Minha aposentadoria primeiro

Primeiro, foi o “Plano B” de Paulo Guedes.

Agora, a proposta de idade mínima menor para a aposentadoria, idades mínimas diferentes por profissão e a crítica ao aumento da alíquota de contribuição do funcionalismo, por parte do próprio Bolsonaro.

A reforma da Previdência começa seu lento caminho em direção ao topo do telhado.

Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, e minha aposentadoria primeiro.

O fim do Ministério do Trabalho

Algumas associações de advogados trabalhistas entraram no Supremo contra a extinção do ministério do Trabalho.

Muito justo.

Afinal, esse é mais um passo no desmonte da estrutura que mantinha os empregos dos advogados trabalhistas. E advogado trabalhista sem trabalho é muito triste.

Despertar da cidadania

Ainda não consegui passar da página 2 do Estadão. Este artigo, ao lado do anterior de Modesto Carvalhosa, também merece sua leitura.

Uma nota útil: Murillo de Aragão é um analista político respeitado, acompanho seu trabalho há mais de 20 anos. Longe de ser um doidivanas alt-right embarcando na mais nova onda. O que dá mais peso a suas palavras.

A “verdadeira” Venezuela

De Boulle ataca novamente. Seu bode agora é a postura anti-Maduro do novo governo. Em artigo de hoje no Estadão, de Boulle afirma que “o uso constante do colapso venezuelano como arma ideológica é não apenas um equívoco, mas demonstração de profunda ignorância.”

De Boulle se propõe, então, a iluminar o dia com seu profundo conhecimento da Venezuela. Em suas próprias palavras, “são poucos os que realmente sabem alguma coisa da história da Venezuela”. Da forma como se apresenta, de Boulle se considera entre esses poucos.

Então, continuei a ler o artigo, de coração sinceramente aberto, para tentar compreender um pouco mais da história desse país tão pouco conhecido, e como o regime bolivariano tem pouco a ver com a atual situação de descalabro em que se encontra. Sim, porque, na visão de de Boulle, culpar o atual governo não é mais do que usar “espantalhos ideológicos”, sem um “entendimento sério de como o país chegou ao atual descalabro”.

Colei o artigo aqui para que vocês julguem com seu próprio discernimento se estou exagerando. O que se tem é um amontoado de fatos que parecem ter sido tirados da Wikipedia. Nada que possa sugerir alguma causa remota para a situação desesperadora atual.

No entanto, e foi isso o que me deixou perplexo com o artigo, a autora termina o seu amontoado de informações desconexas com um “portanto”: “Portanto, para entender e opinar sobre a Venezuela, é preciso compreender o arco histórico”. Como se esse amontoado de informações de seu artigo fosse suficiente para provar alguma coisa. Qualquer coisa.

Mônica de Boulle não esconde de ninguém sua ojeriza pelo novo governo. Está no seu direito. O que não dá é falsear a realidade para conformá-la aos seus desejos. Esse artigo foi uma tentativa tosca de dissociar o “socialismo do século XXI” do descalabro que se tornou o nosso país vizinho, ao procurar encontrar raízes remotas no tal “arco histórico”. Sem dúvida, qualquer país é fruto de sua história e isso não é diferente para a Venezuela. Mas também não resta dúvida de que as decisões econômicas de Chávez/Maduro pioraram muito a situação do país. Isso é claro como a luz do dia para qualquer economista que não veja o governo Bolsonaro como um “espantalho ideológico”.

Vamos tentar um projeto de País diferente, só para variar?

Onde se lê “Bolsonaro não tem um projeto para o País” leia-se “Bolsonaro tem um projeto para o País que não é do meu agrado”.

Vamos ser justos: na entrevista, Luciano Huck diz que não viu “projeto de País” nos programas de nenhum dos candidatos, não somente no de Bolsonaro. Pena que Huck não nos tenha dado a chance de votar em um verdadeiro “projeto de País”, pois afinou e fugiu da briga. Talvez porque tenha pensado que o País ainda não estivesse preparado para o seu grandioso “projeto de País”.

Na entrevista, Huck deixa claro o principal ponto de um “projeto de Pais” digno do nome: diminuir a desigualdade. Afinal, ele se orgulha de ter viajado pelo País nos últimos 19 anos, e viu muito disso por aí. Como se precisasse. Qualquer cidadão das grandes cidades tropeça em moradores de rua e a realidade das favelas fere os olhos dos brasileiros. Mas não, somente Huck tem a verdadeira noção do que é a desigualdade. Como podemos abrir mão de toda essa experiência?

