Lame Duck

Seguindo o conselho de Lula e de outras raposas que desfilaram sua sabedoria política nos últimos dias, Bolsonaro se mexeu: criou um gabinete de crise, integrando legislativo e governadores.

Pena que foi tarde demais. Um movimento que teria sido um marco importante na luta contra a pandemia se fosse feito um ano atrás, hoje significa apenas que o presidente virou um “lame duck” faltando ainda 18 meses para o fim de seu governo.

Como sentar-se à mesma mesa com governadores que são tratados como conspiradores que só pensam em apeá-lo do poder? Não à toa, somente sete governadores se fizeram representar no tal gabinete. Há um ano, seria possível alguma coordenação nacional. Hoje, não mais.

Na tarde do mesmo dia da instalação do tal gabinete, o presidente da Câmara, Arthur Lira, alinhado ao presidente e um dos sustentáculos do gabinete de crise, deu o seu recado: “temos remédios fatais” para combater a pandemia. E não era à cloroquina que ele estava se referindo.

Enfim, Bolsonaro está colhendo o que plantou, no que vem se mostrando o seu maior erro político. Tal qual Chamberlain, acreditou na boa intenção do vírus e tentou negociar, com o objetivo de manter a economia funcionando. O vírus, no entanto, seguiu a sua natureza, e atropelou o país com sua blitzkrieg.

Parafraseando Churchill, entre a paralisação da economia e o vírus, Bolsonaro escolheu o vírus. E vai ter a paralisação da economia.

Não estamos em um conto de O. Henry

Um dos problemas mais difíceis de resolver em economia é o chamado “contrafactual”. Ou seja, o que teria sido se outra coisa tivesse sido feita. Aliás, esse é um problema das nossas vidas, a economia é apenas o estudo de nossas vidas de um ponto de vista particular. Nossas vidas são uma linha reta, impossível de saber o que teria sido se outra coisa tivéssemos feito.

O segundo filme da trilogia “De Volta Para o Futuro” trata desse tema de maneira muito cômica. O protagonista viaja para o futuro e, quando volta para o passado, cai em um mundo completamente diferente. Ocorre que o vilão havia conseguido viajar para o passado e havia mudado um ponto da história. O protagonista, portanto, havia caído em uma “realidade contrafactual”, aquela que teria sido se um determinado ponto da história tivesse sido diferente.

O exemplo oposto é de um conto de O. Henry, autor norte-americano famoso pelos seus contos paradoxais. Neste conto, Caminhos do Destino, O. Henry narra a história de um sujeito que se vê diante de uma bifurcação na estrada e tem três decisões possíveis: ir pela esquerda, ir pela direita ou voltar. O. Henry conta a história das três decisões possíveis, e nas três o sujeito acaba morto pela arma de um mesmo indivíduo. Ou seja, temos o nosso destino traçado, o que quer que façamos.

Faço menção ao contrafactual porque muitos bolsonaristas dizem que se o presidente tivesse agido de outra forma, dando prioridade para medidas de mitigação da pandemia ou para a obtenção de vacinas, a realidade não seria muito diferente da que temos hoje. Estaríamos mais para um conto de O. Henry do que para o filme De Volta Para o Futuro.

Para corroborar essa afirmação, apresentam como contrafactual os resultados de outros países: estamos longe de sermos os piores em termos de óbitos por Covid ou ritmo de vacinação comparados com outros países que, em tese, fizeram direitinho a lição de casa. Este seria o contrafactual.

O que dizer?

Em primeiro lugar, o jogo ainda não terminou. Comparações neste momento correm o risco de se tornarem velhas. Mas o principal defeito desse raciocínio é o uso de um contrafactual potencialmente inadequado. Vou dar um exemplo familiar.

Meu filho sempre foi o primeiro da turma nas escolas onde estudou. Tínhamos muito orgulho de sua performance. No entanto, quando foi prestar vestibular para Medicina, teve que fazer dois anos de cursinho para passar. O fato de ter sido primeiro da turma no colégio não se traduziu em facilidade para passar em um vestibular concorrido. O fato é que o nível da comparação anterior era simplesmente inadequado. Foi necessário trabalho duro para atingir o objetivo.

Há pessoas que têm facilidade para fazer certas coisas, estão acima da média. Têm o “dom”, como dizemos. Esse dom, no entanto, não é tudo. Há pessoas que compensam a falta do dom com trabalho duro. Tinha um colega na Poli que fez três anos de cursinho para entrar. Ele claramente não tinha o dom como a maioria de nós, mas compensou isso com trabalho duro e, hoje, tem o mesmo diploma.

Todos nós somos uma mistura de dom com trabalho duro. Dizem que Pelé e Ayrton Senna se destacavam pela dedicação aos treinos. Conhecemos muitos jogadores talentosos que ficam pelo caminho porque não se dedicaram suficientemente à carreira. Quando um filho meu vai mal em uma prova, a primeira coisa que pergunto é: você está com a consciência tranquila de que estudou tudo o que poderia ter estudado? O resultado de uma prova específica é, muitas vezes, acidental. O resultado de muitas provas é fruto de dom + esforço.

