Análise da pesquisa Ibope em São Paulo

Interessante a pesquisa Ibope em São Paulo divulgada ontem.

No cenário com Lula, o presidiário recebe 23% dos votos, enquanto Bolsonaro recebe 18% e Alckmin 15%.

Sem Lula, o quadro se inverte: Alckmin recebe 19% e Bolsonaro, 16%.

Alckmin herda 4 pontos percentuais de Lula. Mas o curioso é o que acontece com Bolsonaro, que PERDE 2 pontos sem Lula.

Seria como se, na lista com Lula, uma parcela dos eleitores escolhesse Bolsonaro porque o Lula está lá. Seria uma espécie de “voto útil” em alguém com teoricamente mais chances, hoje, de vencer Lula no 2o turno. A mesma pesquisa mostra que Lula lidera a rejeição no Estado (45%).

Excluído Lula da lista, Bolsonaro perde essa fatia de eleitores, que se veem livres para escolherem seu candidato de predileção.

Existem analistas que defendem que a candidatura Bolsonaro nasceu como um “anti-petismo”, e só mais recentemente adquiriu características de “anti-establishment”. Esses analistas defendem que a saída de Lula do jogo eleitoral prejudicaria também Bolsonaro, pois tiraria a sua razão de existir. Essa pesquisa do Ibope pode estar sinalizando isso.

(Aos bolsonaristas: pesquisa de intenção de voto não vale só quando Bolsonaro está na frente, talkei?)

Establishment vs. Anti-Establishment

Hoje, o repórter Cristian Klein, no Valor, levanta mais um fator que poderia levar a um segundo turno entre Alckmin e Bolsonaro.

Como sabem, tenho defendido que esta é uma hipótese mais provável do que tem admitido a média dos analistas, ainda presos ao esquema “PT x PSDB”, “esquerda x direita”. Em minha modesta opinião, a clivagem que vai prevalecer não é esta, mas sim “establishment x anti-establishment”.

Pelo establishment, com estrutura, apoios e tempo de TV, Alckmin está praticamente sozinho. O candidato do PT, que poderia lhe fazer sombra, está na cadeia, enquanto Ciro está sendo devidamente desidratado.

Pelo anti-establishment, ninguém veste melhor o figurino do que Bolsonaro. Marina, uma potencial competidora nesse campo, perde em termos de “novidade”.

Mas mesmo para os que ainda dão peso à clivagem “direita x esquerda” (que continua existindo, sem dúvida), Cristian Klein chama a atenção para um outro fator que vem se desenhando: a fragmentação das candidaturas da esquerda.

Em todas as eleições desde 1994, as esquerdas (com exceção do PSOL) se uniram em torno de Lula. Hoje, sem o presidiário de Curitiba, PC do B e PDT ensaiam carreiras solo, além da eterna candidata Marina Silva. Assim, a dispersão dos votos da esquerda, a não ser que ocorra um voto útil ainda no primeiro turno, pode sim viabilizar um segundo turno entre candidatos do centro-direita.

Claro, tudo pode mudar, Lula pode conseguir unir as esquerdas em torno do seu poste ainda no 1o turno, e aí então o quadro muda. Mas, do jeito que está desenhado hoje, o 2o turno pode ver sim um embate entre establishment x anti-establishment.

As duas grandes muralhas

Eugênio Bucci comete hoje um artigo no Estadão que explica muito do que vimos no Roda Viva esta semana.

Ele começa o artigo afirmando que “Dois limites comprimem a democracia brasileira. Duas muralhas móveis, cada uma de um lado, vão se aproximando uma da outra, como nestas máquinas de compactar detritos. Combinadas, as duas podem transformar o projeto democrático que se desenhou para o Brasil a partir da Constituinte federal de 1988 num pacote de lixo concentrado.”

Obviamente uma dessas “muralhas móveis” é Bolsonaro. Aliás, Bolsonaro seria apenas um sintoma de algo mais grave: “a cultura antipolítica e antidemocrática mobilizada por essa candidatura”. Como se essa “cultura antipolítica e antidemocrática” tivesse surgido de Marte, não fosse fruto do estupro coletivo da democracia comandado pelo presidiário de Curitiba.

E por que Bolsonaro seria “anti-democrático”? Simples: porque não condena a ditadura militar. A ditadura seria a referência, para o Brasil, do que não é democrático. Funcionaria como o nazismo para a Alemanha: os alemães se auto-referem ao nazismo para construir sua própria identidade pós-guerra. É curioso como a referência é a ditadura militar e não, por exemplo, a ditadura de Getúlio Vargas, ou o apoio a ditaduras como a cubana ou a venezuelana. Mas segue o jogo.

