Crimes correlatos

Reportagem de hoje no Estadão sobre os supostos “dissabores” de Moro em Brasília. Um dos exemplos seria a separação do crime de Caixa 2 do restante do pacote anticorrupção.

Como “prova” de que Moro voltou atrás em um posicionamento histórico, o jornalista contrapõe duas falas do atual ministro.

Aí você vai ler, e não é nada disso.

Na primeira fala, mais atual, Moro distingue os dois crimes, afirmando que ambos são graves. Na segunda, mais antiga, Moro diz que o caixa 2 é um crime grave, uma espécie de “trapaça eleitoral”. Fiquei procurando onde Moro dizia que caixa 2 é o mesmo que corrupção.

Que caixa 2 não é o mesmo que corrupção parece claro. Recursos de doações podem não ser contabilizados porque sua origem pode ter sido fruto de crime, qualquer crime, inclusive corrupção, mas não necessariamente. Pode ser, por exemplo, sonegação fiscal por parte do doador.

Que caixa 2 é uma “trapaça” eleitoral também parece claro. Um partido que não contabiliza os recursos que recebe tem vantagem ilícita sobre outro que contabiliza, pois amplia irregularmente o leque de potenciais doadores. Novamente, isso pode ou não ter a ver com corrupção, a depender da origem do dinheiro, mas são crimes diferentes.

Os dois textos de Moro, separados por 3 anos, são claros: ambos condenam o caixa 2 e nenhum deles diz que caixa 2 é equivalente a corrupção. Das duas uma: ou o jornalista que escreveu a matéria não consegue fazer a interpretação do texto e realmente acredita naquilo que escreveu, ou está de má fé. Assim como caixa 2 e corrupção, incapacidade de ler um texto e má fé são crimes diferentes, ainda que possam ser correlatos.

A voz dos “especialistas”

O Valor foi consultar “especialistas” em Previdência.

Aí você vai ver, e são o ex-ministro da Presidência do Lula e da Dilma (aquele que andava na garupa da ex) e o presidente do DIEESE.

Claro que o jornal pode ouvir e publicar as bobagens do PT. Faz parte.

Agora, dar uma roupagem “científica” ao que não passa de luta política, isso é alquimia jornalística.

Parabéns, Valor, por mais esse desserviço prestado.

Quando o jornalismo milita

Às vezes dá dó do jornalismo militante. A ânsia de provar uma tese é tão grande, que os requisitos mínimos da lógica e da aritmética são atropelados e ficam lá, estatelados e moribundos, no meio da via, enquanto o jornalista continua seu caminho como se nada tivesse acontecido.

Esta pequena reportagem do Estadão ilustra o ponto. A pauta é: como o governo Trump está fucking the world com sua visão obtusa e anticientífica sobre o aquecimento global.

Vamos começar pelo ponto mais óbvio: o título. 10% do PIB é coisa pra chuchu. Seria algo com que se preocupar de verdade. Mas aí você vai ver, e as perdas somam US$291 bi. Em um PIB de aproximadamente US$20 trilhões, temos o equivalente a 1,5% do PIB. Claro, qualquer perda do PIB é de se lamentar, mas vamos combinar que 1,5% é bem diferente de 10%. Tem alguma coisa errada nesses números, mas não fica claro onde.

Depois desse erro crasso de aritmética, começam as sutilezas que ferem a lógica. Por exemplo, logo no início do texto, o repórter afirma que as conclusões do relatório contrariam o próprio presidente, que “não acredita na influência humana sobre o aquecimento global”. Ora, a matéria não diz que o estudo da Casa Branca coloca na ação humana a fonte do aquecimento global. São citados uma série de números, mas em nenhum momento é colocada essa relação. Pode ser que exista, mas o jornalista não fez questão de deixar isso claro. O que temos é um diagnóstico do aquecimento, não uma relação de causa e efeito. Mas isso é irrelevante quando se trata de eleger o inimigo público número 1 do meio-ambiente e da humanidade.

Na linha de isolar o belzebu, não pode faltar a figura do “especialista”. Cavaram um cara de uma tal Wesleyan University (qualquer verossimilhança com um filme de Mel Brooks é mera coincidência) para dizer que “se perdermos mais 5 anos, a história piora”. Ok, Trump não está fazendo nada e a história só vai piorar. Mas o que dizer dos 15 anos anteriores? O mesmo professor diz que “perdemos 15 anos de tempo de resposta”. Uau! 15 anos inclui todo o mandato de São Obama, o champion das causas ambientais. Quer dizer então que Obama perdeu “tempo de resposta”? E por que exigir de Trump o que Obama não fez? Ainda bem que convidaram um especialista de uma universidade obscura pra dar palpite, senão eu ia levar isso aí a sério.