O governo Bolsonaro está indo mal na prova da pandemia? Comparado com outros países, parece que não especialmente. Fez tudo o que estava ao seu alcance? Este é o ponto. As mensagens ao longo do tempo foram quase sempre no sentido de minimizar o problema. Se o governo efetivamente fez algo, se perdeu no meio da mensagem.

Então, o fato de, comparativamente, o Brasil não estar entre os piores, não serve de nada. Não somos o último aluno da sala, mas sempre ficará a dúvida se, com mais trabalho duro, não poderíamos ter nos saído melhor. Dizer que “teria sido a mesma coisa” é uma afirmação a priori, sem contrafactual possível. Em outras palavras, a história muda se a fazemos de maneira diferente. Não estamos em um conto de O. Henry.

Quem avisa, amigo é

Outro dia foi Gilberto Kassab. Hoje, é outra raposa política que dá “dicas” para o presidente.

Parece eu quando comecei a ensinar xadrez para o meu filho: “não, filho, com esse movimento você deixa sua dama exposta e perde o domínio do centro do tabuleiro”. E, como todo pai, deixava ele voltar a peça e pensar mais um pouco.

Frequentemente, no entanto, meu filho agia orgulhosamente e não voltava a peça, dizendo que ele é que estava certo. O resultado desastroso não tardava a aparecer.

As raposas políticas brasileiras reconhecem que Bolsonaro tem um apoio popular não desprezível e é com ele que precisam conviver. E, se for possível embarcar em sua recandidatura em 2022, tanto melhor, desde que consigam a sua parte no latifúndio. Por isso estão tentando fazer ver ao presidente suas jogadas sem futuro.

Para o bem da saúde do povo (e, no caso, para o bem de suas ambições) seria bom que não se deixasse levar pelo orgulho próprio.

Prioridades

Gilberto Kassab, uma das raposas mais felpudas do cenário político brasileiro, corrobora o que escrevi aqui dias atrás: não há chance de uma “candidatura de proveta” de centro prosperar.

Mas não foi esse o ponto que me chamou a atenção na entrevista de hoje no Estadão. Destaquei as duas perguntas finais, sobre o desempenho do governo federal na pandemia.

“Se fosse presidente, estaria visitando a Fiocruz semanalmente. Essa condução não pode ser delegada. Se fosse presidente, teria transferido o meu gabinete para a Fiocruz.”

Não precisa ser uma raposa da política para entender que a vacinação é o “dia D” na guerra contra a pandemia. A névoa da ideologia cegou o presidente durante meses cruciais em relação a essa verdade tão comezinha.

Foram meses de negação, detonando o contrato da Pfizer, dizendo que eram os laboratórios que deveriam nos procurar, alimentando teorias conspiratórias a respeito dos supostos efeitos das vacinas, detonando a “vachina do Doria”, enfatizando a não obrigatoriedade da vacinação, colocando a aprovação da Anvisa como primeiro passo para o governo se movimentar. Enfim, uma longa lista de erros.

Alguns dirão que faltam vacinas no mundo e muitos países que fizeram tudo certo ainda assim não as tem. Isso é meia verdade, mas digamos que seja uma verdade inteira. Pouco importa. Política é imagem, política é narrativa. Quando Kassab diz que mudaria seu gabinete para a Fiocruz, é disso que se trata. É provável que este ato não fizesse o laboratório produzir uma dose sequer a mais de vacina. Mas o ponto não é esse. O objetivo seria mostrar que o governo está totalmente comprometido com a prioridade número 1 dos brasileiros no momento. Uma prioridade, segundo Kassab, mais importante do que uma casa ou um carro. No que ele tem razão.

“Essa condução não pode ser delegada”. Não consigo enfatizar suficientemente este ponto. Não adianta querer jogar o problema econômico no colo dos governadores. Memes, informações distorcidas e carreatas “fora Doria” servem para galvanizar os convertidos. Para a grande maioria dos brasileiros, presidente e governadores estão no mesmo saco dos efeitos perversos da pandemia.

Os governadores, pelo menos, perceberam antes que a vacina é a solução. Só o tempo dirá se será suficiente para reelegê-los. Quanto ao presidente, talvez fosse melhor mudar seu gabinete para a Fiocruz.

Antes tarde do que nunca

Antes tarde do que nunca para se engajar na campanha de vacinação! Notem que não há a frase “a vacina não será obrigatória”. Já é um senhor avanço!

Mas…

Dezenas de milhões podem ser 20 milhões. 20 milhões em 60 dias dá uma média de 333 mil vacinados por dia. Esse é o ritmo atual de vacinação no Brasil, claramente insuficiente.

Corre Pazuello!

Fact checking do discurso do Lula

“O STF reconheceu minha inocência”

Falso. O STF mudou o foro, não entrou no mérito da decisão.“

A resposta do governo Bolsonaro à pandemia tem sido um desastre”.

