Um dos problemas mais difíceis de resolver em economia é o chamado “contrafactual”. Ou seja, o que teria sido se outra coisa tivesse sido feita. Aliás, esse é um problema das nossas vidas, a economia é apenas o estudo de nossas vidas de um ponto de vista particular. Nossas vidas são uma linha reta, impossível de saber o que teria sido se outra coisa tivéssemos feito.
O segundo filme da trilogia “De Volta Para o Futuro” trata desse tema de maneira muito cômica. O protagonista viaja para o futuro e, quando volta para o passado, cai em um mundo completamente diferente. Ocorre que o vilão havia conseguido viajar para o passado e havia mudado um ponto da história. O protagonista, portanto, havia caído em uma “realidade contrafactual”, aquela que teria sido se um determinado ponto da história tivesse sido diferente.
O exemplo oposto é de um conto de O. Henry, autor norte-americano famoso pelos seus contos paradoxais. Neste conto, Caminhos do Destino, O. Henry narra a história de um sujeito que se vê diante de uma bifurcação na estrada e tem três decisões possíveis: ir pela esquerda, ir pela direita ou voltar. O. Henry conta a história das três decisões possíveis, e nas três o sujeito acaba morto pela arma de um mesmo indivíduo. Ou seja, temos o nosso destino traçado, o que quer que façamos.
Faço menção ao contrafactual porque muitos bolsonaristas dizem que se o presidente tivesse agido de outra forma, dando prioridade para medidas de mitigação da pandemia ou para a obtenção de vacinas, a realidade não seria muito diferente da que temos hoje. Estaríamos mais para um conto de O. Henry do que para o filme De Volta Para o Futuro.
Para corroborar essa afirmação, apresentam como contrafactual os resultados de outros países: estamos longe de sermos os piores em termos de óbitos por Covid ou ritmo de vacinação comparados com outros países que, em tese, fizeram direitinho a lição de casa. Este seria o contrafactual.
O que dizer?
Em primeiro lugar, o jogo ainda não terminou. Comparações neste momento correm o risco de se tornarem velhas. Mas o principal defeito desse raciocínio é o uso de um contrafactual potencialmente inadequado. Vou dar um exemplo familiar.
Meu filho sempre foi o primeiro da turma nas escolas onde estudou. Tínhamos muito orgulho de sua performance. No entanto, quando foi prestar vestibular para Medicina, teve que fazer dois anos de cursinho para passar. O fato de ter sido primeiro da turma no colégio não se traduziu em facilidade para passar em um vestibular concorrido. O fato é que o nível da comparação anterior era simplesmente inadequado. Foi necessário trabalho duro para atingir o objetivo.
Há pessoas que têm facilidade para fazer certas coisas, estão acima da média. Têm o “dom”, como dizemos. Esse dom, no entanto, não é tudo. Há pessoas que compensam a falta do dom com trabalho duro. Tinha um colega na Poli que fez três anos de cursinho para entrar. Ele claramente não tinha o dom como a maioria de nós, mas compensou isso com trabalho duro e, hoje, tem o mesmo diploma.
Todos nós somos uma mistura de dom com trabalho duro. Dizem que Pelé e Ayrton Senna se destacavam pela dedicação aos treinos. Conhecemos muitos jogadores talentosos que ficam pelo caminho porque não se dedicaram suficientemente à carreira. Quando um filho meu vai mal em uma prova, a primeira coisa que pergunto é: você está com a consciência tranquila de que estudou tudo o que poderia ter estudado? O resultado de uma prova específica é, muitas vezes, acidental. O resultado de muitas provas é fruto de dom + esforço.
O governo Bolsonaro está indo mal na prova da pandemia? Comparado com outros países, parece que não especialmente. Fez tudo o que estava ao seu alcance? Este é o ponto. As mensagens ao longo do tempo foram quase sempre no sentido de minimizar o problema. Se o governo efetivamente fez algo, se perdeu no meio da mensagem.
Então, o fato de, comparativamente, o Brasil não estar entre os piores, não serve de nada. Não somos o último aluno da sala, mas sempre ficará a dúvida se, com mais trabalho duro, não poderíamos ter nos saído melhor. Dizer que “teria sido a mesma coisa” é uma afirmação a priori, sem contrafactual possível. Em outras palavras, a história muda se a fazemos de maneira diferente. Não estamos em um conto de O. Henry.