Com esse mindset, fica então claro porque a insistência, no Roda Viva, de perguntas sobre a ditadura militar. Esses jornalistas se veem como um bastião da luta pela democracia, e querem desconstruir Bolsonaro no lugar onde eles acham estar a batalha de vida ou morte. Nós, pobre mortais que precisamos pagar os boletos vencidos, ficamos sem entender muito tudo aquilo. Obrigado, Eugênio, por nos explicar.

Fui lendo o artigo, ansioso à espera da segunda “muralha móvel que vai transformar nossa democracia em lixo”. Achei que fosse falar de Lula e do PT. Afinal, é sob o comando de Lula que o PT vem desrespeitando as instituições democráticas brasileiras. São os petistas que chamam um Congresso eleito pelo povo e que segue a lei de “golpista”. É Lula e seus asseclas que desafiam diariamente o judiciário brasileiro. É o PT que quer patrocinar o “controle social da mídia”, eufemismo para censura. Foi Lula que comandou o Mensalão e o Petrolão, dois movimentos que desvirtuaram a democracia representativa como nunca antes na história desse país. Fui ingênuo. Não há uma linha sobre Lula ou o PT. A segunda “muralha móvel” seria a “privatização do espaço público promovida pelos monopólios globais da era digital”. No caso, o Facebook. E os adeptos da primeira muralha estariam se aproveitando da segunda muralha para fazer o serviço de transformar a democracia em lixo. Ele não disse, mas certamente viu com bons olhos a retirada de páginas de apoio a Bolsonaro da rede.

Bucci se mostra o que todo “democrata gramsciano” é: um autoritário. Mário Covas dizia que o povo sempre vota certo, é preciso que os políticos entendam a mensagem que o povo passa nas eleições. Essa é a essência do espírito democrático. Quem disse que o tal “projeto democrático que se desenhou para o Brasil a partir da Constituinte federal de 1988” é o único possível? Visão autoritária, que despreza o voto e sabe o que é melhor para o povo do que o próprio povo.

Bolsonaro vai disputar as eleições dentro do jogo democrático. Se ganhar, terá que governar dentro dos parâmetros democráticos. Se mijar fora do penico (como, aliás, o PT tentou), as instituições democráticas o expelirão.

Ver Bolsonaro como a única ameaça à democracia no Brasil diz muito sobre o tipo de democracia que Bucci e seus coleguinhas querem para o País.

Padrões

A história nunca se repete. O ser humano gosta de ver padrões, e daí nascem coisas como a astrologia e a numerologia. A tentação é igualmente grande de ver padrões históricos onde há apenas o desenrolar linear da história.

Tendo posto o disclaimer, a analogia entre Bolsonaro 2018 e Collor 1989 é tão irresistível que… não consegui resistir!

Assim como Bolsonaro, Collor voou abaixo dos radares por anos. Foi prefeito de Maceió, deputado federal e governador de Alagoas antes de ser alçado ao posto máximo da República.

Collor era um ilustre desconhecido até que, no próprio ano da eleição, engatou um discurso que pegou: o de “caçador de marajás”, aquele que iria acabar com a corrupção. E isso em um país que vivia uma hiperinflação de fazer inveja à Venezuela. A pauta não era econômica, mas moral. Alguma semelhança?

Collor desbancou medalhões da política tradicional, e decidiu o 2o turno com o eterno candidato do PT. Era claro para os analistas que Collor iria “desmanchar” durante a campanha: sem estrutura, com um partido pequeno, só tinha seu discurso. E Collor permaneceu teimosamente na frente de todos os outros candidatos ao longo de toda campanha.

Collor se elegeu e foi impichado. Sua deposição ocorreu porque um presidente se elege com um discurso moral, mas governa com a economia. Collor não domou a hiperinflação e a economia entrou em recessão. Quando mais precisava, seu apoio no Congresso lhe faltou, pois nunca o teve de verdade. A Casa da Dinda (os mais novos procurem pelo termo) foi apenas o motivo jurídico formal, assim como foram as pedaladas para Dilma. A queda se deu por falta de apoio político em um momento de extrema fragilidade da economia. Sarney e Temer também tiveram escândalos de corrupção em seus governos e atravessaram momentos terríveis na economia, e nem por isso foram derrubados. O apoio do Congresso fez a diferença.

Fast forward para 2018.

Bolsonaro apareceu do nada com um discurso moral, tem o apoio apenas de um pequeno partido e, se ganhar as eleições, terá desbancado medalhões com muito mais densidade política. Enfrentará uma crise econômica braba, estrutural, de solução não óbvia. Se não conseguir o apoio do Congresso (e, não nos enganemos, o Congresso é esse Centrão que está aí), será uma questão de tempo para que se encontre a “Casa da Dinda” ou as “pedaladas” que servirão de motivo formal para o seu impeachment.

Mas, claro, a história não se repete. Eu é que gosto de ver padrões onde eles não existem.

