A estratégia inverossímil do governo

Bons e ponderados pontos levantados pelo amigo Victor H M Loyola, sobre as possíveis “explicações” para o não veto do juiz de garantias. A terceira, a única que ele considera plausível, caiu por terra com a informação de que Toffoli deu o seu aval para o troço. E Toffoli certamente está bem acompanhado no Supremo nesse ponto. De modo que, quem está esperando que alguma ADIN prospere, pode esperar sentado.

Ainda sobre o jabuti do juiz de garantias, plantado pelo Freixo/Paulo Teixeira no pacote anti crime do Moro, que não foi vetado por Bolsonaro, e gerou grande irritação entre sua base de apoio, li alguns contrapontos defendidos pelos governistas, dos quais somente um merece credibilidade.

– O primeiro contraponto é que se trata de uma boa ação. Para os defensores dessa tese, nem tudo que é proposto pela esquerda é ruim e essa seria uma das boas ideias. Esses em geral foram os apoiadores de primeiro momento, para os quais qualquer ação do presidente se justifica. A medida em si é péssima, tornaria o sistema judiciário ainda mais lento e custoso. Apoiá-la é algo esdrúxulo, a menos que você seja um psolista, petista ou similar;

– O segundo contraponto seria de que tal medida não iria alterar muito a estrutura do judiciário e que Bolsonaro estaria dando um exemplo à esquerda de que seu governo atende às demandas democráticas e não é autoritário. Essa teoria vai por água abaixo em todas as frentes, primeiramente por que a medida, se implantada, causaria um grande transtorno ao Judiciário. Em segundo lugar por que Bolsonaro nunca se incomodou com o ‘feedback’ de esquerdistas e jamais pensou em conquistar votos da banda de lá, pois isso é absolutamente impossível de acontecer;

– O terceiro contraponto é uma teoria plausível. Como tal medida é inconstitucional e será fatalmente julgada como tal, Bolsonaro teria preferido jogar o abacaxi no colo de quem a pariu, no caso, o Congresso. O problema é que ao fazer isso ele desagradou parte importante de sua base de apoio e não conquistou simpatia de um mísero antibolsonarista, nem no Congresso, tampouco entre os eleitores. E se ao final do dia, tanto vetar quanto não vetar a medida não faria diferença pelo fato dela ser inconstitucional, por que não manter a coerência e vetá-la, tal qual ele fez com outras 25 emendas do mesmo pacote anticrime?

Para os que consideram esse terceiro ponto um primor de estratégia eu faço algumas perguntas:

– Que força teriam Freixo e o PT no a Congresso para impor sua vontade? De que adianta passar de flexível com esses interlocutores? A oposição tem sido surrada ao longo do ano, não me parece que uma medida como essa teria o poder de arregimentar deputados de várias colorações;

– Se a medida será considerada inconstitucional, por que alimentá-la com debates inúteis ao invés de se posicionar com coerência? Por que preferiu agradar a uns gatos pingados e desagradar boa parte de seus simpatizantes?

São perguntas em aberto que desafiam o terceiro contraponto, que considero uma teoria crível. Mesmo que ela seja verdadeira, a atitude do presidente me desagradou. Não somente a mim, como a tantos outros, inclusive muito mais defensores do governo que eu. Sinceramente, se foi realmente uma estratégia, questiono a sua efetividade.

Agora nos resta torcer para que esse jabuti caia da árvore. Nossa justiça já é extremamente custosa e lenta.

A agência TASS do bolsonarismo

A antiga União Soviética contava com uma agência de notícias oficial, a TASS. Obviamente, todas as notícias eram pró-regime. Mesmo diante de fatos negativos, os bravos editores da agência não se deixavam intimidar. Tudo, absolutamente tudo, se dava de acordo com os planos do Kremlin. A piada que corria é que a explosão de um foguete soviético seria noticiada assim: “o foguete XYZ explodiu em sua base de lançamento rigorosamente conforme o planejado. Os engenheiros comemoraram o sucesso da missão”.

