A construção da base parlamentar

Quando aqui critiquei a postura de Janaína Paschoal em sua derrota acachapante para Cauê Macris pela presidência da Assembleia Legislativa de São Paulo, muitos responderam que, se era para compactuar com a “velha política”, foi melhor ter perdido mesmo.

O que precisa ser entendido de uma vez por todas é que não existe “velha política” e “nova política”. O que existe é “política” e “caso de polícia”. Quando o governo Bolsonaro se recusa a fazer política, está implicitamente chamando todos os políticos de bandidos. Pois se não é política, só pode ser caso de polícia.

É isso o que Rodrigo Maia praticamente desenha para Bolsonaro em entrevista de hoje no Estadão. Destaquei o trecho abaixo porque me parece sintetizar a ideia central, mas a entrevista toda deveria ser lida e meditada pelo presidente e sua entourage.

– Ah, mas Maia é o Botafogo da planilha da Odebrecht, é bandido também, é o número 1 na fila para achacar o governo.

Se Maia tiver contas a prestar à justiça, ele as prestará, como provam as prisões de Lula, Temer e do seu sogro Moreira Franco. Por enquanto ele é o presidente da Câmara, da qual Bolsonaro depende se não quiser que seu governo termine antes mesmo de ter começado.

Política é diálogo e compartilhamento de espaços de poder de modo a formar consensos. Há muito espaço para o diálogo antes de se entrar na seara policial. Para o bem do Brasil, é bom que Bolsonaro entenda isso antes que seja tarde demais.

Perto da calamidade

A venda de 100% de companhias aéreas para estrangeiros foi aprovada na Câmara. E não foi uma aprovação qualquer: o texto foi aprovado por maioria constitucional. Com essa maioria, a reforma da Previdência teria sido aprovada.

Essa aprovação por acachapante maioria traz algumas lições:

1. A Câmara vota quando o governo se empenha.

2. A Câmara vota quando a situação chega perto da calamidade. Esse projeto recebeu seu impulso final depois que a Avianca pediu concordata, mostrando a fragilidade das companhias aéreas locais.

3. A Câmara vota pautas liberais (no caso, liberalismo selvagem) quando o governo se empenha e quando a situação chega perto da calamidade.

Esta é uma lição para a reforma da Previdência. A coisa chegou perto da calamidade. Falta o governo se empenhar.

Guedices

O mercado financeiro era “alckmista” nas eleições porque gosta de ganhar os juros da dívida pública na maciota, segundo Paulo Guedes.

Guedes sabe muito bem que o mercado financeiro era alckmista porque avaliava que Alckmin teria mais convicção e habilidade política para aprovar a reforma da Previdência no Congresso, que é o que realmente vai diminuir a dívida pública no longo prazo. Por enquanto, com suas declarações desastradas e sua falta de foco na reforma, Bolsonaro vai dando razão à Faria Lima. Alckmin teria menos convicção para tocar a agenda de privatizações? Bem, o atual governo já disse que Petrobras, Caixa e Banco do Brasil são imexíveis. E mesmo coisas mais simples, como o IPO da asset do BB, esbarram em “problemas”.

Por enquanto, a agenda liberal do “único governo liberal da história do Brasil” se resume à rodada de concessões de aeroportos, privatização da Eletrobrás e leilão do pré-sal. Toda ela herdada do governo Temer.

O governo tem menos de 100 dias, é verdade, está ainda se organizando, é injusto cobrar alguma coisa. Vamos ver o que Bolsonaro e Guedes entregarão em quatro anos. Guedes sabe que a Faria Lima aplaudirá de pé se conseguirem fazer metade do que prometeram. Mas, para isso, é preciso começar a trabalhar mais e falar menos.

Liberal até a página dois

Essa aqui é do balacobaco.

A última desculpa para não abrir o capital da asset do BB é que grande parte da receita vem de um fundo de R$ 53 bilhões com taxa de administração de, atenção!, 4% ao ano!!!

Os cotistas que são tungados pelo BB são autarquias e órgãos do governo em geral, que são obrigados a investir o caixa nesse sorvedouro de recursos públicos. Trata-se de uma gigantesca transferência de recursos (R$ 2 bilhões ao ano) do governo para o BB, em forma de taxa de administração.

São 160 mil cotistas (nunca pensei que houvesse tanto órgão de governo no Brasil!), o que dá mais de R$ 300 mil de investimento por cotista. Para esse montante de dinheiro, qualquer pessoa física consegue fundos conservadores por taxa de administração de, no máximo, 0,2% ao ano.

Aí, ao invés de eliminar a distorção, o novo e liberal presidente do BB diz que esse pode ser um empecilho para a privatização. De onde se deduz que a estrutura da BB asset não sobrevive sem esse fundo.

