Significa?

Ontem discutíamos se a indicação de Guido Mantega para escrever um artigo com o “pensamento econômico” de Lula realmente significava aquilo aparentava significar.

Hoje, reportagem do Estadão colhe uma série de depoimentos de próceres do partido, envolvendo vários tópicos caros aos liberais: reforma trabalhista, privatizações, teto de gastos, autonomia do BC. A começar pelo próprio Lula, que já havia dito que acabaria com o teto de gastos, e agora aponta a contra-reforma trabalhista na Espanha como um modelo a ser seguido.

A essa altura do campeonato, se alguém ainda tinha alguma dúvida do que significava a escalação de Guido Mantega como porta-voz econômico de Lula, respondo com Ronnie Von: significa.

História dos ministros da Fazenda do Brasil

Ministro da Fazenda é como técnico de futebol: se o time não está bem, acaba sobrando para o técnico. Em um país com a economia instável como a brasileira, não é à toa que a cadeira de Ministro da Fazenda seja do tipo ejetável.

Ao longo da história da República (portanto, 132 anos, 1 mês e 20 dias no dia de hoje), a se confiar nos dados da Wikipedia, tivemos um total de 69 ministros da Fazenda diferentes (sem contar os interinos), sendo que Paulo Guedes é o 69º da série. Ou seja, em média, um ministro a cada 1 ano e 11 meses.

Ruy Barbosa foi o primeiro ministro da Fazenda da era republicana, no governo de Deodoro da Fonseca. Durou 1 ano e 2 meses no cargo, o que demonstra que sabedoria e erudição não são condições suficientes para manter o ministro da Fazenda em sua cadeira. E nem tampouco são condições necessárias, como restou demonstrado ao longo da história.

O posto de ministro da Fazenda já serviu como trampolim para voos mais altos: Rodrigues Alves foi ministro da Fazenda de Floriano Peixoto e Prudente de Morais antes de ele mesmo ter se tornado presidente, Getúlio Vargas foi ministro da Fazenda de Washington Luís e Fernando Henrique Cardoso foi ministro da Fazenda de Itamar Franco.

O mais longevo ministro da Fazenda da história brasileira foi o desconhecido (para nós) Artur de Sousa e Costa, que conseguiu ficar na cadeira de ministro da Fazenda durante incríveis 11 anos e 3 meses durante a ditadura Vargas. Essa longevidade confirma a tese de que estabilidade política (mesmo que seja na marra) e econômica forma o ambiente propício para o ministro da Fazenda se manter em seu cargo.

Nessa linha, podemos identificar dois períodos em que houve uma baixa rotatividade dos ministros da Fazenda (além da ditadura Vargas): o período da ditadura militar e o período pós-Plano Real.

Durante a ditadura militar tivemos um total de 5 ministros da Fazenda em quase 21 anos, ou uma média superior a 4 anos por ministro.

No pós-Plano Real, tivemos 10 ministros da Fazenda em 27 anos e meio, ou um ministro a cada 2 anos e 9 meses, que é 40% acima da média histórica. É neste período que temos o segundo e o terceiro ministros da Fazenda mais longevos da história: Guido Mantega, que ficou no cargo por 8 anos e 9 meses, e Pedro Malan, que foi ministro da Fazenda de FHC durante 8 anos.

Apenas como curiosidade, a lista dos mais longevos ministros da Fazenda depois dos três citados são os seguintes:

4º: Delfim Netto (governos Costa e Silva e Médici): 7 anos

5º: Ernane Galveas (governo Figueiredo): 5 anos e 1 mês

6º: Mario Henrique Simonsen (governo Geisel): 5 anos

7º: José Leopoldo de Bulhões Jardim (governo Rodrigues Alves): 4 anos (o mesmo Jardim foi ministro da Fazenda no governo Nilo Peçanha três anos depois, mas considerei apenas mandatos em anos consecutivos. Nesse sentido, Osvaldo Aranha ocupou o cargo por 3 anos e 10 meses, mas em dois governos não consecutivos de Getúlio Vargas).

Depois destes, há somente ministros com menos de 4 anos de mandato, grande parte com menos de 2 anos. Se Paulo Guedes chegar ao final do governo Bolsonaro, empatará com o ministro de Rodrigues Alves em 7º lugar, com 4 anos consecutivos como ministro da Fazenda.