Ao ler por aí as justificativas para que Bolsonaro não vetasse o juiz de garantias, não consegui deixar de lembrar da agência TASS.

Velha Política com o seu bolso

Não costumo dar muito peso a essas “notinhas políticas”. Além de não passarem de fofocas irrelevantes de bastidores, já vi algumas vezes serem desmentidas logo em seguida. Mas chamou-me a atenção que Paulo Skaf tenha ligado (três vezes!) para Bolsonaro, a fim de convencê-lo a manter o limite para a Lei Rouanet. O que tem a ver Skaf com os artistas? E mais, o que tem Skaf a ver com Bolsonaro?

A resposta à segunda questão está na mesma página: Skaf é o novo aliado de Bolsonaro em São Paulo para enfrentar João Doria.

Paulo Skaf é o Paulinho da Força dos empresários, defensor número 1 das meias-entradas para a catchiguria. Tem alguma mamat… quer dizer, incentivo para alguma indústria nascente, como a automobilística? Paulo Skaf está lá, articulando. Se Paulo Guedes tinha alguma esperança de tirar o dinheiro do Sistema S, com essa aproximação pode tirar o cavalinho da chuva.

O que nos remete à primeira questão: por que Paulo Skaf teria tanto interesse em manter um limite alto para a Lei Rouanet? Simples: as empresas teriam mais espaço para “incentivar as artes”, colocando os seus logos em filmes e peças teatrais e posando de mecenas sem tirar um tostão do bolso, só usando o dinheiro dos impostos não pagos. É um ganha-ganha, onde quem perde você sabe quem é.

Bolsonaro tem o direito de se aliar com quem quiser. Só não me venham dizer que isso é a Nova Política.

Gastos com publicidade do governo

Tem se falado muito que a Globo e a grande imprensa em geral estariam perseguindo Bolsonaro pelo fato de seu governo ter cortado verbas de publicidade. Ontem alguém me mandou esse gráfico como prova dessa afirmação. Fui verificar.

Em primeiro lugar, não consegui checar diretamente os dados. No site do SECOM não existem esses dados, seria necessário pedir com base na lei de acesso à informação. Fui checar em fontes alternativas.

O primeiro lugar foi o portal da transparência do próprio governo, que informa os gastos aprovados e empenhados do orçamento. O problema é que aquilo se refere apenas aos gastos com publicidade de utilidade pública, feitos pelos diversos ministérios. Isso aí soma apenas algumas dezenas de milhões de reais. O grosso da publicidade do governo é (era) feita pelas estatais.

Fui verificar a lista dos maiores anunciantes do Brasil em 2016 (abaixo), curiosamente o último ano mostrado no gráfico, que depois pula para 2019. Por que será? Tenho uma hipótese, que exponho adiante.

Pois bem, na lista dos maiores anunciantes, temos Caixa, BB e Petrobras, com gastos somados de aproximadamente R$3,5 bilhões. Bem mais, portanto, do que os R$1,5 bi que aparece no gráfico. Não consegui compatibilizar um número com o outro, mas não tem problema, porque o ponto é outro: na lista de 2019 (também anexado abaixo), não há estatais! Ou seja, o grosso da retirada de patrocínios deve ter sido por parte das estatais.

Agora, vem a questão: por que são omitidos os números de 2017 e 2018? Provavelmente porque, com a saída do PT e o início do saneamento das estatais já no governo Temer, esses gastos com publicidade devem ter recuado muito já em 2017. Ora, isso vai contra a narrativa de “punição” à mídia. O que provavelmente ocorreu é que as estatais, quebradas, deixaram de investir em publicidade nos montantes anteriores. Essa é a explicação que tenho para a omissão de 2017 e 2018 nesse gráfico.