Verdadeiro.

“O Brasil era a 6a economia do mundo no meu governo”.

Em termos. Foi verdade durante um curto período de tempo. Esqueceu de dizer que foi sua cria que nos jogou na lama da qual estamos tentando nos recuperar até hoje.

Não, péra

É compreensível. Afinal, a volta de Lula ao Palácio do Planalto significa usar estatais para “fins sociais”, paralisia nas privatizações, falta de reformas essenciais, defesa corporativista do funcionalismo público e enfraquecimento dos mecanismos anti-corrupção.

Não, péra…

O pequeno Wilber

Na minha juventude (não faz muito tempo rsrsrs) havia um programa de humor na rádio 89 chamado Os Sobrinhos do Ataíde. Havia vários quadros hilários, mas um dos melhores era o do Pequeno Wilber.

O quadro sempre começava com uma musica bucólica e o narrador, com voz calma, descrevendo como o pequeno Wilber brincava sossegado e feliz. Então, a música mudava de repente e a voz se tornava dramática: um monstro qualquer aparecia e dava início ao massacre do pequeno Wilber. O toque de humor negro vinha sempre com o mote “sem braços, sem pernas, sem a cabeça, mas ainda vivo, o pequeno Wilber…” e o ouvinte tentava imaginar a cena em que os restos do pequeno Wilber falava ou tentava ainda fazer alguma coisa.

Quando vejo Paulo Guedes lembro do pequeno Wilber. Castello Branco é apenas a última perna decepada. Antes dele foram vítimas de massacre Joaquim Levy, Rubem Novaes, Salim Mattar e Paulo Uebel. Cada um deles representava um membro do pequeno Wilber de Chicago. Ainda vivo, Paulo Guedes tenta ainda desesperadamente escapar do monstro.

No esquete do rádio, o pai do pequeno Wilber ficava observando de longe o massacre do filho e, no final, dava alguma dica cretina para o filho escapar do massacre. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Liberalismo engana-trouxa

“Ou como disse o presidente da Petrobras, há questão de poucos dias, ‘eu não tenho nada a ver com caminhoneiros, eu aumento preço aqui e não tenho nada a ver com caminhoneiro’. Foi o que ele falou, isso vai ter uma consequência, obviamente”.

Não foi o aumento dos combustíveis que detonou a demissão de Castello Branco. O motivo da demissão foi a frase reproduzida acima por Bolsonaro em sua live. O presidente já tinha avisado que não interviria nos preços. Tanto que anunciou um corte de impostos, com Guedes agora tentando resolver a quadratura do círculo para implementar a brilhante ideia presidencial.

O futuro ex-presidente da Petrobras resolveu, de uma hora para a outra, fechar de uma vez todo o gap dos preços do diesel, 15%. E, além disso, deu de ombros acintosamente para os caminhoneiros. Não consigo imaginar outro motivo para esses atos do que o popular “saco na lua”, que normalmente dá origem ao ato de “chutar o pau da barraca”. Há alguns dias, veio à tona uma mal explicada “nova política de reajuste de preços” com periodicidade anual, e que não era de conhecimento do mercado. Enfim, dá a impressão de que da missa não conhecemos a metade.

Salim Mattar e Paulo Uebel, ex-responsáveis respectivamente por privatizações e reforma administrativa dentro do ministério da Economia, pediram o chapéu de maneira discreta e amigável quando constataram que suas pastas não faziam sentido nesse governo. Castello Branco, por sua vez, decidiu forçar a sua demissão, e Bolsonaro não seria Bolsonaro se não o demitisse.

As três demissões representam rigorosamente a mesma coisa: a falta de compromisso deste governo com a pauta liberal. Castello Branco resolveu escancarar o ponto para quem ainda estava iludido.

Dou a mão à palmatória

Escrevi o post “Caiu a ficha” pouco menos de 3 meses após a posse de Bolsonaro. Foi uma epifania, quando uma realidade se faz clara diante dos olhos: Bolsonaro não iria negociar com o Congresso.

Foram muitas as críticas que vinha recebendo de bolsonaristas quando sugeria que ele talvez devesse conversar com os parlamentares para empurrar sua agenda. Enfim, fazer política.

Mas “fazer política” era sinônimo de “fazer negociata”, e isso Bolsonaro jamais faria.

Bem, eu errei, dou minha mão à palmatória. Acreditei nos bolsonaristas e, nos 3 cenários que tracei no post, em nenhum deles previ o que aconteceu ontem no Congresso. Pouco menos de 2 anos depois, Bolsonaro e a fina flor do Centrão estão umbilicalmente ligados.

Bolsonaristas-raiz estão chateados? De maneira nenhuma! Tudo sempre é parte de um “grande plano” para implementar a agenda do bolsonarismo, o que quer que isso signifique.

Chateado estou eu, por ter feito uma análise política porca e ter sido humilhado pelos fatos. Peço desculpas aos meus leitores.