Então, ficamos assim: o Tesouro continua subsidiando a asset do BB, enquanto este governo continua posando de liberal até a segunda página.

Duas ou três coisas

Leiam.

Espero sinceramente que este governo, que se diz o único verdadeiramente liberal da história do Brasil, não continue com essa historinha petista de que “não precisa privatizar, basta ter uma gestão técnica e livre de influências políticas”.

A politicagem do Hino Nacional

Nos últimos jogos do Santos que assisti no estádio, presenciei uma coisa muito triste: durante o hino nacional, a torcida organizada continuava gritando o nome do time, ignorando aquele momento solene.

Quando eu estava no Fundamental, em uma escola estadual na década de 70, havia hasteamento da bandeira semanalmente e todo dia tocava o hino nacional antes das aulas. Era uma grande honra ser o aluno escolhido para hastear a bandeira, e se fazia questão de treinar o hino em sala de aula, para que todos o soubessem de cor.

Não entendo os motivos por trás da atitude da torcida organizada do Santos, nem sei se isso está acontecendo com outras torcidas, mas aquilo me fere profundamente. Trata-se de uma geração para quem a noção de Nação não existe. E sem essa noção, nos transformamos em um amontoado de tribos que convivem forçadamente, sem ligar para o bem comum. A atitude da torcida organizada explica muito do Brasil de hoje.

No entanto, o governo Bolsonaro conseguiu transformar o que, de outro modo, seria uma iniciativa bem-vinda (a volta do hino às escolas) em uma patacoada politico-eleitoral. Que história é essa de “Brasil dos novos tempos”? E o que está fazendo o slogan da campanha de Bolsonaro em uma carta aos alunos, forçosamente lida pelos diretores? É estar muito alienado, é viver muito dentro de uma bolha, para achar que uma iniciativa desse tipo fosse passar em branco.

Bolsonaro e seus ministros mais, digamos, “ideológicos”, fariam bem em se dedicar a implementar o programa de governo para o qual foram eleitos (no qual se inclui fomentar um maior respeito pelos símbolos pátrios), e deixassem de lado essa bobajada de “aurora dos novos tempos”. Quando Lula e os petistas falavam do “nunca antes na história desse país”, achávamos ridículo. Bolsonaro está cometendo o mesmo erro.

O último apaga a luz

O presidente chamou publicamente de mentiroso um de seus ministros (ok, apenas retuitou, dá no mesmo). O ministro está demitido. Pode até continuar no governo, mas será um morto-vivo.

Mas não foi um ministro qualquer. Foi o seu ministro mais fiel, aquele que certamente daria sua vida pelo presidente.

Os outros auxiliares do presidente devem estar acompanhando o que acontece com alguém que atravessa o caminho de algum dos filhos do presidente.

Vamos ver quantos sobrarão até o fim do mandato.

A verdade ultrassecreta vos libertará

Segundo Mourão e vários outros próceres do governo, o decreto que permite que assessores de 1o escalão decretem dados como ultrassecretos serviria para eliminar a burocracia.

No entanto, ainda segundo Mourão, dados ultrassecretos seriam “raríssimos”. Ora, se é assim, onde está a burocracia? Um fast track do processo só se justificaria se houvesse um grande fluxo. Com o novo decreto haverá?

Além do mais, é curioso que a bem-vinda cruzada pela desburocratização tenha começado por algo que não tenha nada a ver com as agruras do cidadão no seu dia-a-dia. Na verdade, esse é o tipo de burocracia do bem, que torna o governo mais transparente.

Diz o Ministro da Transparência (!), em outro ponto da reportagem, que o acesso continua o mesmo, pode-se entrar com um recurso para se levantar o sigilo, como já acontece hoje. Ora, como serão mais dados sigilosos, vai na verdade aumentar a burocracia de quem quiser ter acesso aos dados. Falar em “desburocratização”, neste caso, é de uma cara-de-pau sem limites. Que seja o Ministro da Transparência a defender a limitação da transparência é coisa digna da George Orwell.

Além disso, não consigo pensar em nenhum dado governamental que devesse ficar sob sigilo por 25 anos, a não ser aqueles que potencialmente envolvam segurança nacional e governos estrangeiros. Que tanto “dado ultrassecreto” existe que demande um decreto desse tipo? Empresas mantém seus “segredos industriais” guardados a sete chaves, para defenderem-se da concorrência. O Brasil, no entanto, não é uma empresa competindo no mercado. A que tipo de segredo o governo não quer que seus cidadãos tenham acesso?

Bolsonaro elegeu-se com o versículo João 8,23: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Talvez tenhamos que adapta-lo aos novos tempos: “conhecereis a verdade, desde que não seja ultrassecreta, e a verdade vos libertará”.