Outro ponto: os gastos das estatais foram de R$3,5 bi em 2016, em um bolo de R$130 bi. Ou seja, cerca de 2,7% dos gastos com publicidade. Mesmo que a iniciativa de cortar gastos tenha sido do governo Bolsonaro, não me parece que uma perda de faturamento de pouco menos de 3% seja capaz de quebrar uma Globo.

A imprensa tradicional tem enfrentado o desafio das novas mídias, aqui e no resto do mundo. Google e Facebook estão ficando com partes cada vez maiores do bolo publicitário. Este é o problema que esta indústria está enfrentando, não o fato do governo Bolsonaro ter supostamente cortado verba de publicidade.

Por fim, este mais um argumento para privatizar todas as estatais: serão um instrumento de coerção a menos na mão de governos de qualquer coloração, seja para agradar, seja para punir a imprensa.

Lista de prioridades

Lembrem-se sempre da ordem de prioridades deste governo, que já repeti aqui algumas vezes:

1) Parentes
2) Agenda cultural/ideológica
3) Agenda econômica
4) Agenda de combate à corrupção

As tais “razões políticas e estratégicas” para não participar das manifestações em prol da prisão após condenação em 2a instância devem seguir essa lógica aí.

Maia não é inimigo

Trechos da entrevista hoje com Rodrigo Maia.

Maia é o presidente de Congresso que qualquer presidente com agenda liberal pediria a Deus.

– Ain, mas ele é o Botafogo da planilha da Odebrecht, bandido como todos os outros.

Bem, nesse momento ele é tão bandido quanto Flávio Rachid Bolsonaro, ou mesmo a esposa do presidente, que recebeu R$20 mil do Queiroz. Depois de 5 anos de lava-jato, não houve sequer indiciamento de Maia, quanto mais julgamento e condenação. Não estou dizendo que ele seja inocente. Só estou afirmando que, por enquanto, só existem ilações, exatamente como no caso Queiroz.

Como eu ia dizendo, Maia é o sonho de consumo de qualquer presidente liberal. Essa é a grande sorte de Bolsonaro, que inaugurou com sucesso o semi-parlamentarismo. Maia reconhece que se enganou no início do mandato, ao tentar conduzir entendimentos em torno de um clássico “presidencialismo de coalização”. Hoje o parlamento está muito mais “empoderado” (para usar uma palavra da moda), não sendo apenas um puxadinho do governo.

Ninguém vai tirar o mérito de Bolsonaro de ter sido fiel aos seus princípios, e de ter construído outra forma de relacionamento com o Congresso, abrindo voluntariamente mão de um poder que todos os outros presidentes tiveram. Só espero que os bolsonaristas sigam o exemplo do presidente e saibam reconhecer em Maia um aliado providencial, e não um inimigo.

Enxugando gelo

Já escrevi aqui algumas vezes (a última, a respeito da criação da NAV, a mais nova estatal do governo brasileiro), que o tão festejado ímpeto privatista do governo Bolsonaro ainda está longe de se provar.

Elena Landau, uma das responsáveis por levar adiante as grandes privatizações da década de 90, resume, neste breve artigo, todos os sinais acumulados, até o momento, de que as privatizações são agenda secundária neste governo. Vale a leitura.

Alto preço

Extraído do jornal O Estado de São Paulo

Entrevista com FHC sobre o lançamento de seu último livro com anotações do seu tempo na presidência, que cobre o período de 2001-2002.

O jornalista pergunta a respeito do “alto preço” que representaria a eleição de Lula, mencionado por FHC no livro. Mas, ao invés de perguntar qual seria este alto preço, fecha a pergunta: o “alto preço” seria o governo Bolsonaro?

A pergunta poderia ser fechada de várias formas. Por exemplo: o alto preço seria a corrupção desbragada? Ou, o alto preço seria a maior recessão da história do Brasil? Ou ainda, para um jornalista com alguma finesse de raciocínio, o alto preço seria a destruição das instituições tão arduamente construídas em torno do Real?

