, porque pressionados pelas corporações, os verdadeiros donos do Brasil. Ora, esse é um argumento pueril. Significa que as corporações se contradizem ao longo do tempo (por exemplo, são a favor da reforma da previdência com Lula e contra a reforma da previdência com Bolsonaro) só para mostrarem quem realmente manda no Brasil, mesmo que seus interesses sejam contrariados. Não faz o mínimo sentido.

O autor do texto agradece a Bolsonaro por ter provado “de forma inequívoca que o Brasil só é governável se atender o interesse das corporações”. Bem, e daí? Qual a solução? Como sair dessa armadilha? Bolsonaro era a promessa de sairmos dessa armadilha, não a promessa de constatarmos que a armadilha existe. Se não tem jeito de sair da armadilha, como afirma o autor do texto, então Bolsonaro é o cara errado no lugar errado. Restam apenas duas saídas: virar a mesa ou desistir. Não há uma terceira.

O risco de Bolsonaro

Tentei recortar algum trecho dessa entrevista, mas ela deve ser lida por inteiro. Não se trata de um representante da “velha política”, mas de um deputado fiel, um dos 4 que votaram em Bolsonaro para a presidência da Câmara em 2017. Acima, portanto, de qualquer suspeita.

Como já disse várias vezes aqui, Bolsonaro deve fazer a “boa política”, que é compartilhar espaços de poder, e não a “nova política”, que é colocar-se como a virgem no bordel. A outra alternativa é fechar o Congresso. Não há uma terceira.

Cenário se materializando

Ministério das Cidades recriado.

Cenário 2 se materializando.


Post de 23/03/2019

Cenário 1: Bolsonaro consegue impor a sua agenda com a força das ruas. 308 deputados votam a reforma da Previdência sem qualquer tipo de negociação. O pacote passa inteiro. A economia deslancha e Bolsonaro é reeleito em 2022.

Cenário 2: Bolsonaro cede e negocia cargos e pontos da reforma. A reforma passa com alguns descontos. A economia deslancha e Bolsonaro é reeleito em 2022.

Cenário 3: Bolsonaro, fiel à sua agenda, não negocia, e a reforma da Previdência não é aprovada. A economia vai para o buraco e Bolsonaro até tenta colocar a culpa no Congresso. Mas, como no Brasil, tudo é sempre culpa do presidente, Bolsonaro é derrotado em 2022. Se conseguir chegar até lá, claro.

Qual desses cenários é o mais provável?