Em determinado momento, Huck deixa claro qual é o seu projeto: “Acho super legal as iniciativas do terceiro setor e de filantropia. Por outro lado, só quem vai ter o poder, de fato, de reduzir a desigualdade, é o Estado”. Está aí o “projeto de País” de Luciano Huck: transformar o Estado brasileiro em uma grande agência filantrópica!

Huck fala como se nunca no Brasil tivesse havido algum projeto de redução de desigualdades. Desde 1994, fomos governados por presidentes inegavelmente preocupados com esse tópico. FHC é um dos grandes ídolos de Huck, o governo Lula mereceu elogios na entrevista por ter patrocinado “políticas sociais” e Dilma, bem, ninguém aqui vai duvidar das credenciais sociais de Dilma. Pois bem, foram mais de 20 anos de governos “preocupados com a desigualdade social”. Resultado? Explosão da dívida pública, da violência e uma desigualdade que agride almas sensíveis como a de Luciano.

Em 1994, a Coreia do Sul tinha uma renda per capita 36% maior que a brasileira. Hoje, a renda per capita do país asiático é 157% maior. Lá, os mais pobres estão em muito melhores condições que os mais pobres daqui. Não perca o seu tempo perguntando se no “projeto de País” da Coreia havia algo como “reduzir as desigualdades”. Não, Bolsonaro não tem o projeto de País de FHC, Lula, Dilma e Huck. Seu projeto, assim como foi o de Temer, é, primeiro, limpar a merda deixada pelos projetos de “redução de desigualdades” dos governos anteriores. Em seguida, aumentar a produtividade do País, de modo a retirá-lo da armadilha de eterno país de renda média. E isso só se consegue, em um país democrático, retirando o Estado da atividade econômica, não o inverso. Se a este projeto se der o mesmo tempo que se deu ao projeto de “Estado filantropo”, quem sabe daqui a 20 anos os mais pobres estejam em melhores condições do que hoje.

O governo e a vontade do povo

Estes são dois trechos da coluna de César Felício, editor de política do Valor Econômico, publicada hoje.

No primeiro, Felício elege Paulo Guedes como o “fiador” da democracia brasileira. Seria ele o responsável por segurar os ímpetos autoritários do presidente e de seu entorno. Para isso, teria como instrumento a “ameaça à governabilidade” como fator de instabilidade econômica. Ou seja, para ter sucesso como ministro da Fazenda, Paulo Guedes deveria servir como contraponto democrático ao presidente eleito.

Já no segundo trecho, o articulista praticamente lamenta a existência da TJLP, do teto de gastos e da independência do BC, pois esses seriam instrumentos que “manietariam” o poder do povo.

O primeiro trecho simplesmente não conversa com o segundo.

No primeiro, Felício pede que o presidente eleito respeite os limites das instituições democráticas. Já no segundo, lamenta a existência de instituições que estabelecem limites à atuação dos representantes do povo. E, sempre importante enfatizar, instituições essas que foram aprovadas nos devidos fóruns democráticos. Relacionar regras que regulam os gastos públicos com governos autoritários de direita, como faz o articulista, é de uma má fé sem limites. Nesse sentido, todas as leis aprovadas pelo Congresso, de uma maneira ou de outra, “manietam” a “vontade do povo”. Toda lei limita, de uma forma ou de outra, certos comportamentos. Sugerir que isso seja “autoritário” é contradizer a essência mesma da democracia representativa, onde o povo fala através de seus representantes eleitos. Contradiz o próprio desejo do articulista, que quer que Bolsonaro “ande na linha”, o que poderia ser interpretado como “manietar a vontade do povo”. Afinal, a maioria do povo poderia querer uma ditadura. Limitar essa vontade do povo seria autoritário?

O que deu errado no Chile

A Globo News debate os destinos da economia brasileira, agora que estamos nas mãos dos desalmados “Chicago Boys”.

Além das observações de praxe sobre as reformas impostas por Pinochet, a ditadura e blá, blá, blá, os bravos jornalistas estavam genuinamente preocupados com os efeitos negativos das reformas empreendidas pelos Chicago Boys chilenos. Parece que algumas coisas deram errado por lá.

Fui checar.

A inflação média brasileira desde 1996 foi de 6,80% ao ano, enquanto a chilena foi de 3,67% ao ano. Ou seja, se tivéssemos a inflação do Chile, os preços teriam subido praticamente metade do que subiram no Brasil nos últimos 22 anos (deixei de fora os anos da hiperinflação pra coisa não ficar mais feia para o nosso lado).