Fiz toda essa pesquisa levado pela curiosidade de verificar se havia algum ministro da Fazenda mais longevo que Guido Mantega, que hoje nos brindou com um artigo na Folha representando o “pensamento econômico” de Lula, e que será objeto de outro artigo. Como vimos, Mantega é o 2º ministro da Fazenda mais longevo da história, o que nos diz um pouco sobre o Brasil.

Esperando o Lula pragmático

A Folha está publicando, durante esta semana, artigos dos assessores econômicos dos principais candidatos à presidência nas próximas eleições. Nelson Marconi, Henrique Meirelles e Affonso Celso Pastore já haviam sido anunciados pelos respectivos candidatos. A surpresa ficou por conta do nome escolhido pelo PT para representar Lula: o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que ainda não foi apontado oficialmente como assessor econômico do candidato do PT.

Notinha de hoje da coluna do Estadão faz chegar a informação de que o nome de Guido Mantega “pegou mal” junto a empresários e o mercado, pois teria sido ele um dos artificies da derrocada do desgoverno Dilma.

O “entorno do presidente” (o que quer que isso signifique) já correu para dizer que “ainda não há definição de quem será o porta-voz econômico de Lula”. Compreensível. Afinal, Mantega, assim como Dilma, é um nome tóxico.

O ex-presidiário protagoniza um fenômeno realmente curioso. Enquanto qualquer candidato normal precisa suar a camisa para provar que vai cumprir suas promessas de campanha, os “empresários e o mercado” querem que Lula prove que NÃO vai cumprir suas promessas na área econômica.

Lula já falou várias vezes, para quem quis ouvir, que vai acabar com o teto de gastos, não vai privatizar nada, vai usar a máquina do governo (leia-se BNDES e as estatais) para impulsionar o crescimento do país e vai estimular o consumo porque é isso que faz “girar a roda da economia”. Não coincidentemente, a mesma fórmula que terminou no desastre dos anos Dilma. É este modelo que os “empresários e o mercado”, por algum processo incompreensível de self denial, se recusam a acreditar que será implementado.

Os “empresários e o mercado” sonham com o Lula pragmático que assumiu em 2003, com uma bela equipe econômica liderada por um Antônio Palocci de ideias ortodoxas. Alguns têm a ilusão de que aquele governo acabou quando Dilma assumiu em 2010, colocando a perder o legado de Lula. Outros colocam o “caso Francenildo” como o ponto de virada heterodoxo do governo do PT, pois Lula foi obrigado a trocar Palocci por Mantega, em março de 2006. Mas, na verdade, o início do verdadeiro governo Lula foi marcado pelo dia do “gasto é vida”.

Em novembro de 2005, Palocci começou a discutir no governo um plano de ajuste fiscal que reduziria a dívida pública de maneira relevante, o que levaria a uma queda estrutural das taxas de juros e permitiria ao país mudar de patamar. Dilma, à época ministra da Casa Civil, classificou o plano como “rudimentar” e deu o brado que marcaria os governos do PT dali em diante: “gasto é vida!”

A entrada de Guido Mantega no governo 5 meses depois foi somente o corolário natural dessa virada. Economias como a brasileira são como grandes transatlânticos: para mudar o rumo é preciso virar o leme muitos quilômetros antes. O debacle dos anos Dilma começou com a virada de leme que ela própria havia protagonizado vários anos antes. E, o mais importante, COM O AVAL DE LULA.

Essas brigas palacianas têm sempre um arbitrador: o presidente. Ainda mais um presidente que tem gosto pelo poder, como Lula. Na briga entre Palocci e Dilma, Lula arbitrou em favor da futura presidenta. A escolha de Mantega foi somente uma consequência necessária dessa decisão.

E cá estamos em 2022, com o “entorno do presidente” jurando que o assessor econômico de Lula ainda não foi definido e os “empresários e o mercado” fazendo força para acreditar no Lula pragmático. Cada um acredita no que quer. Mantega é só um detalhe, o que importa é o que Lula pensa. E ele já deixou claro o que pensa, tanto em suas falas recentes como em seu governo no passado.

