Os trade-offs das escolhas econômicas

Nada como uma pesquisa bem feita.

Imagine que alguma entidade interessada em emplacar a obrigatoriedade da CLT encomendasse uma pesquisa junto aos motoristas e entregadores de aplicativos. A pergunta poderia ser, por exemplo: “você gostaria de ter mais direitos sociais, como férias, 13o e aposentadoria”? A resposta, a não ser que a pessoa fosse masoquista, deveria ser um sonoro SIM. O problema, como sabemos, é que, em qualquer decisão econômica, temos trade offs. Se o trade off não é explicitado na pergunta, fica parecendo um almoço de graça. E quem não quer um almoço de graça, não é mesmo?

Isso me faz lembrar as enquetes sobre privatização. A pergunta pode ser “você é a favor de entregar o patrimônio nacional para grupos que exploram o lucro?” ou “você gostaria que estatais fossem vendidas e o dinheiro utilizado para saúde e educação?”. A mesma pergunta, formulada de maneira diferente, resultará em respostas completamente diferentes.

Neste caso, Uber e IFood foram expertos, e encomendaram uma pesquisa com as perguntas “certas”. No caso, a pergunta sobre CLT provavelmente foi algo na linha “você gostaria de migrar para a CLT mesmo que isso diminuísse sua autonomia de horários e flexibilidade para trabalhar para vários aplicativos?”. 75% responderam que não. A pergunta foi correta, porque apresentou o trade-off da escolha. Da mesma forma, 90% aprovam “novos direitos” (claro!), desde que “não interfiram na flexibilidade”.

Lula, Luiz Marinho e os sindicalistas do PT, já há muitas décadas livres de terem que ganhar a vida sob a CLT, afirmam que o trabalho dos motoristas e entregadores de aplicativo se assemelha “à escravidão”, pois não tem os direitos previstos na norma. O que essa pesquisa mostra é que os motoristas e entregadores, quando postos diante da escolha “direitos x autonomia”, preferem a autonomia. Para desgosto dos sindicalistas e intelectuais do PT, que certamente sabem o que é melhor para o trabalhador.

Um mundo sem patrões

Esta reportagem é uma pérola de rara beleza. São tantas as facetas, tantas as nuances, tantas as bobagens, que poderíamos discutir durante dias a fio e não esgotaríamos toda a riqueza que a reportagem encerra.

Como vocês já devem ter notado, gosto particularmente desse assunto. A economia das plataformas é um dos campos onde o capitalismo está se fazendo, agora, diante dos nossos olhos. A possibilidade de unir oferta e demanda através de um aplicativo na palma da mão, envolvendo também publicidade de massa, isso sim é inovação e ganho de produtividade na veia. E essa reportagem só vem chamar a atenção para esses pontos.

Do que se trata? Os entregadores não querem mais “patrão”. Por patrão, entende-se as empresas responsáveis pelos aplicativos. Para tanto, estão se reunindo em cooperativas. Só falta um detalhe para dar certo: fazer o aplicativo!

O repórter fez o seu dever de casa. Foi buscar a opinião de uma empresa de software, para saber quanto custaria o desenvolvimento de um aplicativo “enxuto”. 500 mil reales, pra começar a conversa. Bem, eu acho que este valor está beeeem subestimado. Pra fazer algo decente, precisa muito mais. Cheguei a comentar aqui sobre o SPTaxi, o aplicativo oficial da prefeitura de SP para “concorrer” com o Uber. A experiência do usuário é sofrível, para dizer o mínimo. Não encontrei em lugar nenhum quanto a prefeitura gastou para desenvolver aquilo, mas não tenho dúvida de que foi mais de meio milhão.

E o desenvolvimento inicial nem é o principal custo. A manutenção de qualquer sistema é um nightmare, como pode atestar qualquer profissional de TI. A Rappi tem 5 mil funcionários no mundo inteiro, o iFood tem 2,5 mil funcionários no Brasil. Grande parte está lá só para manter o sistema funcionando.

Já vimos então que a coisa não é simples. Isso não significa que precisa dar errado. Pode dar certo. Todas essas gigantes de tecnologia começaram na garagem de um cara que tinha uma boa ideia e lábia para vender essa ideia para financiadores. Esse cara chama-se EMPRESÁRIO.

Quando os entregadores se unem para não ter patrão, estão eliminando a figura do empresário, que é o único que consegue fazer a coisa acontecer. Chance de dar certo? Zero. Mas, se existir um empresário entre eles, alguém que consiga mobilizar capital humano e financeiro para levar adiante a ideia, então esse cara vai, mais cedo ou mais tarde, reivindicar o fruto do seu trabalho. Pode até continuar com o discurso da “justiça social”, afinal, tem muito empresário que defende a tal justiça social.

O problema mesmo, como sempre, é combinar com os russos. No caso, os consumidores. Em determinado ponto da reportagem, alguns mais realistas admitem que essas cooperativas poderiam funcionar para nichos de pessoas dispostas a pagar mais por uma entrega “sem patrão”. O nome de um desses grupos, “Entregadores Antifascistas”, entrega o objetivo ideológico da iniciativa, e poderia ter algum apelo em nichos bem-pensantes com dinheiro no bolso. Mas, para a grande massa de consumidores, que querem entrega rápida e barata, através de um aplicativo fácil de usar, esses rótulos têm pouco ou nenhum interesse.

No final do dia, quem vai decidir se as cooperativas de entregadores vão dar certo ou não são os consumidores. As usual.