-Ah, mas inflação é uma tara dos Chicago Boys. Eles sacrificam tudo ao deus da estabilidade. Aposto que o crescimento econômico foi anêmico nesse período.

Vamos lá. O crescimento econômico médio do Brasil desde 1980 foi de 2,32% ao ano. Do Chile foi de 4,31% ao ano. Se o Brasil tivesse crescido tanto quanto o Chile nos últimos 38 anos, a renda per capita brasileira seria mais do que o dobro da atual. 108% maior, para ser mais exato.

– Ah, mas PIB não quer dizer nada. O que importa é o bem estar das pessoas.

Ok. Também o desemprego foi menor no Chile. Desde 1991 (primeiro dado disponível para o Brasil), o desemprego médio chileno foi de 7,8%, contra 10,9% de desemprego médio no Brasil. Hoje, o desemprego no Chile está em 6,9%, contra 11,8% no Brasil. Se tivéssemos hoje o desemprego do Chile, cerca de 5 milhões de brasileiros a mais estariam trabalhando.

– Ok. Mas e a desigualdade? Qual a preocupação dos Chicago Boys com a distribuição de renda? Aposto que nenhuma!

Segundo dados do Banco Mundial, o índice de Gini do Chile caiu de 54,8 em 1987 para 47,7 em 2015. Já o índice do Brasil caiu de 59,7 para 51,3 no mesmo período (quanto menor, melhor a distribuição de renda). Ou seja, além de mostrar uma distribuição de renda melhor do que a brasileira, o índice de Gini do Chile recuou só um pouco menos do que a o brasileiro nesse período de 28 anos. Parece ok para um país que adota um modelo econômico neoliberal selvagem.

Resumindo: o Chile, administrado segundo a escola de Chicago, teve metade da inflação, o dobro do crescimento, menos desemprego e melhor distribuição de renda do que o Brasil, administrado segundo a melhor escola unicampiana de preocupação social. E ainda ficamos discutindo “o que deu errado” no modelo chileno.

PS.: antes que alguém levante a questão, dá sim para usar o Chile como exemplo. Apesar de ser um país menor e com maior dependência de exportações, há muitos países ainda menores que não dão certo. E há países bem maiores que têm uma performance bem superior à brasileira por seguirem os cânones econômicos ortodoxos. Vide EUA e Alemanha, por exemplo.

A verdadeira liberal

Abaixo vai o trecho final do artigo de Mônica de Boule hoje, no Estadão.

Em primeiro lugar, Mônica não aceita que alguém seja liberal na economia e conservador nos costumes. Ela diz que este não seria o “verdadeiro liberalismo”. Na verdade, Mônica é “ultraortodoxa” em seu liberalismo dos costumes e uma “social-democrata” quando se trata do liberalismo econômico. Nada contra. Só não venha querer dar lições do que seja o “verdadeiro liberalismo”, como se houvesse apenas uma ideologia “correta”.

Mas vamos focar no que me interessa aqui: a tal “primazia dos mercados sobre a sociedade”, espécie de mantra supostamente entoado pelos que a economista pejorativamente chama de “ultraortodoxos”.

Do ponto de vista conceitual, não consigo entender o que significa essa “primazia dos mercados sobre a sociedade”. Essa frase só faria sentido em se considerando uma visão estreita dos “mercados”, que seriam somente as mesas de operações dos bancos e, talvez estendendo um pouco mais o conceito, as gerências das grandes empresas. Não concebo que uma economista com a formação de Mônica de Boule tenha esse entendimento estreito do que sejam os mercados.

Os “mercados” somos todos nós. Toda vez que um indivíduo toma uma decisão de consumo ou de investimento (e não tomar uma decisão também é uma decisão) está movendo os preços da economia. Os operadores do mercado financeiro são apenas isso: operadores, que procuram maximizar os ganhos dos verdadeiros senhores do mercado, os indivíduos e as empresas. Quando dizemos “a bolsa subiu”, é porque subiu o sentimento de confiança de que as empresas gerarão lucro no futuro. Lucro esse, adivinha, que depende dos consumidores, que são, no final do dia, aqueles que decretam o sucesso ou o fracasso das empresas.

Portanto, podemos definir os mercados como a sociedade tomando suas decisões de consumo e investimento. É apenas mais um aspecto da sociedade, uma das muitas formas de ver a sociedade, assim como há muitas formas de ver um ser humano. Dizer que existe uma “primazia dos mercados sobre a sociedade” é colocar os mercados fora da sociedade, como um alienígena que nada tem a ver com nossas vidas. Um agente a mais, que suga os recursos da “sociedade”.