Claro, podemos ser surpreendidos com a escolha de um nome ortodoxo como o de Marcos Lisboa, best friend de Fernando Haddad e de inequívocas credenciais ortodoxas. Neste caso, Lisboa faria o papel de Levy no segundo governo Dilma ou de Guedes no governo Bolsonaro. Caberá aos “empresários e ao mercado” decidirem se topam cair novamente no conto do “Posto Ipiranga”.

Paulo Guedes está prestigiado

No futebol, quando o time está caindo pelas tabelas, é comum o presidente do clube vir a público para dizer que “o técnico está prestigiado”. Esta frase normalmente precede a demissão. É até natural: quem está prestigiado não precisa de uma declaração formal do presidente, não é mesmo?

Têm sido cada vez mais recorrentes as declarações de Bolsonaro em favor de seu ministro da Economia. Não estivesse sob pressão por resultados, essas declarações seriam dispensáveis. A multiplicação das declarações de apoio estariam antecedendo a demissão? Só o tempo dirá.

Se sair do governo, Guedes estará apenas repetindo a sina dos ministros da Fazenda no Brasil. Desde a proclamação da República, tivemos 77 ministros da Fazenda, incluindo Paulo Guedes. A média de permanência no cargo foi de 1 ano, 8 meses e 20 dias. Guedes já é ministro da Economia há mais de 1 ano e 9 meses, o que já o faz estar na parte superior da tabela.

O ministro da Fazenda mais longevo da história do Brasil foi Artur da Souza Costa, que serviu o governo Getúlio Vargas por nada menos que 11 anos, 3 meses e 9 dias. O segundo mais longevo, acredite se quiser, foi Guido Mantega, que foi ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma durante 8 anos, 9 meses e 7 dias. O terceiro foi Pedro Malan, que foi o ministro da Fazenda de FHC durante 8 anos e o quarto foi Delfim Netto, que serviu os governos de Artur da Costa e Silva e Garrastazu Médici durante exatos 7 anos.

O que podemos observar, sem surpresa, é que situações econômicas instáveis detonam mais rapidamente os ministros da Fazenda. João Goulart, por exemplo, teve 5 ministros da Fazenda em 2 anos e 7 meses de mandato. Sarney teve 4 ministros em 5 anos, enquanto Itamar Franco teve inacreditáveis 5 ministros em 2 anos e 4 meses de mandato, batendo o recorde de João Goulart. Por outro lado, há pouca rotatividade durante períodos de bonança e estabilidade.

Paulo Guedes vai sair? Não sei. O que sei é que as juras de prestígio abundam. Por quê?

A narrativa vence os fatos

Entrevista de Marcio Pochmann ao Estado, hoje.

Me faz lembrar o já histórico debate entre Guido Mantega e Arminio Fraga na campanha eleitoral de 2014, mediado por Miriam Leitão. Apesar de ser infinitamente melhor preparado que Mantega e contar com uma sutil ajuda da Miriam, Arminio foi jantado pelo então ministro da Fazenda.

Seu erro? Achar que a verdade se impõe sobre a narrativa pelo simples fato de ser a verdade.

Pochmann expõe uma narrativa de uma desonestidade intelectual sem limites. Espero que os economistas que apoiam as candidaturas liberais não caiam no mesmo erro.

Discurso político na arena política

Nas eleições de 2014, houve um debate entre Guido Mantega e Armínio Fraga. Apesar de Fraga sabidamente ser muito mais preparado, Mantega saiu-se muito melhor. Por que? Porque Armínio foi preparado para um debate técnico, enquanto Mantega disputou na arena política. Resultado: jantou o Armínio com farinha.

Reali Junior e Janaína Paschoal foram brilhantes hoje na Comissão do Impeachment. Foram brilhantes porque decidiram fazer um discurso político, não técnico. Claro, deixaram claro todo o embasamento jurídico do pedido de impeachment, mas não perderam muito tempo com isso. Enfatizaram os efeitos dos crimes de responsabilidade sobre a vida do povo. Janaína foi especialmente feliz quando citou o quase fim do FIES. E quando ligou o Petrolão às pedaladas, algo não muito preciso tecnicamente, mas perfeito politicamente.

Os dois mereceram 10 minutos de Jornal Nacional, com direito a comentários favoráveis dos âncoras.