Os créditos da reportagem são do New York Times e do Washington Post. Não sei se foi feita uma tradução literal ou se alguém juntou informações de artigos publicados na imprensa americana e cometeu isso aí. Não importa. O fato é que a matéria não para em pé.

Não duvido nem desduvido do aquecimento global e nem da influência humana sobre o mesmo. O que me deixa triste é que toda vez que, de coração aberto, leio uma reportagem sobre o tema e busco informações para me convencer a respeito da influência humana sobre o aquecimento global, saio de mãos vazias. O jornalismo tem feito um trabalho porco nessa área, mais militando do que informando. O resultado é o aumento do ceticismo a respeito do tema, não o inverso.

Respeito à imprensa

Quem teve paciência de ler os Diários da Presidência (eu li o 1o volume e foi o suficiente) viu como FHC passa grande parte do tempo reclamando das injustiças publicadas pela imprensa. Houvesse Twitter na época e fosse FHC um histriônico como Trump, seus tuites não seriam muito diferentes.

Além disso, é o PT que ameaça a imprensa livre em seu programa, prometendo implementar um tal “controle social da mídia”.

Sim, intimidar a imprensa livre é uma ameaça à democracia, e isso é inadmissível.

A indigência do jornalismo brasileiro

Este é o fim da reportagem do Valor sobre o uso do Whatsapp para a disseminação de fake news.

A reportagem descreve as regras restritivas adotadas pela empresa (limitação de encaminhamento de mensagens e de tamanho dos grupos), e diz que essas regras são globais. Ou seja, aparentemente, aquela ideia de que “números estrangeiros” estariam sendo usados para burlar as limitações locais são lenda urbana.

O repórter, no entanto, não ficou satisfeito. Em um trabalho “investigativo”, deu Google em “disparador de Whatsapp” e “bancos de dados número de celular” e encontrou milhares de resultados. A conclusão do indigitado foi a de que “a divulgação em massa não é uma tarefa muito complexa”.

Bem, eu também fiz minha investigação. Digitei “ganhar dinheiro sem esforço” no Google e obtive milhares de páginas, inclusive com tutoriais. De onde concluí que ganhar dinheiro sem esforço “não é uma tarefa muito complexa”.

PS.: este post NAO É uma negação da existência de fake news no WhatsApp distribuídos de maneira massiva. É apenas um lamento sobre a indigência do jornalismo brasileiro.

Não há como Bolsonaro vencer um debate

Segundo reportagem do Estadão, estima-se que o debate entre Collor e Lula, em 1989, tenha sido assistido por 100 milhões de pessoas. Já a audiência do último debate entre Dilma e Aécio em 2014 foi de 1,5 milhão de domicílios, ou 6 milhões de pessoas.

As regras rígidas e o crescente cansaço com a política podem explicar essa brutal queda de audiência.

Os debates, portanto, valem pela sua repercussão na imprensa nos dias seguintes mais do que pela audiência em si.

Segundo essa repercussão, Marina foi a grande ganhadora do debate na Rede TV, e Bolsonaro o grande perdedor.

Eu assisti e não vi nada disso. Vi, repito, um embate equilibrado nas ideias e uma vantagem de Bolsonaro na postura, pois Marina mostrou desequilíbrio ao tentar interrompê-lo fora das regras. Fosse uma luta de boxe, eu daria vitória por pontos para Bolsonaro, mas poderia discutir um empate. A imprensa deu vitória de Marina por nocaute.

Bolsonaro sacou que não tem como ser vencedor de nenhum debate. O resultado já está dado.

Ele considerou que é melhor perder de W.O. do que de goleada. Talvez seja uma boa tática para o 1o turno, aliás, tática usada com frequência pelos líderes isolados no 1o turno. Vamos ver.

Uma frase fora de contexto

“Confissão de Neymar divide opiniões”

Verdade. Alguns acharam ridícula, outros acharam estapafúrdia e outros ainda acharam que foi um tiro no pé.

Às vezes eu acho que os jornalistas aprendem uma série de frases feitas na faculdade, mas têm dificuldade de usá-las no contexto correto.

De como são feitas as notinhas nos jornais

Duas notas políticas de hoje, uma no Estadão, outra no Valor.

Na primeira, Alckmin persegue Temer. Na segunda, Alckmin ignora Temer.

Aprenda: as análises e notas políticas são plantadas nos jornais pelos próprios políticos, de acordo com seus próprios interesses.