Claro, assim como um indivíduo não se reduz às suas condições materiais, a sociedade não se reduz aos mercados. Isso é coisa de marxistas, para os quais não existe nada além da dimensão material da vida. Para um liberal, os mercados são apenas e tão somente a base material da sociedade. Cuidar para que a sociedade tenha uma base material sólida é condição sine qua non para que consiga desenvolver todas as suas potencialidades. Como diz o ditado, “em casa que falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão”.

Mônica de Boule se esconde atrás desses rótulos (ultraortodoxos, primazia dos mercados sobre a sociedade) para não colocar claramente o que pensa sobre os diversos desafios práticos que qualquer governo precisa enfrentar:

1) Se Mônica fosse presidente da República, de que forma enfrentaria o déficit fiscal? Procuraria ajustar como preconiza o atual e o futuro governo? Ou seria adepta do “déficit é vida” do governo Dilma? Um “verdadeiro liberal” ajustaria ou não as contas públicas?

2) Se Mônica fosse presidente da República, procuraria ajustar o déficit de maneira rápida ou lenta? O futuro governo quer ajustar de maneira rápida. Seria esta uma visão “ultraortodoxa”? Macri tentou um ajuste lento na Argentina e foi parar no colo do FMI. É isso o que preconiza o “verdadeiro liberalismo”? Não seria mais razoável deixar os adjetivos de lado e focar naquilo que importa, no caso, a paciência dos credores?

3) Se Mônica fosse presidente da República, que tipo de reforma de Previdência faria? Uma que colocasse o sistema em equilíbrio atuarial de longo prazo, ou outra, que preservasse os privilégios do funcionalismo público e da classe média? O atual e o futuro governo defendem a primeira hipótese. Isso é “ultraortodoxia”?

4) Se Mônica fosse presidente da República, manteria o Bolsa Família, como preconiza o futuro governo? Essa posição do presidente eleito é a “primazia dos mercados sobre a sociedade”?

5) Se Mônica fosse presidente da República, privatizaria todas as estatais, ou manteria as que têm “valor estratégico”, como defende o presidente eleito? Onde está a “ultraortodoxia”? De que lado Mônica está neste quesito?

6) Se Mônica fosse presidente da República, defenderia que uma carga tributária de 37% do PIB é razoável? É esse o tamanho do Estado que um “verdadeiro liberal” preconiza? Ou seria ainda maior, para que “a sociedade tenha primazia sobre os mercados”?

7) Se Mônica fosse presidente da República, estaria satisfeita com o atual sistema tributário? Ou procuraria simplifica-lo, como defende o “ultraortodoxo” ministro da Fazenda do presidente eleito?

Enfim, poderíamos continuar indefinidamente. Adoraria ler um artigo onde Mônica de Boule e outros economistas “verdadeiramente liberais” descrevessem suas soluções para os problemas práticos de qualquer governo, ao invés de simplesmente enfileirar adjetivos e frases de efeitos sem sentido, só para marcar uma posição. Seria muito mais útil para a sociedade que tanto dizem defender.

Por que as pessoas gostam de Bolsonaro?

Danilo Gentili fez uma enquete no Twitter, perguntando sobre como as pessoas haviam conhecido Bolsonaro.

Não contei, mas acho que metade das respostas foram na linha da que vai abaixo: o vídeo da Maria do Rosário. E muitos testemunhos são de mulheres.

Quando os adversários, e principalmente Alckmin, usavam este vídeo para atacar a misoginia de Bolsonaro, o efeito foi o contrário. Porque Maria do Rosário não representa as mulheres, representa a impunidade.

As pessoas comuns simplesmente não estão ligadas nessa coisa de gênero, ou de raça, ou de opção sexual. As pessoas comuns querem saber o que o candidato pensa sobre os assuntos que lhe importam. E no país onde temos 65 mil assassinatos por ano, a segurança pública é um assunto que verdadeiramente importa.

Grande parte das respostas que não mencionam esse vídeo ainda assim se referem a outras passagens de Bolsonaro descascando os “vagabundos”, como ele carinhosamente chama os bandidos. As pessoas comuns se identificam com alguém que dá nome aos bois.

Intelectuais, jornalistas, artistas se horrorizam. Alckmin, Haddad e os outros candidatos acharam que o brasileiro comum também se horrorizaria. Não só não se horrorizou como se identificou. Se você ficou horrorizado com essa postura do brasileiro comum, então torça para que o governo Bolsonaro consiga diminuir os índices de criminalidade. Senão, a coisa é daí pra baixo.