FHC poderia ter sido grosso, e responder para o jornalista: “olha, meu filho, fui um bom presidente, mas longe de ser um Nostradamus a ponto de adivinhar que Bolsonaro seria eleito 16 anos depois como resposta às cagadas do PT”. O ex-presidente prefere se eximir de responder qual seria este “alto preço”, e pega a deixa do jornalista para falar de Bolsonaro. O fechamento da pergunta no atual presidente livra a cara de FHC de ter que criticar Lula.

Convém frisar: para o jornalista, o “alto preço” que o país pagou não foi a roubalheira ou a depressão econômica. O alto preço foi a reação da população a essas coisas, foi a eleição de Bolsonaro. É do balacobaco.

OCDE ou não OCDE, eis a questão

Já está claro que a carta de recomendação dos EUA não vetou o Brasil na OCDE, apenas recomendou Argentina e Romênia, provavelmente por uma questão de ordem cronológica do pedido de adesão.

O problema, portanto, não foi essa carta de recomendação. Os problemas são outros dois: 1) o fato dos governos petistas terem desperdiçado a chance de ouro do Brasil pleitear uma vaga na OCDE e 2) o governo Bolsonaro ter criado a falsa expectativa de que sua “amizade” com Donald Trump faria com que o Brasil “furasse” a fila.

Os governos Lula e Dilma nutriam pela OCDE o mesmo desprezo estampado hoje na entrevista de Rubens Ricupero, que reproduzi no post anterior. Para eles, o que importava era ter uma liderança no mundo pobre, ser uma espécie de “EUA dos miseráveis”. Foi um erro de leitura em dois sentidos.

Primeiro, países pobres querem ser ricos, não querem fazer parte de um “clube dos pobres”. Tirando talvez Cuba e Venezuela, “pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”, como dizia o imortal Joãozinho Trinta. Esse foi o erro geopolítico.

O segundo erro foi ideológico: uma certa prevenção contra os “ricos”, que não estaria de acordo com nossa vocação de pobre. Esta é a crítica de Ricupero e dos intelequituais de maneira geral. Ricupero diz que pertencer à OCDE não nos fará ricos. Sem dúvida, a simples pertença ao clube não faz de ninguém “rico”. Mas a OCDE tem regras rígidas de comportamento econômico, que “puxam” o país para cima. Pertencer à OCDE significa que o país tem a intenção de seguir estas regras, o que dá a seus membros um status diferenciado quando se trata de receber investimentos. Ricupero cita a Grécia como contra-exemplo, um país que quebrou mesmo fazendo parte da OCDE. Bem, a Grécia fraudou a União Europeia, o FMI e a OCDE com uma contabilidade falsificada (uma versão grega das “pedaladas”). Mas o fato de pertencer à Zona do Euro e à OCDE forçou a Grécia a fazer a lição de casa, algo muito mais dacroniano que o nosso teto de gastos. Isso é o que importa: ser forçado pelas instituições a dar um basta, e não continuar escorregando ladeira abaixo, como estão ainda fazendo Venezuela e Argentina.

Os governos petistas, portanto, foram os autores do erro original. O governo Bolsonaro, por sua vez, criou a expectativa de que o seu relacionamento com Trump poderia compensar este erro. Não contava que, relacionamento por relacionamento, o de Trump com Macri tem raízes muito mais profundas.

O Brasil pleiteou sua entrada na OCDE em 2017, um ano depois do pedido da Argentina. A expectativa criada foi a de que pudesse haver uma inversão dessa ordem. Poderia ter havido, mas não houve. O caso da Argentina será analisado antes e, provavelmente, não será aceito. Mas o Brasil ficou para depois, como era natural, dada a ordem cronológica. O problema foi a expectativa criada. O que se viu é que o Brasil continua sendo um parceiro a mais dos EUA, nada realmente especial, como quis vender o governo Bolsonaro.

Continuaremos a fazer a nossa lição de casa e, em alguns anos, entraremos na OCDE. Mas será no ritmo normal dessa organização, sem atalhos imaginários.