Bolsonaro no Roda Viva

Minha avaliação do Bolsonaro, ontem, no Roda Viva.

1) Suas limitações ficaram evidentes. A primeira pergunta do programa, que é a mesma para todos os candidatos (qual a marca que gostaria de deixar para a posteridade) já era conhecida, e mesmo assim recebeu como resposta um programa de governo inteiro, obviamente ensaiado, mas que não respondia à questão. Ao insistir na pergunta, o jornalista recebeu como reposta um dos itens daquele programa (um Brasil mais liberal), que pareceu meio aleatório e está longe de ser uma marca memorável. A falta de preparo ficou evidente em outras ocasiões, quando as perguntas eram mais específicas. No fim, não conseguiu citar sequer um brasileiro que o inspira. Podia ter sacado um, sei lá, Duque de Caxias, mas nem isso. Ficou fazendo searching ao vivo.

2) Por outro lado, transpirou autenticidade. Colocou-se firmemente à direita do espectro político, sem preocupação em “ganhar votos” de quem ele sabe que nunca os terá. Usou e abusou do politicamente incorreto, como quando atacou as cotas. Foram os momentos mais divertidos do programa. Sua reposta a José Gregori foi o equivalente semântico à resposta que deu a Maria do Rosário: não te mataria porque você não merece (ele não disse isso, mas foi esse o sentido). Essa característica “bocuda” do candidato é o que dá o sal e o distingue do chuchu Alckmin.

3) Para os que ainda têm dúvidas sobre as suas “convicções liberais”, o candidato me pareceu convincente. Chegou ao ponto de criticar Geisel pela criação de estatais, ainda que contextualizando. O casamento com Paulo Guedes parece firme, e seus “senões” ao programa puro liberal vem mais do perfil médio do brasileiro, que gosta de um Estado grande, e que acaba se refletindo no perfil do Congresso, criando dificuldades para a aprovação de medidas liberais. Isso é só realismo, não é anti-liberalismo, e o Bolsonaro me pareceu realista neste ponto, não anti-liberal. Com o que ele falou ontem, acho que passa no “Teste da Faria Lima”.

4) A bancada do programa foi um espetáculo à parte. Gastaram o primeiro bloco inteiro falando do golpe e da ditadura militar, com a honrosa exceção da jornalista da Veja. E o assunto ainda retornou algumas vezes com outras roupagens. Quando é que esse pessoal vai entender que ele não vai perder votos porque apoia os militares, mas sim porque eventualmente não se mostrará preparado para enfrentar os problemas do Brasil? Essa pauta do golpe parece um disco riscado, que interessa a meia dúzia de intelectuais e jornalistas. E ainda deu palanque para que o candidato mostrasse a sua performance em campo conhecido e confortável.

Conclusão: quem acha que a mera exposição do Bolsonaro o fará desidratar, acho melhor colocar as barbas de molho. Ontem, durante uma hora e meia, foi exposto a uma bancada francamente hostil, e não acho que tenha perdido votos. Lembrando que Bolsonaro, hoje, é o único candidato que pode se dar ao luxo de não precisar de votos adicionais para ir ao 2o turno, basta não perder os que já tem.

A única forma de tirar votos do capitão, em minha modesta opinião, é explorar sua fraqueza, que é a falta de preparo e experiência. Insistir nas pautas da esquerda só vai fortalecer a sua candidatura, pois foi aí que ela se construiu.

Coerência

Bolsonaro cortejou o PR de Valdemar da Costa Neto. Quando recebeu um pé no traseiro, afirmou que “sua aliança era com o povo”.

Ciro cortejou os partidos do “Centrão”. Quando recebeu um pé no traseiro, Carlos Lupi, presidente do seu partido, afirmou que “o doce poderia estar estragado”.

O fato de esses partidos terem procurado o que há de pior no fisiologismo brasileiro mostra, em primeiríssimo lugar, que o tal fisiologismo não tira voto. Ou, pelo menos, o tempo de TV é visto como um ativo muito mais importante do que a suposta perda de votos pela associação com o fisiologismo. Se é que há perda relevante de votos.

Assim, os candidatos “anti-establishment” se digladiam pelo apoio do “establishment” em busca de votos. Movimento legítimo em uma democracia, desde que consigam explicar a aparente contradição para o distinto público.

Nesse sentido, quatro candidatos parecem mais coerentes: Alckmin, Meirelles, Manuela e Amoêdo. Os dois primeiros porque não negam sua ligação com o establishment, quem está votando sabe o que está comprando. Manuela e Amoêdo porque têm uma agenda que não se mistura, mesmo que isso signifique permanecer nanico. Aqui também fica claro o que se está comprando.

A coerência é um ativo intangível importantíssimo para a governabilidade. Que o diga Dilma Rousseff, que se elegeu com um discurso e governou com outro.