A quem serve o sigilo?

O ministro Alexandre de Moraes acabou com qualquer dúvida sobre os vídeos trazidos pela CNN: as condutas de G. Dias e seus subordinados do GSI foram “ilícitas e coniventes”. Foram esses os termos usados pelo ministro em sua decisão de convocar o ex-chefe do GSI para depor. Então, acabaram as narrativas de que o amigo de Lula estava ali para “orientar” e “prender” os vândalos.

Mas esse despacho de Moraes suscita duas questões, essas a respeito do próprio ministro.

1. O ministro não tinha visto esses trechos antes? Precisou a CNN publicá-los para que Moraes tomasse conhecimento do ocorrido?

2. Se o ministro tinha conhecimento desses trechos, por que não pediu a oitiva, nesses termos, antes?

Existe uma possibilidade de que a resposta à primeira questão seja afirmativa. O ministro do STF é relator do inquérito, não investigador, de modo que, talvez, não tenha visto tudo mesmo, mas apenas os trechos selecionados por alguém para dar suporte às investigações. Neste caso, Moraes deveria mandar interrogar quem omitiu a “ilicitude e conivência” de G. Dias.

Caso a resposta à segunda questão seja afirmativa, no entanto, o caldo engrossa para o ministro. Ok, todo o processo está sob segredo de justiça, então Moraes não necessariamente precisaria dar publicidade aos trechos comprometedores. Mas, ao não fazê-lo, deixou correr solta a versão política dos fatos conveniente ao governo, em detrimento da transparência. A quem serviu o sigilo?

Em março de 2016, o então juiz Sérgio Moro levantou o sigilo da conversa entre a então presidente Dilma e o então ex-quase-ministro Lula, a respeito do papel que o Bessias iria levar para que Lula se livrasse de uma eventual ordem de prisão. Aquele telefonema foi o “tchau, querida” que acabou de derrubar o governo. O levantamento daquele sigilo teve desdobramentos políticos importantes, como sói acontecer com qualquer ato de agente público, que deveria ser, em princípio, público. Como diz o editorial do Estadão hoje, o sigilo deveria ser a exceção, não a regra, para inquéritos envolvendo agentes públicos. A decisão pelo sigilo tem implicações políticas. Com a palavra, o ministro Alexandre de Moraes.

Perguntas à espera de respostas

Comecemos pela versão virtuosa para o governo: o ministro do GSI, homem de confiança de Lula desde o seu primeiro mandato, chegou ao Palácio do Planalto para verificar o que estava acontecendo, subiu ao terceiro andar (onde fica o gabinete presidencial) e convidou gentilmente os invasores que ali se encontravam para que se retirassem. Esta é a versão apresentada pelo agora ex-ministro à Globo News. Seus subordinados, inclusive, faziam sinal de positivo para os invasores, além de distribuírem copos d’àgua, talvez para demonstrarem que, com Lula na presidência, o amor prevaleceria. Aqui, há uma versão virtuosa alternativa: os subordinados, todos nomeados por Augusto Heleno, seriam bolsonaristas e estariam apoiando o vandalismo. G. Dias teria entrado no Palácio e encontrado seus subordinados lá, que, então, teriam ajudado o ministro a esvaziar o andar.

Algumas perguntas precisam ser respondidas a respeito dessa versão:

1) Se a história é virtuosa, por que apareceu somente agora, por conta de um vazamento de vídeo colocado em sigilo de justiça?

2) Se a história é virtuosa, por que o ministro do GSI se viu na obrigação de entregar o cargo?

3) Se os subordinados bolsonaristas agiram à revelia do ministro, por que não foram imediatamente denunciados?

4) O ministro do GSI certamente sabia que estava sendo filmado, e não pareceu preocupado com isso. Esta poderia ser uma evidência de sua boa fé, a não ser que contasse com o sigilo das imagens. O que nos leva à próxima pergunta.

5) Se o ministro Alexandre de Moraes teve acesso a esse vídeo, por que não indiciou o ministro do GSI? O magistrado escutou a versão virtuosa e saiu convencido, a ponto de absolvê-lo sem processo?

6) Que outras imagens sob sigilo comprometem outras figuras da República?

7) Até que ponto o presidente Lula sabia dos movimentos de seu ministro, repito, pessoa de confiança que o acompanha desde o primeiro mandato?

Enfim, tem muito material aí para uma CPI, que deve ser instalada em breve.